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sábado, 20 de novembro de 2021

NÃO AGRADE AS PESSOAS


 “ATENÇÃO” - Como deixar de agradar as pessoas e continuar com amigos. Sim, é isso mesmo que você leu!

Método para desenvolver a sua vida e alcançar a prosperidade dos sonhos.

Livro Digital ao seu alcance a partir de agora!


Aquele bicho de 7 cabeças chamado Lei da Atração é mais manso do que você imagina.

Vou te contar um detalhe, se você chegou até aqui é porque agora é sua hora!

1 - Você pode ler vários livros, fazer vários cursos sobre desenvolvimento pessoal, prosperidade financeira e família feliz, ou então aproveitar o atalho que estou oferecendo com meu Livro Digital NÃO AGRADE AS PESSOAS.

2 - Vamos lá, vai perder essa? Chegou seu momento de entender por que ainda não deu certo com você!

3 – Às vezes dá vontade de desistir, mas é aí que está o pulo do gato. Tudo tem seu tempo pra concretizar, amadurecer, inclusive nossa forma de enxergar a energia que nos cerca, e desistir é a pior escolha a fazer.

4 – Pensando nisso foi então que decidi oferecer mais que um manual, um Livro Digital com detalhes simples e de fácil compreensão para ser lido rapidamente e absorvido pra vida toda.

- Ao adquirir o Livro Digital NÃO AGRADE AS PESSOAS, imediatamente ele será enviado para seu e-mail.

- Saiba que existe uma Lei que rege o Universo, e que tudo acontece a partir de nossos pensamentos.

- Aprenda a controlar sua mente e a bloquear os pensamentos catastróficos recorrentes, aqueles que não sabemos de onde vêm e que nos travam, provocando o medo.

- As crenças existem, e nem todas são limitantes, mas podemos superar as limitações que nos atrapalham.

- Saiba o motivo das pessoas ruins serem ricas financeiramente e os pobres continuarem na pobreza, mesmo sendo boas pessoas.

- Entenda que a lei do retorno acontece a todo o momento, e que o outro nada mais é do que o nosso espelho, aquele que vai mostrar onde precisa ser trabalhado em nós pra entender, superar e transformar.

- Aprenderá a conversar com seu corpo e a entender a Epigenética.

NÃO VOU PASSAR A MÃO NA SUA CABEÇA e dizer que é só clicar aqui, fazer aquilo ali, pensar nisso etc. Existe um processo a ser seguido, e sei que você tem persistência suficiente pra continuar até o fim.

Comece hoje mesmo para resgatar seu poder em saber pensar direito.



ROLOU A PÁGINA E NEM VIU?

IMAGINA SE FOSSE UMA COBRA?

- Tudo que você está vivendo no momento foram pensamentos e escolhas que teve no passado.

- Tudo que você pensa hoje foi o mesmo que pensou ontem, e assim sucessivamente, como um eco.

- Tudo que você pensar diferente hoje, seu modo de agir, de enxergar as pessoas e as situações, ecoará na sua vida amanhã.

- Acabe com seus bloqueios ressignificando seus traumas do passado.

- Tá esperando o quê pra começar uma nova jornada?

- Livro Digital NÃO AGRADE AS PESSOAS.

- Se chegou até aqui é porque o assunto é pra você agora!


Pra quem é o livro digital NÃO AGRADE AS PESSOAS?

- Pra quem já fez a pergunta: o que estou fazendo aqui?

- Pra quem é curioso e gosta de fuçar em tudo quanto é assunto.

- Pra quem já leu algo sobre Lei da Atração e não sabe por onde começar.

- Pra quem está descrente com união amorosa e quer um sentido pra vida.

- Pra quem sente medo de descobrir algo que tenha que mudar a vida e está bem onde está.

- Pra quem começou o processo de expansão da consciência.

- Pra quem tem certeza que o motivo de não ser próspero é por causa de algumas pessoas.



Garantia de 7 dias, sem choro!
Diretamente pro seu e-mail

Apenas 3 x R$11,31


Todos os direitos reservados | contato claraluciaescritoria@gmail.com | ISBN 978-65-00-20785-9


quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

A Pequena May


- May, tomar banho, agora, vamos! - a mãe chamou a pequena que brincava em sua "floresta, que tinha velhos panos presos nos cabelos com pregadores de roupa. Era seu véu de rainha.
- Hammmm - interrompeu sua fantasia de rainha, virou-se para a mãe, arrancou os panos dos cabelos e correu em disparada para a casa.
No caminho foi conversando com sua rainha, dizendo que hoje era o dia de ir na loja comprar coisas pra usar no Natal. Ela conversava e respondia pra ela mesma... - Um a um ia listando as prováveis coisas a serem compradas. Uma delas seria um par de sapatos pretos brilhantes, como ela havia pedido pra mãe tempos atrás. Outro item que ela tinha certeza que teria seria um vestido. Não tinha preferência, qualquer um combinaria com seus sapatos.
May, nos seus cinco anos, já sabia escolher detalhadamente o que usar devido aos livros infantis que tinha e aos desenhos animados que assistia.
A floresta era um lugar mágico, com dragões e cobras, porém não eram bichos maus, eram seus amigos e estavam lá pra defendê-la da bruxa malvada que ficava escondida atrás do muro, ouvindo ela brincar e cantar.
Quando chegava fim de ano, era costume da família ir a uma grande loja comprar roupas, sapatos, utensílios para a casa e alguns presentes. Eram definidas como "as compras do ano".
Junto ao encanto de ter roupas novas e sapatos novos, May sabia que era época de comer coisas gostosas e de reunir na casa dos avós e ganharem vários presentes. Esses detalhes ela contava pra rainha da floresta:
- Hmmmm, vai ter refrigerante, bolo, macarrão da vovó, sorvete... E eu vou ganhar um montão de presentes! - confidenciava May.
Também era definida como "a reunião familiar do ano".
Enquanto tomava seu banho, May cantava músicas desconexas, inventadas por ela mesma, como se fossem histórias cantadas. Tinha uma imaginação sem fim.
A roupa já estava em sua cama e sua sandália, que já estava pequena para seus pés, estava posicionada alinhadamente do lado cama.
A mãe de May ajudava-a a se enxugar e a colocar o vestido. Depois penteava seus cabelos cacheados, segurava seu rosto, olhava-a com ternura e, com um sorriso, dizia a ela que era a rainha mais linda da floresta. May sorria e respondia "sim, eu sou".
O pai de May já estava há um bom tempo aguardando as "madames" se embonecarem para irem às compras, impaciente, como todo homem atarefado, mesmo estando em férias da empresa em que trabalhava.
Quando May apareceu na sala, sorriu para seu pai e, inclinando a cabeça para o lado, disse que já estava pronta. Seu pai, como fazia todos os anos, pegou-a no colo e elevou-a ao alto e voltou-a ao chão, fazendo com que seu vestido abrisse como um para-quedas e seus cachos balançassem no ar. Ela gargalhava feliz.
A grande loja ficava longe de casa, por esse motivo a família usava o transporte público. Estava lotado e sem lugares para sentarem-se. May não entendia muito o acúmulo de pessoas dentro do ônibus, apenas observava um e outro, agarrada na mão de seu, que também se equilibrava segurando no suporte algo do ônibus.
May deitou seu olhar numa senhora que estava sentada bem no seu rumo, com várias sacolas e um embrulho bem grande ajeitado entre as pernas. Era um presente.
- O que é isso? - perguntou à senhora.
- É um presente. - respondeu sorrindo para May.
- É pro seu filho? - insistiu a pequena.
- Não, é Papai Noel pro meu neto Tiago.
May encarou a senhora e ficou imaginando o Papai Noel dentro da caixa e logo pensou que ela não teria presente do Papai Noel porque ele estava preso dentro da caixa, e que a avó havia comprado ele somente pro seu neto Tiago.
Próxima parada desceriam. May encarou a senhora até descer do ônibus, inconformada.
Na loja, que estava lotada, May corria pra lá e pra cá, sempre sob os olhos atentos dos pais, que a repreendiam caso esbarrasse em algum objeto. Vez ou outra seu pai pegava sua mão pra que ela se aquietasse. Mesmo assim May continuava brincando, conversando, cantando e apontando uma coisa ou outra. Tudo era encantador, com luzes piscando, músicas natalinas, brilhos, bolas coloridas, e lá no fundo, quem estava lá? O Papai Noel.
May parou e ficou boquiaberta ao saber que o Papai Noel não estava dentro da caixa da senhora do ônibus. Imediatamente ela apontou para ele e gritou: - Papai Noel!
Seu pai repreendeu-a mais uma vez, e sua mãe, com toda paciência, pegou na pequena mão de May e levou-a até ele.
May, com os olhos brilhantes, perguntou:
- O que você está fazendo aqui?
Papai Noel, surpreso pela pergunta, respondeu:
- Estou aqui te esperando, menina!
May sorriu, aproximou-se dele e começou a contar a história do ônibus, mas o tempo era curto e haviam pessoas na fila, foi interrompida. Deu um abraço nele e saiu saltitando de alegria. May tinha certeza de que ele havia fugido da caixa.
Sua mãe sentou-a num puff para provar os sapatos. Não eram brilhantes como havia pedido. May cruzou os braços e não quis experimentar. Os sapatos brilhantes, em verniz, eram um pouco mais caros e o casal teria que abrir mão de alguma coisa para satisfazer os gostos da filha. Ficaram cochichando até chegarem num acordo. Comprariam um presente mais barato para May e assim poderiam comprar os sapatos em verniz. Realmente eram lindos!
As compras seriam entregues na casa deles, pois eram volumosas, muitas caixas e alguns itens eram pesados.
Saíram da loja e foram comer pastéis, como era costume. Pastéis de carne e garapa.
A família de May era bem simples, porém eram organizados nas despesas. A "compra do ano" era sagrada e o dinheiro era guardado mês a mês.
Fim de ano era o tempo de reunir a família e esbanjar um pouco na alimentação, comer pudim de leite, beber guaraná, vestir roupas novas e trocar presentes. Todos ganhavam, todos compartilhavam o que podiam, todos matavam as saudades e tinham o "dia do ano" mais feliz do mundo.
May, vestindo roupas novas, sapatos brilhantes, cachos esvoaçantes, e uma história pra contar cantando pra todo mundo, sobre o Papai Noel na caixa do Tiago.
Coisas da vida.

Clara Lúcia

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terça-feira, 10 de julho de 2018

AS PANTUFAS DE NONNA


O tempo era meio esquisito no inverno, num dia um calor seco, no outro um frio cortante, daqueles de soltar fumaça pela boca. Ana Vitória nem podia sair de dentro de casa para brincar, devido a sua sensibilidade com o clima seco. Sofria no inverno a pequena. Mas invenções para brincadeiras é que não faltavam para entretê-la.
Ana Vitória, uma menina de cabelos encaracolados, olhos grandes e verdes, sardas no nariz e, no auge dos seus cinco anos, as janelas na boca eram inevitáveis. Os quatro dentes de leite da frente já não faziam mais parte de sua figura. Era uma criança doce, meiga, porém teimosa como uma mulinha em crescimento. Adorável quando queria alguma coisa, cativante para evitar broncas por alguma travessura, mas educada, que era o que mais importava.
Em sua casa, além dela e seus pais, sua bisavó vivia com eles em harmonia perfeita. Afinal que família não vive em harmonia quando se tem uma bisneta a querer brincar com a bisavó fazendo-a sentar no chão e cruzar as pernas? Ana fazia isso e depois gritava pela mãe para ajudar a nonna a se levantar. E ria da situação. Nonna se divertia demais! Fazia de propósito só para ouvir as gargalhadas da bisneta. E ficava mole quando sua neta, mãe de Ana Vitória, ia acudi-la para se levantar. Percy, mãe da pequena, tinha medo de nonna se machucar ou quebrar algum osso. "Que nada", dizia nonna, "aguento muita coisa ainda, fia".
E nesse tempo frio, Percy fez pantufas para nonna, toda colorida em crochê. Ela adorou! Qualquer ventinho mais frio que dava, lá estavam as pantufas a esquentar os pés da nonna.
Ana Vitória também ganhou pantufas, mas as dela eram de ursinho bem peludo. Tinham a sola antiderrapante e eram bem macias. Já as da nonna eram somente em crochê, sem sola antiderrapante nem nada. Mas  eram quentinhas e confortáveis. Nonna calçava-as e ficava sentada no sofá cobrindo as pernas com uma manta leve.
Ana Vitória ficava observando as suas pantufas e comparando com as da nonna. Eram diferentes uma da outra, apesar de terem o mesmo nome, deduzia a pequena. Ana indagava a bisavó sobre a sola não ter aquelas bolinhas, as antiderrapantes, e nonna apenas dizia que as pantufas que tinham bolinhas eram somente para crianças felizes poderem correr, brincar e não cair. Ana abria uma sorriso, colocava seu pé do lado do pé de nonna e comparava o tamanho, depois dava um beijo na bochecha dela e voltava aos seus brinquedos.
Num dia frio nonna preferia não se aventurar no chão com a bisneta. Mas engana-se quem imaginava que Ana Vitória ficasse quieta perto da nonna! Fazia questão de trazer seus brinquedos para perto dela, arrumava tudo em volta dos pés da nonna formando um círculo, e ali cantarolava com as bonecas e fazia chá para servir à nonna.
Percy ficava observando a criatividade da filha com a bisavó e sentia paz. A diferença de idade era de oitenta anos, porém não fazia a menor diferença. Nonna, encurvada e com os cotovelos apoiados nos joelhos, entrava na brincadeira e fazia tudo que Ana Vitória pedia. E riam descontroladamente das caretas que nonna fazia quando tomava o chá.
Percy, que ficava observando da porta da sala, ria também e se lembrava de quando era criança e nonna fazia chá para os netos. Era o chá de cheiro, saboroso e perfumado. Sempre era acompanhado por pão caseiro, bolinho de chuva ou bolo de fubá. Os netos se fartavam com as delícias de nonna! Depois de moça é que Percy descobriu o segredo do chá, apenas água com açúcar. E pensava que além desses dois ingredientes, havia também muito amor envolvido, muito capricho e bom humor. Percy fechava os olhos e imaginava o aroma do chá de cheiro com o pão caseiro invadir a casa... E olhava para a filha que brincava com nonna e se emocionava pela falta de seu bisavô e de seus pais, todos falecidos. A família havia diminuído, mas a energia do amor enchia a casa de Ana Vitória!
Não sabia por mais quanto tempo nonna estaria entre eles, mas fazia questão de proporcionar o maior conforto possível para ela. E fazia questão de Ana Vitória participar de tudo e ter uma lembrança maravilhosa da infância ao lado de nona por toda a vida.

