domingo, 16 de novembro de 2014

Tempo de Colheita


      Roberto, mais uma vez saiu batendo a porta, irritado, daquele lugar que vez ou outra cumpria a obrigação de visitar. O asilo era bom, limpo, idosos bem cuidados, onde seu pai, seu Arnaldo estava morando há cinco anos, depois que sua esposa falecera. No começo relutou em aceitar, mas não tinha outra alternativa: ou ia para o asilo ou viveria sozinho em sua casa, e, como precisava de cuidados o tempo todo, aceitou contrariado se mudar para o Lar da Melhor Idade.

      Sempre que Roberto aparecia, Arnaldo quando o via de longe já se levantava e ia encontrá-lo. Abraçava-o e chorava, dizendo que ali era maltratado e que ninguém gostava dele. Roberto sabia muito bem o motivo de ninguém gostar de seu pai, que era o cão em pessoa! Mas como era um lugar pago, tinham que aguentá-lo enquanto estivesse vivo.

      Arnaldo não se conformava em ter deixado sua casa para viver no meio de pessoas estranhas:

      - Beto, eu quero ir embora daqui... Eles ficam me olhando de longe e cochichando... - resmungava para seu filho.

      - Mas pai, não tem jeito: ou fica aqui ou vai viver sozinho até morrer. - respondia Roberto secamente.

      Quando Roberto finalmente entrou em seu carro, mais uma vez começou a chorar. Não por piedade, mas por raiva, pelo modo como sempre fora tratado por ele. Era o mais velho de três irmãos, todos homens, e sempre ouvia que tinha que dar o exemplo, portanto, não podia fazer nada que desonrasse a sua conduta. Quando jovem não podia sair para lugar nenhum e nem namorada podia trazer em casa. Era briga na certa com seu pai que não media esforços para ofendê-lo diante da namorada. Isso deixava-o revoltado, mas por respeito ao pai, aguentava calado.

      Lembrou-se de um dia em que levou sua namorada, que hoje é sua mulher, para almoçar com sua família, por insistência de sua mãe Leonora. Relutou até o último minuto, mas acabou concordando para agradar sua mãe. Chegando lá, todos à mesa, Arnaldo fitou o olhar para Roberto e começou a sessão de humilhação na frente de todos:

      - Sabe, Elaine - disse para a namorada de Roberto - esse daí é o filho mais ingrato que um pai pode ter. Imagine que ele recebe o ordenado dele inteiro e nem dá nada para mim? Eu que sustentei esse vagabundo até hoje, comeu, bebeu, vestiu e agora é isso daí... Tá doidinho para casar e sumir daqui. A obrigação do filho é entregar todo o ordenado para o pai. O pai é que sabe o que fazer com o dinheiro da casa, e como ele ainda vive aqui, de graça, tem que me entregar o dinheiro e ficar quieto. E ainda agradecer por ter uma casa para viver.

      Pronto! Foi o suficiente para que Roberto se levantasse, puxasse Elaine pelo braço e fosse embora dali na mesma hora. Elaine não sabia o que dizer, ficou indignada e concordou que seria melhor ir embora e não voltar mais. Nunca passara por situação mais constrangedora e entendia Roberto de ficar estressado por causa do pai. Era uma mulher doce, mas sabia que não precisava ouvir asneiras e nem humilhações de ninguém.

      Com os outros irmãos era a mesma coisa, só que como eles já presenciaram a situação do irmão, não levavam ninguém para conhecer sua família.

      Quando sua mãe morreu, ainda suportou "aquele velho", como costumava chamar por mais alguns meses. Mas a convivência era tão insuportável que não pensou duas vezes em pagar um asilo para colocar aquele filho que não era de Deus, como assim definia seu pai.

      E hoje, por obrigação e por ter prometido à sua mãe que cuidaria do pai, ainda o visitava, mesmo sabendo que ficaria completamente estressado. Era impossível não sair de lá xingando, berrando e desejando a morte daquele ser que só sabia humilha-lo. Os outros irmão nunca apareceram para ver o pai, e isso irritava-o ainda mais, pois sabia que esse carma ele teria que carregar até o último suspiro "daquele velho".

      Mas quando voltava para casa, sua filha Juliana vinha correndo lhe abraçar, fazendo com que se esquecesse de todos os transtornos, todos os traumas e todos os desgostos que passara até hoje por culpa daquele que deveria amá-lo, mas a único sentimento que via em seus olhos era ódio, rancor e arrogância.

     Depois do aconchego da filha e da paz que havia em sua casa ficava mais aliviado, pois voltaria naquele lugar tempos depois, talvez uns dois meses depois, e não se esquecia de fazer orações para que Deus finalmente tivesse misericórdia e levasse-o para a morte. Orava também para que conseguisse perdoá-lo quando partisse e que tivesse paz para onde fosse. Era o que desejava ao pai.

      Tempos de colheita, seu Arnaldo.

      Texto publicado dia 27 de agosto de 2012.


   

15 comentários:

  1. Colhemos sempre o que plantamos. É tão complexo isto... e tão duro as vezes...
    Mas sigamos!

    Boa semana!

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  2. Aff que triste! Chega deixou meu coração apertado!
    Texto muito bem escrito Clara!

