segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Cafundó Não Existe Mais

Um texto belíssimo da querida amiga Eliana Teixeira.
Cafundó não existe mais, a não ser em minha lembrança.
Cafundó era um lugarzinho na ribanceira de um córrego que passava no fundo do quintal da nossa casa, hoje só escombros escondidos atrás da casa nova.
Em um dos Natais da minha infância, ganhei de presente um livro contando a história da aparição de Nossa Srª de Fátima para os três pastorinhos. 
Fiquei profundamente impressionada com o milagre, com a sorte dos eleitos e, com toda a fé que meu coraçãozinho pôde amealhar, desci a ribanceira musguenta do córrego, ao pé de um bambuzal, e cavei uma gruta, coisa de dois palmos de altura, um de fundura, e esculpi em barro o que parecia ser, para mim, a imagem de N. Srª de Fátima.
E todas as tardes eu ia para esse meu lugar secreto, meu Cafundó, nunca compartilhado com ninguém. Segredo meu e da Virgem. Às vezes ouvia ao longe minha mãe me chamando. Mas éramos tantos filhos que eu sabia que, se eu ficasse caladinha, ela logo se esqueceria de mim.
E o que eu fazia no meu Cafundó? Um único e precioso pedido: Que N. Srª de Fátima aparecesse para mim também.
Muito tempo se passou. Eu mesma tratava de justificar os porquês de sua não aparição: desrespeitei minha mãe, falei palavrão, bati na minha irmã...os pecadilhos de toda criança ao se confessar.
Mas uma noite, ah, que noite, eu sonhei! Sonhei que um lindo botão de rosa vermelho caía vagarosamente do espaço, girando, a coisa mais linda que jamais tinha visto.
Aí, de repente, apareceu o rosto de N. Senhora De Fátima sorrindo prá mim. Era o mesmo rosto da imagem que tínhamos dela em casa. Ela sorriu, não disse nada, e se foi.
Cafundó não existe mais. Parte do quintal tornou-se uma avenida, o córrego foi canalizado e eu não creio que N. Srª vá aparecer para mim novamente. Eu não tenho merecimento. Continuo crendo nela com toda a fé que consigo ter, mas tenho sérias dúvidas sobre a existência de Deus.
Então, se algum dia eu me tornar alguém importante, _ chance remotíssima, com a agravante que eu não faria o menor esforço para sê-lo _ não será possível colocar uma placa de bronze em Cafundó, para contar parte da história de quem fui.
E, se esta narrativa não for lida por ninguém, talvez, no momento da minha morte, eu teatralmente diga :- Cafundó, Rosebud de minha infância... E ninguém compreenderá; Somente a Virgem e eu.

Muitos lerão sim, Eliana, e ficará na memória pra sempre quando ouvirem esse nome: Cafundó.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Quando Chega a Maturidade?

Imagem pertence ao blog Simples e Clara
1 ano

Saudades de quando apenas me preocupava em chegar rápido em casa, ligar a TV e assistir Speed Racer.

Parece que foi ontem, mas estou em contagem regressiva. Não tenho um dia a mais, e sim um dia a menos de vida. Cinquenta e um já, dia 06 de outubro.

Não tem como não se questionar sobre a vida, as coisas, as pessoas, a saúde, o meio em que vive, as dores, as lembranças, as alegrias...

No pacote todo só tenho a agradecer. Apesar de todas as dores, sofrimentos e perdas, estou viva e muito bem, obrigada! Quando olhamos para trás e enxergamos superações, batalhas acabadas, pesos descarregados, sonhos realizados, ou não, o melhor que podemos fazer é agradecer pela dádiva de ter saúde e poder fazer agora, com filhos adultos e muito bem também, o que se tem vontade.

É certo que muitos vão nos achar egoístas, metidos, arrogantes, assim como achavam como éramos jovens, mas a diferença é que isso é tudo uma bobagem... O que tem de mais em sermos egoístas, metidos e arrogantes? Se realmente nos consideramos ser assim, os únicos atingidos somos nós mesmos.

Hoje me dou o luxo de escolher e, principalmente, usar o não como ponto final. Como é poderoso o não na vida da gente!

E o melhor de tudo, usar o sim como a consciência tranquila, sem medo da entrega, do momento desejado, seja ele qual for.

Esta imagem pertence ao blog Simples e Clara
22 anos

Na juventude somos imortais, mas na maturidade somos saudosistas, cuidadosos e medrosos. Sim, costumamos ter medo do desconhecido. Quem nesse mundo não tem uma pontinha de receio da morte? Acho mais medonho o momento dela, e não depois que acontece. Como será a passagem dessa pra melhor? O que sentimos? Dói? O que há do outro lado?

Agora, não é ruim fazer cinquenta. Também não é bom. Eu sendo uma pessoa hiperativa, o corpo nunca acompanha meu raciocínio. Acompanha, mas poderia ser melhor. Acho que faço coisas além do que imaginava fazer quando tinha vinte e dois, como nessa foto acima. Esse foi o dia de minha formatura. Educação Física, que tanto amava. Mas não exerci. Por culpa minha que fui permitindo me podarem as asas pra não voar pra onde sempre quis. Acontece.

Hoje sei, como disse acima, o poder supremo de usar o não. Aos vinte e dois, antes dos vinte e dois, e depois dos vinte dois, eu não sabia que podia o usar o não. É tão mais fácil se calar e fazer o outro sorrir, não é? O que é a vida da gente perante a do outro que tanto amamos? Enfim, depois dos quarenta tive essa resposta. Sim, a minha vida é tão importante quanto a do outro que amamos. Não posso me privar de nada e nem me calar quando algo me perturba ou me faz sofrer, pois isso é prejudicial a mim. Por consequência não serei feliz o suficiente para transmitir essa felicidade a quem está ao meu lado.

O tempo passa, a maturidade vem... Quando chega a maturidade?

Posso voltar a sonhar em lecionar Educação Física? Sim, claro, mas hoje existem outros sonhos, outros planos, outras conquistas, outros valores, outros desejos... Sim, podemos fazer o que quisermos, sempre, a qualquer hora, desde que não interfira na vida do outro. Podemos sim mudar de ideia e começar tudo de novo.

Acho que a maturidade é isso. Viver a vida com leveza, bom humor, rir de si, ter alegrias, satisfações, e saber enfrentar problemas com a mesma garra dos vinte e dois, agora com sabedoria. Sabedoria não só dos livros, mas da vida, repeitar o outro em sua essência. Saber deixar partir e querer que fique por livre e espontânea vontade.

Eu gostaria de voltar aos meus vinte e dois anos, mas com a imaturidade dos vinte e dois. Imagina uma jovem com cabeça saudosista e sabendo de muita coisa que só os maduros sabem? Insuportável! Cada idade tem seu encanto e esse é o segredo da vida, cada fase a seu tempo, cada tempo sua história, cada história um aprendizado...

É isso.

Parabéns pra mim!
Imagem pertence ao blog Simples e Clara
50 anos
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