Clara Lúcia

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Picuinhas De Casal


Alguns e-mails que recebo sobre relacionamentos abusivos, nem sempre são abusivos. Às vezes as pessoas são complicadas, difíceis e não conseguem enxergar o outro como uma outra pessoa, um outro universo, um outro ser independente e pensante.
A maior dificuldade é essa mesma, de se colocar no lugar do outro, entender o que se passa com o outro, saber o que pensa, o que gosta, como age, como quer viver, como quer compartilhar. Em vez disso instala-se uma enxurrada de acusações e cobranças, muitas vezes infundadas.
O que eu percebo é a falta de comunicação, como sempre.
A mulher gosta de falar, gesticular, discutir (nem todas), e o homem foge de discutir alguma coisa (nem todos). Ou seja, há quem goste de discutir e há quem não goste de discutir nada, independente quem seja.
Conviver com outro ser humano é muito complicado.
Aí pode aparecer alguém e dizer: "Ah, mas você nem é casada, como pode dar palpite e saber se é assim ou assado?".
Eu fui casada, sei como é difícil, e a questão nem é sobre casamento, mas sobre o ser humano e sua individualidade.
Quantas vezes você chegou pra a pessoa que vive com você e perguntou se ela estava bem, se queria que fizesse de uma outra maneira, se estava confortável assim, se gostaria de alguma ajuda, enfim?
E quantas vezes você reclamou pra a pessoa, essa mesma que vive com você, que não aguenta mais, que só você faz as coisas, que não há colaboração de nada, ou então que só sabe reclamar e não tem a dignidade em ajudar ou tomar a iniciativa de nada?
Fatos corriqueiros em todo casamento.
O que falta é o diálogo E a aceitação do outro como sendo diferente de você.
Há os costumes que carregamos de casa, do seio da família, de pai, mãe, avós, irmãos e afins. E esses costumes estão entranhados em nós e definimos eles como se fossem a verdade absoluta a ser seguida. Essa atitude é inconsciente. E não é errado seguir regras e costumes que aprendemos dos pais. Errado é pensar e querer que nossos costumes se prevaleçam sobre os costumes da pessoa que vive com a gente.
Talvez o motivo de hoje em dia haver tanta separação, sem ao menos tentar superar os problemas é esse, não ter a tolerância em seguir os costumes impostos pelo(a) parceiro. Hoje a maioria é independente financeiramente, o que faz pensar que não é necessário passar por situações de incômodo com a outra pessoa, se se pode viver sozinho ou então ir procurando, procurando, até encontrar alguém que se encaixe em nossa vida como queremos que ela seja.
Isso também não é errado, isso é liberdade, é livre arbítrio.
O erro é não tentar entrar em um acordo, aceitar o outro como ele é, sem querer moldá-lo ao seu jeito, e também se encaixar na vida do outro, aprendendo a viver de uma maneira diferente da sua, mas que seja tão boa quanto.
Quando há o conflito, o que se imaginou na preparação para o casamento, acaba pouco tempo depois. Por falta de diálogo, a vida se torna um inferno! E conversas não existirão, nem acordos, nem respeito, nem vida individual.
Vocês acreditam mesmo que quando há o casamento os dois se tornam uma só pessoa? E a individualidade fica aonde? Talvez fique com um soberano reinando e o outro apenas se calando e aceitando tudo que lhe é imposto. Aí sim, apenas um vive, o outro se conforma com o que tem e passa a viver uma vida que não é sua.
Um exemplo bem clássico, mas que existe: a mulher, em vez de falar claramente o que lhe incomoda, prefere comentar sobre a relação com as amigas, a mãe, a tia... E como mulher é um ser pensante e que tem várias terminações nervosas no cérebro, embaralha tudo e chega a sua própria conclusão de que está certa e que o homem que ela escolheu não deveria agir de tal maneira. Isso sem que ele saiba o que se passa na cabeça linda dela. E ela começa a investigar, fuxicar, cheirar, perseguir, e transformar a vida dele, e dela também, claro, num inferno.
Com isso, o que o homem faz? Vai se afastando, aquele carinho que sentia quando namoravam vai se acabando, não há o entusiasmo de antes, não entende porque ela mudou tanto da noite pro dia, não quer conversar sobre o assunto pra não piorar... E os dias vão passando.
E a mulher, pressentindo o homem distante, sem aquele interesse que antes sentia por ela, fica mais encabulada e o acusa de ter mudado tanto do dia pra noite.
E a vida continua aquele inferno, cada um pro seu lado, sem conversa, sem carinho, sem sexo, apenas fazendo as vezes do casamento perfeito e esperando só uma oportunidade pra jogar tudo pro alto e se separarem.
Outra situação: o homem percebe que a mulher está se dando bem, está evoluindo no trabalho, anda bem arrumada, tem amigos, tem vida própria, e começa a perseguição, o ciúme infundado. Confisca celular, quer senha disso, daquilo, proíbe de usar certas roupas, afinal agora ela é casada e tem que se dar o respeito, não quer saber de amigas por perto, enfim...
Então nessa situação, a mulher, em vez de conversar, prefere contar com a ajuda da amiga, aquela que tudo entende e que sabe como ninguém dar conselhos. Ela volta diferente pra casa, cada vez mais. O homem continua com cenas de ciúme, não elogia mais, não colabora com a casa nem com nada, vive de mau humor... Então ele prefere sair e beber com os amigos, desabafar, esquecer um pouco, ou seja, ele se proporciona sair e espairecer com os amigos, mas a mulher dele, por ser casada, tem que se dar o respeito e ficar confiscada em casa.
E a vida vai se tornando um inferno.
Não há o diálogo, não há a paciência e a admiração acaba. O homem não consegue entender nada, e a mulher, que pensa muito, não consegue perceber que o homem é diferente dela. Não existe ela querer impor sua rotina, seu raciocínio. O homem não percebe que a mulher tem hormônios com vida própria e isso é involuntário a sua vontade.
Um gesto busca uma consequência, e outra, e outra. Tudo por falta de diálogo e entendimento.
Falta de conhecer e respeitar a individualidade do outro.
Falta de aceitar que cada um é cada um e que a casa, agora deles, é deles, e não de um só que vai impor regras.
Talvez a vida íntima do outro seja até mais interessante que a sua. Talvez o que você poderia aprender com o outro, seja de grande valia pra sua vida. Talvez o modo complicado ou então a facilidade com que o outro encara as dificuldades seja a resposta pra superar qualquer pendenga do casal. Gentilezas não significam submissão. Gentilezas são gentilezas mesmo. E feitas com vontade, certamente serão retribuídas.
Aceitação.
Respeito.
Admiração.
Companheirismo.
Amor.
Um não vive sem o outro.
Simples.

