Amanheceu e Cristina despertou com o cantar dos pássaros e maritacas, que todas as manhãs ficam nos fios de eletricidade da rua, em frente à sua casa, dando um bom dia a todos que por ali passam e despertando quem ainda dorme em suas casas. Abriu os olhos e em oração, pediu a Deus que mais um dia ela tenha forças e condições de chegar até à noite, tranquilamente.
Acabara de se separar e, como toda separação, foi uma situação difícil que deixou muitos traumas e lembranças ruins. Agora era ela e as filhas, duas meninas, dois e quatro anos, a sobreviverem praticamente sozinhas. Cristina já trabalhava em casa desde que as filhas nasceram, mas o que ganhava mal dava para pagar as contas de casa. A alimentação, como era o ítem mais necessário, sempre ficava por último, e nem sempre sobrava o suficiente para alimentar as meninas com dignidade.
Se levantou, arrumou o quarto, foi para a cozinha achar uma solução para aquele dia. Abriu a geladeira que tinha somente um pouco do arroz que sobrara do dia anterior, três cenouras e um ovo. E água gelada, claro. Pegou a água, encheu um copão e bebeu. Esse era seu café da manhã. Para as crianças, preparou um mingau com o que sobrara da farinha de trigo, com um pouco de água e açucar. Colocou em duas tigelinhas decoradas com joaninhas, salpicou canela em pó, preparou uma mesa com jogo americano, colheres pequenas e um copo de água para cada uma. No centro da mesa, colocou um vaso com flores naturais. Esperou que as meninas acordassem, e ficou imaginando o que faria para o almoço, com lágrimas nos olhos.
Após a separação, quem ela considerava como sendo amigas, espalharam mentiras a seu respeito, fofocas, intrigas, e as pessoas foram se afastando aos poucos, inclusive sua família que tanto a paparicava. Mas Cristina sabia que isso acontecia por conta de sua situação financeira. E com a separação, foi perdendo tudo aos poucos, vendendo outras, só para poder pagar contas e colocar alimento em casa. Estava sem nada e sozinha. Mesmo assim não deixava que suas filhas percebessem qualquer coisa, qualquer dificuldade, e o que as meninas pediam, ela sempre dava um jeito de conseguir. E conseguia!
Na hora do almoço, esquentou o arroz, ralou a cenoura e refogou com o ovo. Bom tempero, apesar das meninas não gostarem de cenoura. Arrumou a mesa como sempre fez, preparou o prato de cada uma, arrumando uma porção do arroz, usando uma xícara para dar forma, e ao redor, a cenoura com o ovo. Em cima, colocou um galho de salsinha. Enquanto as meninas perguntavam o que era aquilo, já fazendo cara de "não gosto", Cristina ia contando uma história, às vezes de princesa que estava de dieta, às vezes de crianças que estavam viajando para outro planeta e as meninas prestavam atenção e comiam sem reclamar.
Nesse dia, Cristina não comeu nada; preferiu deixar o pouco que tinha para as filhas. Aliás, na noite passada, já havia resolvido que não comeria mais nada até conseguir pagar tudo o que devia e o alimento não fizesse falta para as filhas.
Quando as meninas não estavam por perto, Cristina chorava, se ajoelhava no chão e agradecia a Deus por suas filhas não desconfiarem de nada, mas que lhe desse forças para passar os dias sem alimento, até que tudo estivesse regularizado. Enquanto estava de joelhos, toda sua vida lhe vinha à mente; todas as desavenças com o ex-marido, as intrigas da família, as dores das humilhações e agressões e isso sim, a fazia sofrer. Mas mesmo assim não reclamava, pois sabia que era uma questão de tempo para ela se ajeitar e viver com paz em sua casa. Mas a dor maior foi saber que sua família a condenou por essa separação, pois sempre acharam que eram o casal perfeito, que por terem uma vida confortável e farta, eram felizes juntos. O espanto de todos foi uma surpresa para Cristina, quando esta anunciou que estava se separando. Foi nesse momento em que percebeu que não era tão querida e respeitada como achava que era e resolveu enfrentar tudo sozinha, e começar tudo de novo, longe de todos. A família não mais a procurou e os amigos, aqueles que frequentavam as festas em sua casa, sumiram todos.
Cristina olhava para as filhas e lhe doía o coração. As meninas tão pequenas, que só sabiam sorrir e brincar, saudáveis, carinhosas e espertas, nem imaginavam o que estava acontecendo em sua casa e pelo o que a mãe estava passando. Não comeria mais nada a partir daquele dia! Já era decidido. Na hora da fome, da fraqueza, Cristina ajoelhava e pedia forças a Deus, que não a deixasse cair, que a mantivesse de pé e que suas princesas não percebessem nada.
No final do dia, uma amiga lhe telefonou e disse que a visitaria naquela noite. Sem ter como despistar a visita, pois sabia que passaria vergonha, pois não tinha como servir um simples café, mais uma vez rogou a Deus que ela ficasse pouco tempo e que dispensasse qualquer agrado.
