quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Depois, quem sabe...


      Mesmo calçando sapatos de salto alto, Monique correu para seu o prédio onde ficava seu apartamento, numa sangria desatada. Trêmula, não conseguiu chamar o elevador, então arrancou os sapatos e subiu pelas escadas. Fôlego de maratonista que nem ela sabia possuir e com as chaves na mão, abriu a porta e correu para a janela que dava para a rua de onde chegara. Uma garoa deixava o tempo cinzento e frio, e com sua respiração deixava a janela embaçada. Trocava de lugar a cada embaço, mas não queria perder de vista o homem idolatrado por anos, que nem imaginava que ela possuía e guardava a sete chaves esse sentimento. Amor platônico e eterno, repetia ela, em pensamento.

      Ele ainda era visível, de longe, caminhando tranquilamente, de cabeça baixa e mãos nos bolsos. A brisa úmida fazia com que seus cabelos brilhassem. Ele brilhava por onde passava, pensava Monique, apaixonada. Uma lágrima rolou, depois outra e logo o choro compulsivo e descontrolado tomava conta da situação.

      Monique se jogou no sofá, abraçou a almofada azul céu de cetim e desabou num choro dolorido. Não se conformava com a situação de não tê-lo por perto, por toda a vida, ou talvez por algum tempo. Como seria se não tivesse terminado tudo há exatos oito anos? Amava-o tanto que preferiu abrir mão de seus sentimentos do que tornar a vida do amado um caos, pelo ciúme excessivo que sentia. Queria seu bem e não sua tortura. Se afastou de forma brusca, sem dar chances para uma explicação. Não tinha explicação. Ela decidiu pelos dois e não havia o que discutir.

      Nesse tempo todo muitos homens já haviam passado pela sua vida, mas nenhum chegava aos pés de Danilo. E coincidência ou não, todos eram muitos parecidos fisicamente com ele. Estatura mediana, magro, cabelos negros e anelados, poucos pelos pelo corpo e uma pele branca, rosada quando permanecia alguns minutos ao sol. Mãos com unhas bem cuidadas, pés idem, e nunca, jamais, deixava de usar perfume amadeirado. Dormia e amanhecia perfumado. Parecia TOC, mas não se sentia bem quando uma pequena gota de suor se atrevia a atravessar sua nuca. Ficava inquieto até se banhar e se perfumar novamente. Adorável, sedutor, tranquilo... E sem atitudes. Não era homem de iniciativas, apenas concordava, pois não gostava de discussões infundadas e todas as discussões que tinham eram infundadas. Por esse motivo Monique tomava as atitudes que lhe convinha. Sempre.

      Hoje cruzara com ele na rua, se cumprimentaram e ela correu para seu apartamento. E chorou as lembranças não vividas, os beijos não dados, os carinhos não trocados, o amor que não se acabara com o tempo... Estaria ele casado? Não queria saber. Melhor assim, cada um no seu canto. Aparentemente estava bem e feliz e isso era o que importava. Saber ou deduzir que o amor de sua vida estava bem e livre de seu ciúme perturbador.

      Continuaria vivendo e procurando alguém que preenchesse o vazio provocado por ela mesma, mas foi uma decisão sem volta. Melhor assim. E continuou chorando, encharcando a almofada que agora abrigava suas lágrimas, fazendo rodelas de azul céu escuro, sem estrelas para contar o tamanho da dor da solidão daquele momento. Melhor assim, repetia...

      Assim que viu Monique, Danilo tremeu, perdeu os passos, mas continuou firme em sua direção, cumprimentou-a, abaixou a cabeça e seguiu. Olhou para trás e não mais viu Monique. Chorou, quieto, sem temer que alguém presenciasse e quem sabe lhe perguntasse de qual mal sofria. Mal de amor eterno, mal de abandono, mal de desprezo pela mulher amada, responderia sem medo.