domingo, 6 de agosto de 2017

O Dia Em Que Eu Te Desconheci


"Eu passei por uma situação difícil, sabe? Agora nem tanto, mas ainda não entendo. Já estou em outra, ela também já está... Quer dizer, ainda não cabe na minha cabeça uma vida inteira ao lado de uma pessoa e, do nada, tudo muda!
Não sei qual foi o dia em que tudo terminou... Não sei se foi aos poucos... Estávamos bem, fazendo planos... Tínhamos planos de cuidar dos netos, viajar... Eu, como conheço muitos lugares no Brasil, disse que levaria ela pra conhecer os lugares que mais gostei. São lugares lindos, mágicos... E esse era meu plano. Depois de nossos filhos casarem, e vierem os netos, cuidaríamos deles também. E viajaríamos pelo Brasil, como eu fiz quando jovem... Queria mostrar tudo a ela.
Um dia, engraçado que não consigo me lembrar o que aconteceu antes desse dia... Então, um dia eu cheguei em casa, ela estava calada, disse que queria conversar e tal... Eu pensei que fosse coisa comum, do dia a dia... Daí ela veio com a conversa de separar... Eu parei e fiquei olhando pra ela, sabe? "Por que?" Eu perguntei. Ela falou tanta coisa que só consigo me lembrar de que ela estava cansada dessa vida, de mim, de tudo. Nunca fui de discutir. Fiquei ouvindo e sem acreditar, até pensando que seria passageiro. Nunca tivemos uma conversa sobre isso.
E já no outro dia minhas malas já estavam prontas. Foi o pior dia de minha vida! 
Sabe quando você vê seus planos indo pro ralo? Seu chão sumir? Era eu naquele dia.
Pedi um tempo até eu arrumar um lugar pra ficar. Nisso demorou uma semana.
Peguei minhas malas e fui embora. Ela nem sequer olhou na minha cara! Nessa uma semana fiquei pensando se eu tinha feito algo errado. Não, tenho certeza de que não fiz nada errado, ou nada que pudesse magoá-la. Ainda fiquei na esperança de ser alguma crise de TPM ou sei lá o quê. 
Me hospedei numa pensão no centro da cidade, simples, familiar...
Avisei meus filhos onde eu estava, eles vieram me ver e me abraçaram... Também não entenderam nada. São jovens, natural não entender essas coisas de gente madura.
Ficaram algumas coisas minhas na casa. Aliás, eu deixei tudo pra ela e pros meus filhos... Fui lá buscar e vi que ela havia trocado a fechadura. Entendo, agora a casa é dela, não é?
Esses dias minha filha disse que queria conversar comigo. Fui até lá e ela veio a mim e ficamos no carro. Ela disse que a mãe estava namorando e que o homem esteve lá na noite anterior tomando cerveja com ela. Minha filha estava indignada! Me doeu o coração, sabe? Mas faz parte da vida. Expliquei que agora a mãe é livre, que eu também sou livre e podemos namorar quem quisermos. Eu também já estou namorando, e está bom assim, namorando. 
Olha, depois de dois anos separado ainda não entendo como uma vida a dois pode ser desfeita assim, tão facilmente. De que adiante planejar, querer, programar, pra depois acabar tudo, desmoronar tudo?
Que vida é essa? 
Minha namorada quer que eu vá morar com ela, mas não vou! Não agora... Talvez um dia, quem sabe?
O que sobrou? Só o dinheiro da pensão, que tenho que ser correto, que não posso atrasar nem um dia, que quando sobe o salário ela já aciona o advogado pra aumentar a pensão... Isso que sobrou.
Como pode viver mais de vinte anos com uma pessoa e depois não poder nem conversar? Nem amizade ficou...
Ah, mas tá bom, espero que ela se ajeite com quem ela quiser. Eu também estou bem, e está tudo bem assim."

Esse foi o desabafo de um amigo...

Clara Lúcia

quarta-feira, 15 de março de 2017

Marinalva Das Dores



      Fazia um calor infernal na pequena casa sem forração, e o mormaço do fogão com as quatro bocas acesas provocavam suores que escorriam pelo rosto de Marinalva. Vez em quando enxugava as gotas com a manga da blusa, mas mesmo assim não parava de pingar suor em seu colo murcho. Depois de quatro filhos era impossível manter um corpo apresentável, e ainda mais com uma frágil saúde que obrigava Marinalva a se arrastar pelos cantos tentando deixar a casa em ordem.