Na hora combinada, Leonor chega de carro, abraça a amiga que não via há anos, e Cristina não aguentando, chorou em seu ombro, soluçando, mas feliz em ver a amiga querida, amiga de infância. Não se recordava o motivo do afastamento das duas, mas isso nem importava agora; a amiga estava de volta e agora tinha com quem desabafar. Convidou-a a entrar. Leonor pediu sua ajuda, abriu o porta-malas e Cristina quase teve um surto quando viu vários mantimentos ali dentro, e quase desmontou quando Leonor disse que trouxera aquela ajuda para ela. Na mesma hora, Cristina não se conteve e caiu de joelhos, e chorando e orando em silêncio, agradeceu a Deus mais uma vez.
Leonor, sem entender nada, ajudou a amiga a se levantar e disse que poderia contar com ela para qualquer emergência, pois soube de sua separação e do que estavam falando a seu respeito. Como a conhecia desde a infância, não acreditou em nada e pressentiu que a amiga estivesse passando por dificuldades. Sem antes perguntar se estava realmente bem, passou no mercado e encheu o carro e foi se encontrar com Cristina.
A partir daí, Cristina ficou mais sossegada, conseguiu equilibrar o orçamento doméstico, colocou as filhas em uma creche próxima à sua casa, arrumou um trabalho e hoje vive feliz, ainda sozinha, mas cuidando das filhas e esperando o momento certo de toda a verdade aparecer e mostrar às pessoas, o quanto foram injustas com ela, o quanto a julgaram e condenaram. Pode demorar, pensava ela, mas um dia tudo vai se esclarecer; mas será tarde demais, pois aquele cristal que lhe unia à família e aos amigos, se quebrou e nunca mais voltará a ser o mesmo.
segunda-feira, 2 de julho de 2012
Viver de brisas
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Escrevo sobre a vida e os momentos específicos emocionais.
Assuntos relacionados sobre a mente humana e como conviver com o outro sem a necessidade de mudá-lo.
O conhecimento é primeiro processo de cura.
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Situações reais ,acontecem de verdade e que bom que teve uma amiga leal e legal pra ajudar! beijos,chica e linda semana!
ResponderExcluirLinda história, minha mãe até hj não se separou do meu pai por medo de viver essas coisas, mesmo que hoje ela não viveria mais pois nós os filhos já somos crescidos. Fiquei emocionada, beijos =*
ResponderExcluirClarinha,
ResponderExcluirvc narrou um conto-real, muito bem fundamentado nas cruezas que podem acometer nossas vidas da noite para o dia, porém, não se esqueceu de colocar a Mão Divina na pessoa da amiga leal que trouxe apoio, ajuda e conforto.
Um conto de emocionar!
Falei da importância das amigas lá no Blog.Sintonia?Claro que sim!
Mil bjkas menina,
Calu
Uma história que acontece com frequência e você vem escrevendo cada vez melhor.
ResponderExcluirBeijos,
Élys.
Oi Clara!
ResponderExcluirQue estória verdadeira e emocionante. A sua fé lhe amparou e trouxe a amiga para lhe dar forças para lutar. É neste caso houve uma ruptura que nunca mais se restabelecerá completamente.
beijinhos e uma linda semana!
Quando a amizade é verdadeira, ela realmente é eficaz.
ResponderExcluirFoi o que aconteceu com a personagem da sua história. A amiga veio ao seu socorro para reergue-la
Você retratou com os detalhes da vida real.
Muito lindo1
beijos
Zizi
Olá Clara !!! Não pude conter as lágrimas ao ler seu texto... Pois me identifiquei muito com sua postagem... A 2 anos eu tive um problema de saúde e fiquei desempregada, apesar de não ter filhos e meu marido trabalhar, estamos desde então passando muitas dificuldades e por muito tempo fiquei meses almoçando e jantando pão de sal, por ser mais barato... antes eu ganhava bem e tinha muitos amigos que me convidavam para festas e reuniões, mas quando me vi em dificuldades, todos sumiram... quando eu tentava desabafar com alguém, estes também sumiam...
ResponderExcluirFelizmente minha mãe e irmão ficaram ao meu lado e ainda estão me ajudando com as dívidas e também emocionalmente e como no texto, tenho uma amiga verdadeira destas que não precisamos dizer nada, ela sabe quando algo está errado e se prontifica a ajudar :)
Hoje as coisas estão melhores e estamos nos reestruturando mas aquelas relações de antes... nunca mais serão as mesmas...
São nestas horas difíceis que podemos ver quem realmente se importa conosco e também temos consciência da força que temos para ultrapassar obstáculos e vencer desafios :)
Lindo e emocionante seu texto, fiquei encantada !
Um grande beijo e que sua semana seja ótima !!!
Oi Clara!
ResponderExcluirTexto tão real. Quantas famílias se destroem e quanta mentira se proliferam para destruir pessoas. Exemplo perfeito. Texto vivo. Adorei.
bjs
Oieeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!
ResponderExcluirGostei...
Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
KK
Texto muito bem escrito, Clara, além de muito real. Parabéns pelo post!
ResponderExcluirVc dizer que vai fazer o pão de minuto me deixa muito feliz, já que diz não ser muito amiga da cozinha... mas pela decoração que a Cristina fez com a comida das meninas desconfio que dentro de vc exista também uma cheff ;)
Abraço,
Jussara