segunda-feira, 20 de maio de 2013

Eu Sei Quem Você É


      Artur, depois de um dia agitado com cuidados com Maria da Graça, se deitou e logo a mulher o abraçou. Sabia que esse era um gesto involuntário, talvez um costume de mais de cinquenta anos de uma união de amor, respeito e cuidados um com o outro.

      Um dia, conversando com a mulher, notou que ela estava estranha, que esquecia as coisas e que não conseguia achar o caminho da cozinha para o quarto, deixando-a agoniada. Levou-a ao médico e o diagnóstico foi preciso: Mal de Alzheimer. Naquele dia não tinha ideia do que seria e do que viria pela frente, mas prometeu, em pensamento, mais uma vez, cuidar da mulher até seus últimos dias.

      Com o passar do tempo, mesmo medicada, Maria da Graça foi piorando, se esquecendo, lembrando de outras coisas do passado e chegou o dia em que não se lembrou de Artur. Ficava se escondendo dele atrás das portas ou então dentro do banheiro. Sorte que ele, por precaução, tirou todas as chaves das portas, deixando apenas a porta da frente que dava para a rua, trancada e com a chave em seu bolso. Sempre.

      Seus quatro filhos, todos homens, ajudavam no que fosse preciso, mas tinham suas vidas e seus problemas. Artur já estava aposentado e tinha todo o tempo para cuidar e vigiar Maria da Graça.

      Mesmo ela não se lembrando de nada, tratava-a com todo o amor de sempre, com toda a paciência e carinho. E quando ela ficava sentada olhando para o nada, ele se sentava ao seu lado e contava histórias, de um passado que ela agora desconhecia, mas que ele fazia questão de se lembrar sempre.

      Como no dia em que chegou em casa e seu filho mais velho já havia nascido com a ajuda de uma parteira, amiga de uma vizinha. Se assustou quando entrou no quarto e viu a mulher com o bebê nos braços a lhe sorrir. "Olha, bem, é homem!", dizia, com um sorriso lindo e olhos brilhantes de poder presentear o marido com um menino homem. Rafael. Um bebê rechonchudo e chorão, faminto e inquieto. Artur se acabou em lágrimas ao ver a bravura da mulher que escondeu as dores durante o dia inteiro, só para não perturba-lo no trabalho. Ela que preparou tudo, desde as roupinhas que colocaria no filho, até a bacia, a tesoura, os lençóis branquíssimos para poder acolher o recém chegado à vida.

      Enquanto contava essa lembrança, Maria da Graça ficava olhando o céu, os pássaros e apontava para eles, sorrindo. Depois olhava para Artur e dizia para que ele saísse de perto dela, que não o conhecia e queria que chamasse sua mãe Albertina. Artur pegava sua mão enrugada, acariciava e dizia que Albertina já estava vindo, que enquanto isso ele faria companhia para ela. Maria da Graça continuava a olhar os pássaros e a falar coisas desconexas, confusas e a rir sozinha.

      Os filhos até sugeriram que Artur internasse Maria da Graça em uma clínica especializada, com enfermeiras em tempo integral e médicos todos os dias. Artur não aceitou, pois ele era o marido e seria ele quem cuidaria da mulher. Ela não o conhecia mais mas ele sabia quem era aquela mulher. E assim foi feito.

      Nesse dia em que se deitou e Maria da Graça o abraçou, dormindo, ele ficou olhando para aquela pessoa tão indefesa e se lembrou de todos os cuidados que ela sempre teve com ele. Nunca lhe faltara nada, nunca discutiu nem contrariou-o. Não porque o obedecia, mas porque se entendiam até com os olhos, com os pensamentos. O que um queria, o outro concordava prontamente, sem discussão.

      E assim seria até que chegasse a hora da partida. Até que Maria da Graça fosse conhecer uma outra vida, ao lado da mãe que tanto chamava, dona Albertina. E esse dia, com certeza, levaria o coração de Artur, que ainda ficaria por aqui, esperando sua vez de dar adeus e ir ao encontro da amada, numa outra vida, quem sabe...

      Fim.

23 comentários:

  1. Bom Dia Clara

    Lendo essa história eu lembrei de uma prima que tem mal de Alzheimer e é muito triste essa doença e a minha prima hoje não reconhece mais ninguém e é uma angustia muito grande.

    A História é muito bonita e você como sempre escrevendo cada dia melhor

    Beijos e uma ótima semana

    Janaina

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  2. Linda e triste história de uma grande e imenso amor! beijos,chica, linda semana!

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    1. Amor raro nos dias de hoje, Chica, infelizmente.

      Ótima semana, Beijos

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  3. Olá Clara.
    Essa história me fez lembrar do momento que estamos passando com minha mãe.Os esquecimentos são frequentes,mas ainda se lembra da família,graças a Deus.
    Os médicos não chegaram a esse diagnostico,mas temo que seja o caso.Eles são como esse casal da história,muito ligados.Me entristeço vendo minha mãe desse jeito,mas preciso ser forte pois eles precisam de mim.
    Boa semana.Beijos

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    1. Oi, Drica...
      Sinto muito por sua mãe. Quem sabe com medicamentos tudo volte ao que era antes? Esperança... a gente sempre tem.
      O amor cura muitas coisas e ajuda muito, em todos os sentidos.
      Fique bem...
      E um beijo nos seus pais.
      E outro em vc!