      Aflita, olhava o relógio várias vezes. Não queria atrasar o almoço de Pedro José, o marido, sisudo, tímido, quase não falava e dificilmente sorria. Brincava com as crianças quando estava disposto, o que acontecia raramente. Não tinham diálogo íntimo. Marinalva não tinha disposição para nada a não ser cuidar da casa, dos filhos e reclamar de dores pelo corpo. Era dor que não acabava mais... Dia e noite dolorida... Virava na cama e, dormindo, reclamava. Pedro José nem dava mais ouvidos a ela. Cansou. Cumpria suas obrigações e nada mais. Marinalva ganhou, no último aniversário de casamento, um vestido florido, lindo, um par de sandálias com cristais, um botão de rosa, um perfume adocicado e duzentos reais, que era para ela comprar o que quisesse. Dedicada à família, preferiu comprar coisas para a casa. Isso irritou Pedro José, mas mesmo assim não reclamou. Já havia se acostumado com ela. Quando estava um pouco melhor, Marinalva até procurava por ele debaixo dos lençóis. Ele respondia aos seus carinhos, depois virava para o lado e dormia. Ela dormia tranquila quando tinham intimidade, acordava disposta, sorridente e ele tinha a certeza dela caprichar no almoço.

      Marinalva olhou o relógio e já havia passado dez minutos sem que Pedro José chegasse. Estranhou porque ele nunca se atrasava. Foi até a janela, respirou a brisa fresca, fechou os olhos e ouviu, ao longe, um casal de maritacas no topo de uma árvore, e no fim da rua crianças brincavam na maior gritaria. Se lembrou que seu marido sempre brincava um pouco com esses meninos antes de entrar em sua casa. Ela olhou para um lado, para o outro e nada de Pedro José.

      Serviu seus filhos, todos pequenos, e olhava sem parar as horas que passavam rápido demais. E nada de Pedro José. Não almoçou. Perdeu a fome e começou a ficar preocupada. Nem um recado nem nada!

      À tarde, no costumeiro horário de voltar para casa, Pedro José chegou, olhos vermelhos, cheirando a álcool e cigarro, cabeça baixa e sem falar nada. Marinalva segurou-o pelo braço e insistentemente perguntou o que estava acontecendo. Ele virou a ela e simplesmente disse que estava indo embora de casa. Não tinha explicação, só isso, ia se separar dela. O choque foi tão grande que ela caiu sentada no chão. Ele olhou para aquela cena que para ele era patética, foi para o quarto, arrumou algumas poucas coisas numa sacola velha, deu um beijo em cada filho e saiu pela porta sem olhar para trás. Depois voltou e disse a ela que não a deixaria sem dinheiro para cuidar dos meninos.

      Marinalva não conseguia reagir. Permaneceu sentada por um bom tempo... "Aposto que encontrou outra mulher, só pode, aquele fiii du'a égua!", cochichava, com cuidado para os filhos não ouvirem. Despencou num choro incontrolável... Os meninos, sem entender nada, mas acostumados a ver a mãe choramingar, sentaram ao lado dela e ali permaneceram. Marinalva, que geralmente não tinha forças para se levantar, se arrastou até a cama, apoiou-se na madeira e ficou em pé. Ainda chorando, se arrastou até a janela e soltou um grito.

      A vizinha Zuza, que varria a calçada, correu para acudi-la. Preocupada, entrou na casa dela para saber os detalhes de tanto choro e sofrimento. Marinalva, entre soluços e lamentações, contou o acontecido. Zuza, inconformada, começou a xingar Pedro José de todos os nomes possíveis, rogando-lhe praga e mais praga. Também deu sua opinião dizendo certeza ter sido alguma quenga que virou a cabeça dele. Marinalva ouvia e chorava aos soluços.

      Zuza se prontificou a ajudá-la no que fosse preciso, afinal tinha quatro filhos pequenos para cuidar e agora estava sozinha e tal. Já era noite, Zuza arrumou o que comer para os meninos, arrumou um prato para Marinalva e outro para si, e comeram em silêncio. Depois se despediu dela e foi tomar conta de sua casa.

      Zuza passou pelo seu portão e não entrou na sua casa. Foi para a casa da outra vizinha. Renata, que era um pouco mais velha e que não tinha filhos. Era só ela e o marido, outro com fama de mulherengo da vila. Pediu para entrar para conversarem e imediatamente contou tudo o que aconteceu com Marinalva. E emendou dizendo que foi bem feito, mulher que não se cuida, que vive reclamando, choramingando pelos cantos, que não penteava nem os cabelos, imagina que um homem iria aguentar uma vida dessa? Repetia várias vezes até espumar o canto da boca. Renata concordava e aumentava mais um conto, lembrando de algum causo em que viram o marido de Marinalva entrando em uma casa na rua de baixo de onde morava, onde sabiam que morava uma mulher que não era bem vista pelo bairro. "Aposto que ele foi morar lá!". Repetia. As horas passavam e Renata convidou Zuza a ir embora, pois já estava tarde e o marido dela já devia estar preocupado com sua ausência. "Que nada, aquele lá só sabe dormir quando chega de tarde!".

      Marinalva, com todos os problemas enfrentados e tendo que conviver com a fibromialgia, teve ajuda de parentes e alguns amigos para seguir em frente. Cada um ajudava um pouco e nada lhe faltava em casa. Pedro José visitava os filhos de vez em quando e sempre levava um pouco de dinheiro e mais algumas coisas para a casa. Nunca disse onde estava vivendo e nem com quem. Desconversava, e se Marinalva insistisse, dava um jeito de ir embora na mesma hora.

      E assim Marinalva foi vivendo, com a mesma feição de coitada, cabeça meio baixa, triste e insatisfeita, como Deus quisesse, ela repetia a quem perguntasse como estava.

      Zuza e Renata eram as vizinhas que mais ajudavam com a limpeza da casa e algum outro trabalho pesado que ela precisasse, mas a língua corria solta quando viravam as costas.