      Reconhecia que era covarde e que não tivera a coragem de procurá-la, respeitando sua vontade e também querendo vê-la feliz e em paz. Amava-a tanto que não se atreveria nunca a perturbar sua felicidade e sua vida. Viveria até os últimos minutos com lembranças tortas e mal-resolvidas. E assim quis, assim foi feito. Repetia, incansavelmente pelas ruas úmidas. Vez ou outra arrumava os cabelos, enxugava a testa com o dorso da mão e continuava cultivando as lágrimas que caíam, uma a uma, discretamente.

      Queria ter a coragem de dizer que a ainda amava-a e sempre a amaria, eternamente. Mas foi melhor assim, apenas um oi e a vida seguiria seu destino. Cada um na sua vida, com seus outros amados, com suas alegrias, com sua paz. Assim ela quis, e assim foi feito.

      Fim.

10 comentários:

  1. Os dois, por covardia, perderam de viver um lindo amor!Pena! Lindo conto! bjs, chica

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    1. Perderam nesse momento, mas será que se estivessem juntos seria bom? Ninguém sabe. A gente costuma idolatrar quem está longe... e quem está perto, depois de conhecermos bastante, vira sapo ,às vezes... rsrs

      Beijos, gaúcha!

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  2. Os dois tomaram a pior decisão da vida deles.
    Esse negócio de amor que liberta parece não funcionar muito. rs.
    Achei o conto diferente, é o primeiro conto que leio que não tem aquele clichezinho de "felizes para sempre" e ah, não sou o tipo de leitora que torce pelo casalzinho não. Não sou nada romântica. rs.
    Beijos e já estou te seguindo.
    Bom final de semana.

    http://colunadami.blogspot.com.br

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    1. Mi, eu sou super romântica, mas não gosto de finais felizes. Acho que a vida não é assim então não tem porque os contos serem só finais felizes.
      Pra mim tem que ter choro, drama, morte, desencontros, enfim, vida como a vida é.

      Bem-vinda e muito obrigada!

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  3. Quando não se tem coragem e persistência, não vence nada!
    Ainda estou tomando coragem para cuidar de mim sozinha!
    Depois... Quem sabe?
    Lindo conto!

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    1. Olha, te digo que nem é tão difícil assim se cuidar. Nem é questão de coragem, mas de desapego mesmo. Se formos analisar sempre somos sozinhas, e incluir outras pessoas é só um detalhe. Nem bom, nem ruim, apenas um detalhe.
      Boa sorte pra vc.
      Beijos

      Bem-vinda!

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  4. Olá, Clara, como vai?
    Ótimo escrito. A princípio me identifiquei com a questão platônica, de amar de longe alguém que se ama muito. Porém, entendi os motivos que a fizeram se afastar. Ciúme excessivo não é bom, sufoca e amargura a relação, já fui vítima e sei que um pouco de ciúme é gostoso de perceber no outro, mas me excesso, é desgastante.
    Só acho que ela deveria ter explicado à ele o motivo do afastamento, é horrível quando alguém decide por nós sem nosso consentimento e ainda se afasta sem uma explicação contundente. Um abraço!

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    1. Tem gente que é assim mesmo, Bia, resolve pelos dois, ama pelos dois, termina pelos dois. E há quem aceite essa situação sem mover um móvel do lugar. Digamos que é uma dupla perfeita, mesmos sentimentos, mesmas dores e nenhuma atitude pra mudar a situação.
      Eu fico pensando se esse amor platônico fosse bem próximo se continuaria sendo amor por toda a vida. Será?

      Beijos, uma ótima semana.,

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  5. Tive sorte no amor e sempre me pergunto se teria coragem de renunciar a um grande amor. Acho que só vale a pena quando é bom, é completude.
    Mas, muitas vezes a teimosia e a intolerância afasta as pessoas e deixam de viver uma linda história. Eterna, enquanto durasse...
    Beijo, Clara.

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