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  3. Verdade, viu Claritcha??

    Só que às vezes esperamos tanto pra ver as pessoas colherem o que sempre plataram que acho que a justiça divina é uma cópia da justiça dos homens.

    Já prefiri muitas vezes usar minhas próprias mãos.

    Mas.... sei que vou colher lá na frente. Ou não!!!

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx..

    KK

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  4. Olá, querida Clara
    Os meus avós tiveram amor mesmo um deles (o avô paterno) não sendo nada fácil... os meus tios foram generosos "apesar de"...
    Graças a Deus!!!
    Tomara eu herdar essa bondade deles sempre!!
    Tem festa no Blog pra VC...
    Deus te cubra de bênçãos e te faça feliz!!!
    Bjs festivos de paz

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  5. Uma triste história, porém bem escrita.
    Beijos.

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  6. Lá diz o ditado, quem semeia ventos colhe tempestades... Esse sr. Arnaldo vai morrer sozinho! Triste realidade

    Uma ótima semana para vc
    Bjinho da Ruthia
    http://bercodomundo.blogspot.pt/

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  7. Me lembrou a frase: Homem, senhor da ações, escravo das consequencias.
    Muito bem escrito seu post.
    Beijos
    Chris
    http://inventandocomamamae.blogspot.com.br/

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  8. Esse texto é seu? Se sim, meus parabéns! Olha, eu vou te dizer uma coisa... Eu fui criado 90% do tempo por uma pessoa que hoje está idosa e sei bem como é isso. Me vi no Roberto, e sendo isso triste ou não, é assim que as coisas funcionam. Sem falso moralismo de dizer: "Ah, agora ele é idoso, cuide dele, etc" Uma coisa que eu sempre digo é que todo idoso já foi jovem um dia também. O que dói é que nem todo idoso abandonado é esse tipo de pessoa aí. Tem uns que mereciam coisa melhor, mas... Quem disse que a vida seria justa?
    Enfim, quando puder, dá uma olhadinha no meu blog, beijos...
    Circadiano Inverso

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  9. Pois é Clara a colheita que muitas vezes não queremos é a que teremos,pois nos parece que esta vida é feita de misterios.
    Um texto numa realidade contidiana.
    Muito bom amiga.
    Abraços de paz e luz.
    Que possamos colher flores e amores.
    Beijo.

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  10. Que triste!
    Mas, Clara, mesmo quando as relações são boas, é difícil cuidar de um idoso. Minha mãe tem 89 anos, teve 10 filhos, criou uma neta como filha, e ainda assim vive com cuidadoras. Damos toda a assistência, mas ela prefere ficar em sua casa, onde vivem também 2 filhos especiais. A vida não é fácil quando os dias por aqui se estendem.
    E sempre colhemos o que plantamos, sim.
    Minha mãe é muito amada e felizmente pode ter quem cuide dela, além de nós, mas tantos que não têm e mesmo sendo bons, encontram filhos que os abandonam...
    O ciclo da vida.
    Beijo.

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    1. Que bom sua mãe, Lúcia, bem cuidada e cheia de amor em volta.
      Minha avó, qdo ficou viúva, ficou com meus pais que cuidaram dela com todo o carinho tbm. E era a pessoa mais doce que conheci na vida... muitas saudades dela,
      Beijos, beijos!

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  11. Pois é, Clara
    Meu marido também tem mais três irmãos mas é ele que cuida da tia idosa que os criou.
    Ela tem cuidadoras e somos nós que damos todo o apoio.
    Os outros irmãos não estão nem aí...
    A sorte que a Tia, como é chamada carinhosamente, é um doce de pessoa.
    Beijinhos para você.
    Ótima semana
    Verena e Bichinhos

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    1. É uma situação difícil. De uma parte já não se pode fazer muito, que é velhice, e na outra parte ainda há muito o que viver e nem sempre dá tempo de parar tudo pra cuidar de alguém. É difícil, mas cada um tem que ter seu tempo. Tempo de nascer, de viver, de envelhecer, sem atropelar nada e nem ninguém.
      Beijos

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  12. Oi, Clara!
    Alguns pais mesmo antes de envelhecer, acham os filhos ingratos. Não pensam em suas ações e muitos são carrascos dos próprios filhos. Nem todo pai sabe amar seu filho da maneira correta e apenas olha como alguém que lhe compete com o espaço. O que não podemos esquecer é que um dia estaremos no lugar desse mesmo pai que hoje está em um asilo. Que sejamos mais flexíveis na nossa convivência com as pessoas que amamos e que os momentos em família sejam lembrados como bons e não como momentos "sociais". Não é fácil! Mas chega um tempo em que os mais novos se tornam mais amadurecidos emocionalmente que os pais. Não sei... não são todos, mas a maioria acha que os filhos tem obrigações e isso não é verdade!
    A independência emocional se comprova na velhice e quem é inteligente agrega ao invés de afastar as pessoas.
    Beijus,

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    1. Luma, vc disse tudo que eu tinha vontade de dizer e acredito. Acho que o respeito tem sempre que ter, mas a obrigação, fico com minhas dúvidas tbm. Não sei, às vezes ach oque fico muito dura nas minhas observações e até insensível, mas é como eu penso. Amei o seu comentário.
      Beijos

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