      Coisas da vida.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Perfume Adocicado


      Contados exatos dois meses, Ariela finalmente alcançou a coragem em entrar no quarto que era de sua mãe, Dona Hortência, que nos últimos meses, por falta de opção, viveu seus últimos dias no asilo São Tomé de Deus. Eram somente mãe e filha morando numa cidade pacata. Todos os parentes estavam muito longe, na cidade grande. Ariela, por ser concursada em Pedagogia, escolheu a tranquilidade de ter ar puro e silêncio para viver com sua mãe. Mas nem tudo saiu como o esperado. Dona Hortência não podia mais viver sem acompanhamento constante, obrigando assim Ariela a deixá-la sob os cuidados de pessoas estranhas no único asilo daquela cidade.

      Ariela visitava a mãe todos os fins de semana, e vez ou outra levava-a para sua casa, para rever seus pertences e matar a saudade de uma comida caseira e especial. Eram como irmãs e Ariela sofria por ter que deixar Dona Hortência com estranhos. A mãe dizia que era feliz no novo lar e que a filha não precisava se preocupar com nada. Às tardes jogava bingo e tomava chá com amigos. Riam e dançavam, depois se recolhiam aos quartos coletivos. Era tudo limpo, mas na verdade Dona Hortência não era mulher de ficar reclamando. Sentia solidão, muita solidão todos os dias. Não queria ter seus objetos por perto por medo de ser roubada. Não confiava nas pessoas tanto assim.

      Naquele quarto vazio Ariela sentiu o cheiro de mofo, de roupa guardada há anos, de pó nos móveis que a fez espirrar seguidamente. Por fim amarrou um lenço tapando as narinas para, enfim, retirar as roupas e doar a quem precisasse. Isso era uma ordem de Dona Hortência para quando ela morresse.

      Ariela não sentiu vontade de chorar, mesmo quando apertava algum vestido de sua mãe em seu peito. Ela pensou que sofreria mais, mas estava tranquila e até conformada com a ausência da mãe. Tinha saudades, e teria para sempre, mas não doía tanto quanto imaginava. Por momentos pensou ser fria como uma pedra de gelo, mas talvez pela vida solitária em que sua mãe passou os últimos momentos, sabia que agora Dona Hortência poderia estar num bom lugar, junto com os seus já falecidos.

      Certamente doaria tudo para o asilo de sua mãe, era assim que o chamava.. Ariela pegou roupas, sapatos, perfumes, talcos, maquiagens, esmaltes, bijuterias, tudo que sua mãe usava. Antes, claro, teve o cuidado de deixar tudo limpo e perfumado. Chegando lá, a primeira cena que viu foi uma senhorinha encostada no portão. Cumprimentou-a e perguntou se ela estava esperando alguém. Ela respondeu que sim, que seu filho logo chegaria. Ela usava batom cor-de-rosa e um perfume adocicado e enjoativo. Ariela sorriu, fechou os olhos e foi como se sentisse sua mãe por perto, devido ao perfume doce. Parecia ser o mesmo que estava na mala, o mesmo que sua mãe usava. "O perfume acabou de encontrar sua dona...", pensou Ariela. Ela entrou carregando com dificuldade a mala cheia com os pertences de sua mãe.

      As voluntárias que lá estavam receberam Ariela com alegria e, num abraço apertado, agradeceu pela gentileza em levar os objetos de Dona Hortência para lá.

      Ariela parou no corredor e, pela janela, ficou olhando o jardim. Não era dia de visitas e os idosos estavam sentados, cada um em um canto, olhando para o nada e sem se comunicarem uns com os outros. Ariela estranhou não encontrar aquela alegria descrita por sua mãe, dos jogos, brincadeiras, risadas e tudo o mais. Resolveu caminhar por eles e conversar um pouco com cada um.

      Um senhor que estava na cadeira de rodas, ficava o tempo todo com a boca aberta e vez ou outra, limpava a baba que escorria. Tinha os olhos lacrimejantes que pareciam olhar para o horizonte avistando a morte. Apenas esperava por ela. Não muito adiante, um outro senhor se entretinha com um livro. Ariela percebeu que ele passava as páginas rapidamente, impossível de terem sido lidas. Nesse instante uma enfermeira chegou até ela para acompanhá-la no passeio. Sem que Ariela perguntasse nada, Fabiana, a enfermeira, começou a contar sobre cada um. O senhor do livro não sabia ler, mas sempre foi tão encantado por livros que não se importava com esse detalhe; gostava de folhear as páginas e depois repetia todo o processo. Ariela pensou que poderia, de vez quando, voltar para ler para ele. Perguntou sobre o senhor da cadeira de rodas. Fabiana disse que ele tinha Alzheimer e que se lembrava apenas de sua infância, cada vez mais remota. Ninguém o visitava há anos... Depositavam o valor da mensalidade e pronto. Ariela perguntou sobre a mulher no portão. Fabiana disse que o filho morava há três quadras dali e que dificilmente ele vinha visitar a mãe. Mesmo assim ela ficava esperando por ele todos os dias e quando começava a escurecer, ela entrava, jantava e se recolhia para dormir. Balbuciava algumas palavras lamentando o filho não ter vindo naquele dia e logo dormia. No outro dia tudo se repetia.

      Ariela sentou ao lado de uma senhora que calmamente crochetava, sem saber definir o que seria. Era uma capa para bule de café, dizia ela, sorrindo para Ariela. Mostrou os detalhes e disse que todos os dias fazia a metade de um, que depois eram vendidas no bazar que faziam no asilo. Ficava feliz em poder ajudar de alguma maneira. Dona Antonieta, o nome dela, não tinha família e resolveu esperar pela hora da morte junto a pessoas. "Que triste morrer e ninguém saber", dizia ela, que imaginava seu corpo apodrecer até acabar o último resquício de carne e só depois algum vizinho sentir sua falta. Ariela pegou suas mãos e as beijou. Dona Antonieta acariciou seu rosto e disse que se sua filha estivesse viva seria assim, como ela.

      "Truco!", Ariela voltou-se para ver quem gritava quebrando aquele silêncio. Era Gumercindo e Antunes, que jogavam baralho o dia todo. Eram os únicos que se enturmavam nos dias comuns. Eram amigos de longa data e se reencontraram no asilo. Haviam feito o Tiro de Guerra na juventude e guardavam lembranças preciosas. Para Fabiana, esse reencontro foi a melhor coisa que havia acontecido no asilo nos últimos anos. Eram eles que animavam a turma nas festas. Mas o que animava mesmo os idosos eram os familiares que apareciam em dias de visita. Todos os dias poderiam ter visitas, mas se compreendia que a família precisaria trabalhar para sobreviver.

