terça-feira, 10 de julho de 2018
AS PANTUFAS DE NONNA
O tempo era meio esquisito no inverno, num dia um calor seco, no outro um frio cortante, daqueles de soltar fumaça pela boca. Ana Vitória nem podia sair de dentro de casa para brincar, devido a sua sensibilidade com o clima seco. Sofria no inverno a pequena. Mas invenções para brincadeiras é que não faltavam para entretê-la.
Ana Vitória, uma menina de cabelos encaracolados, olhos grandes e verdes, sardas no nariz e, no auge dos seus cinco anos, as janelas na boca eram inevitáveis. Os quatro dentes de leite da frente já não faziam mais parte de sua figura. Era uma criança doce, meiga, porém teimosa como uma mulinha em crescimento. Adorável quando queria alguma coisa, cativante para evitar broncas por alguma travessura, mas educada, que era o que mais importava.
Em sua casa, além dela e seus pais, sua bisavó vivia com eles em harmonia perfeita. Afinal que família não vive em harmonia quando se tem uma bisneta a querer brincar com a bisavó fazendo-a sentar no chão e cruzar as pernas? Ana fazia isso e depois gritava pela mãe para ajudar a nonna a se levantar. E ria da situação. Nonna se divertia demais! Fazia de propósito só para ouvir as gargalhadas da bisneta. E ficava mole quando sua neta, mãe de Ana Vitória, ia acudi-la para se levantar. Percy, mãe da pequena, tinha medo de nonna se machucar ou quebrar algum osso. "Que nada", dizia nonna, "aguento muita coisa ainda, fia".
E nesse tempo frio, Percy fez pantufas para nonna, toda colorida em crochê. Ela adorou! Qualquer ventinho mais frio que dava, lá estavam as pantufas a esquentar os pés da nonna.
Ana Vitória também ganhou pantufas, mas as dela eram de ursinho bem peludo. Tinham a sola antiderrapante e eram bem macias. Já as da nonna eram somente em crochê, sem sola antiderrapante nem nada. Mas eram quentinhas e confortáveis. Nonna calçava-as e ficava sentada no sofá cobrindo as pernas com uma manta leve.
Ana Vitória ficava observando as suas pantufas e comparando com as da nonna. Eram diferentes uma da outra, apesar de terem o mesmo nome, deduzia a pequena. Ana indagava a bisavó sobre a sola não ter aquelas bolinhas, as antiderrapantes, e nonna apenas dizia que as pantufas que tinham bolinhas eram somente para crianças felizes poderem correr, brincar e não cair. Ana abria uma sorriso, colocava seu pé do lado do pé de nonna e comparava o tamanho, depois dava um beijo na bochecha dela e voltava aos seus brinquedos.
Num dia frio nonna preferia não se aventurar no chão com a bisneta. Mas engana-se quem imaginava que Ana Vitória ficasse quieta perto da nonna! Fazia questão de trazer seus brinquedos para perto dela, arrumava tudo em volta dos pés da nonna formando um círculo, e ali cantarolava com as bonecas e fazia chá para servir à nonna.
Percy ficava observando a criatividade da filha com a bisavó e sentia paz. A diferença de idade era de oitenta anos, porém não fazia a menor diferença. Nonna, encurvada e com os cotovelos apoiados nos joelhos, entrava na brincadeira e fazia tudo que Ana Vitória pedia. E riam descontroladamente das caretas que nonna fazia quando tomava o chá.
Percy, que ficava observando da porta da sala, ria também e se lembrava de quando era criança e nonna fazia chá para os netos. Era o chá de cheiro, saboroso e perfumado. Sempre era acompanhado por pão caseiro, bolinho de chuva ou bolo de fubá. Os netos se fartavam com as delícias de nonna! Depois de moça é que Percy descobriu o segredo do chá, apenas água com açúcar. E pensava que além desses dois ingredientes, havia também muito amor envolvido, muito capricho e bom humor. Percy fechava os olhos e imaginava o aroma do chá de cheiro com o pão caseiro invadir a casa... E olhava para a filha que brincava com nonna e se emocionava pela falta de seu bisavô e de seus pais, todos falecidos. A família havia diminuído, mas a energia do amor enchia a casa de Ana Vitória!
Não sabia por mais quanto tempo nonna estaria entre eles, mas fazia questão de proporcionar o maior conforto possível para ela. E fazia questão de Ana Vitória participar de tudo e ter uma lembrança maravilhosa da infância ao lado de nona por toda a vida.
Clara Lúcia
Escrevo sobre a vida e os momentos específicos emocionais.
Assuntos relacionados sobre a mente humana e como conviver com o outro sem a necessidade de mudá-lo.
O conhecimento é primeiro processo de cura.
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Lindo e saio daqui emocionada...Temos mesmo que aproveitar nossos queridos enquanto podemos estar com eles. ADPREI! Lindo como sempre, tocante! bjs, chica
ResponderExcluirBoa tarde, querida Clara!
ResponderExcluirGosto de fazer esta pantufas... coloridas ficam bem alegres.
Como sempre, texto muito bem escrito.
Saudade da minha avó.
Tenha dias abençoados e felizes!
Bjm fraterno de paz e bem
Assim como recordações um belo texto que motiva ternura querida amiga.
ResponderExcluirO inverno e o aconchego são lembranças boas de uma vovó.
Carinhoso abraço Clara.
Beijo amiga.
Lindas as pantufas! Amei! beijocas!
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