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  4. Olá!Boa tarde
    Clara
    ...belo e emocionante .
    sim...Artur e Maria da Graça ...e o amar além, apesar dos obstáculos, onde o retorno real é a simples alegria de expressarmos o amor. A capacidade de expressar o amor. É caminharmos fazendo a nossa parte, amando ao próximo como a nós mesmos, entregando a Deus, à vida, todas as situações, dolorosas, que momentaneamente possamos estar incapacitados para darmos a resposta mais adequada.É compreender que as agruras vividas no nosso cotidiano , é muito pequeno comparado com a grandeza da alma, com a grandeza da vida.
    Obrigado pelo carinho da visita
    Boa semana
    Beijos

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    1. É a gratidão de uma vida toda, além do amor declarado... coisa muito rara hoje em dia.

      Eu que agradeço, Felisberto. É sempre bem-vindo!
      Beijos, boa semana!

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  5. Ahhhhhhh isso é tão triste, mas tão triste... foi impossível não me emocionar ao lembrar de meus avós paternos que morreram com o Alzheimer... doença horrível que dilacera que tem e quem acompanha. Compartilhei o seu post no Face porque apesar da tristeza das lembranças o texto está primoroso, como sempre. ;)
    Beijo, beijo!
    She

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    1. Sheila, querida...
      Hoje em dia é tudo tão descartável que as pessoas se esquecem dos valores de um vida. A sorte de encontrar alguém pra amar e cuidar a vida toda, da gratidão, do retorno... isso é muito lindo!

      beijos

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  6. Clara que lindo conto! Embora esse mal esteja atingindo muita gente, e cada vez mais jovens, ainda é um desconhecido e temos que contar com a benção de que não nos atinja!
    Já assistiu ao filme "Diário de uma paixão"? Tem o livro também, este não li. Mas o filme é um dos mais lindos que já assisti.
    Fala sobre isso, a companhia do amado até o fim...
    Beijo!

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    1. Acho que não assisti ainda... vou procurar no Youtube e depois vejo o filme todo.
      Histórias de vida, Lúcia... tão raras hoje em dia.

      Beijos

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  7. Como sempre você escreve com muita facilidade. Uma história triste, onde o amor verdadeiro está comovidamente presente.
    Beijos.

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    1. Amor, Élys, que nos move, que nos preenche, e tão descartável hoje em dia.

      Uma linda semana!
      Beijos

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  8. Clara que história mais linda! O amor desses dois é algo cada vez mais raro nos dias de hoje. Me fez lembrar o filme Amor. Já assistiu?
    Gostei tanto que já assisti três vezes e sempre me emociono.
    http://www.criticadaquelefilme.com.br/2013/01/amor-amour.html
    Parabéns pela bela escrita. Me prendeu do começo ao fim.
    Bjs

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    1. Ainda não assisti Roseli. Mas vou procurar no Youtube e dar uma olhada.
      Infelizmente é isso mesmo... amor escasso, difícil de encontrar nos dias de hoje, onde tudo está tudo muito descartável.

      Beijos, menina!

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  9. A minha racionalidade me permite dizer, embora não seja médico, que as pessoas estão sofrendo desse mal por se aposentarem muito cedo.
    Meu pai por exemplo, se aposentou no Min. da Educação, no Colégio Pedro II, no Rio, aos 47 anos. Depois disso sua mente parece que foi se atrofiando.
    Nossa geração, essa tal de globalizada, não sofrerá desse mal com tanta frequência como temos visto.
    A internet nos faz viajar para longe sem sair de casa, viver várias experiências fascinantes etc. etc. etc.
    Eu acho que nunca vou me aposentar em minha vida. A produtividade elimina qualquer doença. Você se sentir útil, eleva sua auto estima.
    Conquistas, vitórias, decepções, derrotas, que também fazem parte, não nos deixarão entregues às doenças. Talvez um infartozinho...

    ahahahahahahahhahahahahahahahahahahha...

    Mas para neutralizar isso, existem as lindas mulheres!!!

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

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    1. Deve ser isso mesmo, KK, a mente para de trabalhar e atrofia. Espero que na nossa geração, qdo formos bem idosos, isso não aconteça.
      Agora, um infartozinho... sei não.... rsrsrsrs

      Beijos

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  10. Olá, Clara.

    É a vida. O tempo passa, mas o amor, esse não pode passar.

    Obrigado pela visita e comentário lá no Blog.

    Um abração.

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  11. Oi Clara!Que história mais comovente!Ainda ontem assisti um filme qua a mulher tinha Alzheimer.É uma doença muito triste e, infelizmente,meu pai tem.Lindo conto!bjs,

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  12. Oi Clara!

    Eu tô tão emocionada com essa história...

    Nem sei se acho linda ou triste. Depois volto e comento melhor.

    Beijos

    Selma

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  13. Oi, Clara!!
    Parecia que você estava contando a história dos meus queridos, Tio Nininho e Tia Maria. Quando ela partiu, três meses depois ele também se foi. Mas ela brigava todo dia com ele. Mesmo velhinha morria de ciúmes do Tio Nininho...
    Beijus,

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  14. Oi Clara!

    Ontem tentei voltar ao seu blog no inicio da noite pra comentar e levei insisto. O blogagem informava o tempo todo ao clicar no seu endereço que o seu blogue havia sido removido. Tentei varias vezes e sempre a mesma mensagem.

    Hoje voltei pra tentar e ainda bem que consegui : )

    Achei linda demais a história. Ontem fiquei super triste, mas hoje vejo que realmente é uma bela história de amos.

    Beijos

    Selma

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