      Ariela perguntou para Fabiana se ela teria coragem de internar sua mãe num asilo. Ela apertou os lábios, abaixou os olhos e disse que se precisasse, sim, internaria. Mas sabia que dizia isso por não ter mais a mãe por perto, que havia falecido quando ela era bem pequena. Aquele amor de mãe ela não sabia como era. Talvez por isso respondeu tão rápido a pergunta.

      Ariela passou a tarde toda com os idosos e se sentiu muito bem. Poucos se lembravam de Dona Hortência.

      À noite, quando colocou a cabeça no travesseiro, orou, chorou e pediu perdão à mãe. Arrependeu por não ter criado uma outra alternativa para manter Dona Hortência por perto até seu último dia. Mentalmente começou a calcular quanto seria contratar uma cuidadora. Não, não seria possível com o salário de Pedagoga. Chorou durante algumas horas e depois adormeceu.

sábado, 18 de junho de 2016

Letra de Livro


      Anos 70...      

      O cachorro latia insistentemente fazendo com que Dona Aurora se irritasse e o mandasse ir deitar. Figo chorava, abanava o rabo fazendo com que seu corpo envergasse lateralmente. Dona Aurora olhou pelo vitrô da cozinha e entendeu o motivo: Véio chegando com um embrulho nas mãos. Não era um embrulho, mas uma maleta verde que ela não tinha ideia do que seria.

      Véio, como era carinhosamente chamado por todos, devido a precocidade de seus cabelos brancos, desde os dezesseis anos, assoviava subindo o degrau que separava a calçada do portão de ferro, enferrujado pelo tempo, que garantia a segurança e privacidade de sua casa. Ao abri-lo, um ranger incomodava quem estava por perto. Garantia que afugentava os homens de pouco caráter, pensava ele todas as vezes em que entrava ou saía de casa. Já estavam acostumados com o ranger, mas os vizinhos ainda ficavam incomodados. Quem passava em frente a sua casa não entendia o mistério do portão denunciador, pois o restante do muro era baixo, sendo de fácil acesso a quem tivesse destreza suficiente para pulá-lo. Mas, além do portão, havia Figo, seu leal companheiro, aos doze anos com cara e jovialidade de um adolescente. Seu pelo, quando exposto ao sol, ficava esverdeado, bonito, brilhoso, por isso o nome Figo. Figo da fruta, que faz o doce mais suculento já feito por Dona Aurora. Ficava tão verde que dava dó de comer sem lamentar estragar a perfeição da bolinha em foma de pião. Mas essa é uma outra história. Lembram do pião de madeira que os meninos enrolavam uma corda e lançavam ao chão?

      Dona Aurora, enxugando as mãos no avental surrado, ficou na porta esperando Seu Véio todo pimpão chegando com sua maleta misteriosa. 

      Todo orgulhoso destravou o fecho, abriu calmamente, riu e perguntou para sua mulher se sabia o que era aquilo. 

      — "Não, quéisso, Véio?" — perguntou curiosa.

      — "Isso é uma máquina que faz letra de livro, muié, espia só!" — sorriu, abrindo os braços mostrando a maravilha de aparelho que acabara de comprar.

      Dona Aurora não entendeu nada, apenas olhou na cara dele e voltou à lida da casa. 

      Seu Véio sentou-se, ficou admirando a bichinha, depois levantou-se e pegou um pedaço de papel, desses de enrolar pão. Tentou enfiar pelo rolo da máquina, mas não fazia ideia de como ela ficaria retinha lá dentro. Olhava de um lado, do outro, descobriu as rodelas laterais que faziam girar o rolo e deduziu que se introduzisse o papel de um lado, logicamente saía do outro lado. E fez! Ficou todo torto, mas conseguiu. Só não atinou que havia um "prendedor" para a folha ficar esticadinha, bastava puxá-lo para a frente, ajeitar o papel e depois soltá-lo. Com sacrifício, enfiou a folha sem afastar o "prendedor", com muita dificuldade, mas acabou conseguindo. Sorriu e se achou o maioral dos maiorais, pelo menos entre seus amigos era considerado o mais inteligente e culto. 

      Lembrou-se das instruções da moça da loja, em apertar as teclas com força, para que carimbassem no papel. A primeira seria A, em homenagem à Aurora, sua deusa para todos os momentos, tanto alegres quanto tristes. Não tinha muita paciência com ele, mas pelo menos não ficava criticando ou chamando sua atenção. 

      Depois veio a letra U. Depois R e assim por diante, até escrever Aurora em letra de livro, como havia prometido a moça da loja.

      — Corre aqui, veia, vem ver!

      Dona Aurora chegou por trás de Véio e leu seu nome, todo retinho, bonitinho e com letra de livro.

      — Gente, coméisso, Véio, cê endoidou, foi?

      Seu Véio ficou o resto da tarde fuçando na máquina de datilografia. Vez ou outra cantarolava uma moda de viola que saía do radinho de pilha que tinha lugar cativo sobre a geladeira. Dava uma sacudida nos ombros e depois voltava a acariciar sua preciosidade. Correu para pegar a Bíblia e copiar alguma frase. A folha não estava mais em branco e nem retinha na máquina, mas as letras de livro estavam todas em carreirinha, ornadas uma do lado da outra, algumas sem espaço entre elas e outras totalmente ilegíveis, como se Seu Véio fizesse um teste com as letras não utilizadas naquele momento. Depois os números, em ordem crescente e depois decrescente. E finalmente descobriu como escrever em letras grandes, maiúsculas e fáceis de enxergar. Soltou um grito de satisfação, levantou-se, puxou Dona Aurora pelo braço, segurou sua cintura e começou a rodopiar com ela, aproveitando a carona do forró que tocava solto na rádio.

      Dona Aurosa ria que dava gosto. Era feliz com seu veio assim, de graça, sem fazer esforço. Primeiro namorado e único homem de sua vida, Para sempre, obedecendo o sacramento matrimonial que há quarenta anos uniu esse homem descabeçado, avoado, curioso e doce. Simplesmente o amor de sua vida.

                                                                                                                                                           Fim

domingo, 6 de dezembro de 2015

Até Ano Que Vem!


Que todos tenham um ótimo natal e um maravilhoso começo de ano!

Mesmo que não tenhamos o hábito de estar com pessoas várias vezes ao ano, vale estar no natal, ano novo, aniversário e até em outras datas. O importante é estar.

Não importa a quantidade de dias e sim a qualidade das horas vividas junto com quem se tem apreço ou carinho, amizade, amor...  Sentimentos bons não morrem e nem ficam adormecidos, então, meus queridos, não se culpem por ficarem tanto tempo logo dessa ou daquela pessoa. A vida é assim mesmo.

É pra isso que servem datas comemorativas, pra reunir, conversar, compartilhar, vivenciar momentos bons, colocar o papo em dia, abraçar mais apertado, beijar mais estalado, chorar de emoção...

E que Deus nos abençoe a todos!

Ano que vem eu volto!

Beijos!

domingo, 9 de agosto de 2015

Antes de Morrer


      A campainha tocou quebrando o silêncio da casa de seu Ernesto, Arnesto, como era chamado, em homenagem a Adoniram. Cecília chegou sozinha, depois de anos, à casa de seu pai. Ainda tinham contato por telefone ou por vez ou outra ele ir à sua casa. Mas o vazio daquela casa antiga, com móveis rústicos e antigos, anunciava uma morte em doses homeopáticas e insuportável. Era uma contagem regressiva para partir e deixar tudo para trás.

      Com alegria. seu Arnesto abraçou a filha, que retribuiu prontamente, beijando-lhe a bochecha.

      - Que Deus te abençoe... - disse apenas.

      -Amém! - respondeu com um sorriso meia-boca.

      Ana Dorotéia, sua mãe, já estava no fogão preparando um belo almoço para a única filha viva, amada, mas em seu coração uma culpa a acompanhava desde seu nascimento. Já cansara de se ajoelhar e pedir perdão a Deus, mas a culpa já havia se infiltrado em seus poros e não sairia nunca mais. Preparava seu prato favorito: lasanha. E de sobremesa, sorvete.

      - Cadê os meninos? - perguntou-lhe o pai.

      - Daqui a pouco eles chegam.

      Seu Arnesto, desde a garagem, começou a contar sobre o que havia feito de diferente, a nova cor do ambiente, o sofá reformado por ele mesmo, os livros arrumados na estante, como Cecília sempre implicava pela bagunça, o quadro se destacando na parede azul da sala, pintado quando ainda era criança e que fora desprezado por todos, enfim, o entusiasmo não cabia no peito de seu Arnesto.

      Abraçou a mãe longamente e depois ouviu-a contar sobre a vizinhança. Não tinha muito o que falar sobre si, mesmo as dores agonizantes em sua coluna, não reclamava. Sua distração era a vida dos outros, dos vizinhos, da família, e pouco perguntava à filha sobre sua vida.

      Cecília se divertia ouvindo os causos. Olhou para a varanda e viu a mesa enorme, de madeira, que era de sua avó, toda empoeirada e cheia de quinquilharias. Lembrou-se de como eram animados os domingos em família, com todos os filhos jovens e muita falação durante a refeição. E das broncas de dona Ana, mandando-os lavar as mãos antes de enfiá-las na comida. Uma angústia abateu-lhe e disfarçadamente enxugou uma lágrima que escorria pela sua bochecha rosada. Aqueles momentos de outrora não mais se repetiriam. Faltavam os dois irmãos, que já não estavam mais presentes. Se deu conta de que a qualquer hora um dos pais ficaria sozinho e que era de sua responsabilidade cuidar deles até o fim.

      Olhou para a sala e viu seu pai sentado na poltrona grená preferida, com o olhar perdido, olhos embaçados pela catarata, boca semiaberta e murcha, barba por fazer e um pequeno tremor nas mãos. Outra lágrima escorreu. Disfarçou e foi até a mesa bagunçada e empoeirada e começou a tirar os objetos e a acomodá-los num canto da varanda.

      Dona Ana observava e preferiu não comentar nada. Sempre gostou de ditar ordens, mas hoje calou-se. Cecília ajeitou tudo e colocou uma toalha branca, depois os pratos, cada um de uma cor, restos de vários jogos antigos, presente de casamento dos pais, talheres novos e copos de requeijão. Tudo muito bem arrumado. Ao centro, ajeitou um vaso de plástico transparente com flores artificiais, empoeiradas e sem viço, que ficava na estante onde estavam os livros, agora organizados.

      Seu Arnesto continuava a pensar, sentado na poltrona. Não tinha muito assunto com a filha. Não esta filha, que fora distanciada por ele mesmo. Sempre deixou claro que os outros dois eram os preferidos, mas agora só Cecília estava presente em sua vida. Ela olhou o pai idoso e agradeceu a Deus por tê-lo perdoado. Não sentia mais rancor e nem desprezo, Compaixão e respeito eram as palavras ideais para descrever seu sentimento. A qualquer momento ele também iria embora, e poderia ir tranquilo e em paz.

      A campainha soou insistentemente, assustando seu Arnesto. Eram os netos, filhos de Cecília. Jovens alegres e de bem com a vida que iluminaram a casa dos avós. Dona Ana alegrou-se a abraçou-os apertado. Seu Arnesto, tímido e calado, abençoou-os e retornou à sua poltrona. Queria ficar quieto e absorver toda aquele momento de alegria, não tinha mais idade para ter estripulias de sorrir e quem sabe gargalhar. Observava tudo e em pensamentos agradecia por essa confraternização, talvez a última em sua casa. Não morreria em paz, pois a consciência não o deixaria, mas levaria consigo a imagem de uma mesa posta com carinho, cuidado e com a família novamente reunida, brindando a vida que lhe restava.

      A alegria dos netos, a música em um volume mais alto, a comida maravilhosa de dona Ana e a mesa novamente repleta de harmonia, tornou aquele domingo, talvez o último em família, o melhor de todos os tempos. Seu Arnesto e dona Ana não se lembravam da última vez em que foram felizes. A idade fez com que se esquecessem de momentos bons e só se lembrassem de saudades. Lembraram dos filhos não presentes e desejaram estarem em um bom plano espiritual, com Deus e com todos os parentes já falecidos. Olhavam para Cecília e respiravam aliviados, não por ser ela a última opção de uma velhice tranquila e sem solidão, mas por amarem incondicionalmente, mesmo não demonstrando durante toda a vida esse sentimento. E como um tapa na cara de pelica, ela acabou sendo a única opção que lhes restava. Não sabiam se ainda haveria tempo para demonstrar o amor de pai e mãe que ela merecia, mas o silêncio nos olhares falava mais profundamente do que qualquer palavra. Sentiram paz naquele dia.

      Cecília, ao se despedir, olhou fundo nos olhos do pai, beijou-lhe a bochecha e deixou a entender que tudo estava bem, que a mágoa não resistiu ao tempo, que o rancor fora quebrado e que o amor persistiu, apesar de tudo.

      Fim.