segunda-feira, 25 de junho de 2012

Prazer Platônico


      Carolina, num daqueles dias estafantes, com faxina por fazer, pia cheia de louças para serem lavadas, roupas para colocar na máquina de lavar, dor de cabeça, angústia, tristeza, choro... Algo não estava indo bem nesse casamento de doze anos, onde ela, por opção, resolveu ser dona de casa abandonando uma profissão que seria bem-sucedida. Não tinham filhos e isso deixava-a agoniada, pois o esposo se tornara um robô, apenas cumprindo os deveres de esposo e nada mais.

      Não sabia dizer se tinha se arrependido ou não de ter mudado radicalmente a vida abandonado seus sonhos, sua profissão e sua liberdade por um casamento que há tempos não era mais aquele mar de rosas. Aliás, o casamento nunca foi um mar de rosas, mas como boa companheira sempre soube contornar todos os problemas domésticos e rotineiros, deixando até de participar seu esposo, resolvendo ela mesma algumas chatices corriqueiras.

      Agora se achava solitária, numa casa vazia, apenas objetos para serem limpos, arrumados, organizados, e um esposo indiferente que a amava, mas raramente demonstrava algum gesto de ternura por ela. O sexo já era automático, e ela usava de artifícios após a relação para poder relaxar e, sozinha, se satisfazer. O esposo nem desconfiava achando que tudo caminhava muito bem com ambos.

      Rodrigo não se importava em não ter filhos, aliás ele nunca quisera tê-los. E nem animais de estimação. Isto deixava Carolina deprimida, pois não tinha com o que se distrair. Tempos atrás ela até fez cursos de pintura em tecido, bordados, crochê, mas isso ainda era muito pouco para uma mulher que gostava de produzir, criar, construir. Queria um pouco de emoção, de atenção, de carinho, de sexo selvagem, de gestos proibidos, pensamentos pervertidos, mas Rodrigo, sendo treze anos mais velho, não acompanhava a jovialidade da esposa. O tédio matava-a dia a dia.

      Sexta-feira, Carolina corria contra o tempo para colocar a casa em ordem e esperar pelo esposo, como sempre fazia, para satisfazer seus desejos carnais. Rodrigo chegava, tomava um banho, jantava, olhava para ela, dava-lhe um beijo na testa dizendo que amava-a e arrastava-a para o quarto. Tudo era sempre muito automático e Carolina nunca tivera a coragem de conversar sobre esta situação com o esposo, pois sabia que ele nunca a entenderia e a condenaria, desconfiando de sua atitude. Ela era muito calma e calada, preferindo concordar com a situação do que enfrentar os olhos brilhantes e verdes do esposo, que lhe davam um certo temor quando os encarava. Então se calava e permitia toda esta situação.

      No quarto tudo era sempre igual: eles se deitavam, ele beijava-a, passava a mão em seu rosto, fazia uma declaração de amor, beijava-lhe o corpo, mas só quando estava de bom humor, e começava a relação, tudo muito rápido e automático. Pronto! Virava para o lado e dormia. Carolina ia para o banheiro, ligava a ducha e se enfiava debaixo, sonhava acordada com um homem a beijar-lhe, tocando-a delicadamente, encostando-a na parede e prensando-a com seu corpo quente e másculo. Alguém que lhe beijasse loucamente a boca, lhe revirasse do avesso e que lhe desse tanto prazer que seria capaz de ficar um ano inteiro sem sexo, apenas com as lembranças de momentos intensos e inesquecíveis. Queria ser adorada e desejada mesmo que por um dia, por um estranho. Imagina um lindo ator, às vezes um cantor popular desses másculos e jovens, e se deliciava com um homem maduro, comum, sem rosto, mas que tocasse sua alma através das mãos descobrindo em cada toque uma fonte de arrepio e desejo.

      Chorava deixando a água escorrer pelo seu rosto e lamentava por aceitar essa situação, em vez de conversar com o esposo, ou mesmo contar do que gostaria que ele lhe fizesse. O medo era maior do que a coragem. Se contentava com suas fantasias solitárias, com um homem sem rosto, com corpo forte, com boca quente, com voz macia declarando em seus ouvidos e a da-lhe um prazer que nem o mais sensível poeta seria capaz de descrever.

      Fechou a ducha, se enxugou, colocou a camisola, algumas gotas de perfume e foi se deitar do lado do esposo, que a essa hora, já roncava como um porco, pronto para o abate. A tortura da semana já havia terminado e no outro dia tudo continuaria como sempre foi, com toda aquela rotina, todo aquele tédio que deixava-a aliviada, pois ainda faltaria uma semana para a próxima sexta feira, quando outra sessão de tortura aconteceria de novo.

      E assim continuaria vivendo, como Deus queria... Era como Carolina definia sua vida.

      Fim.

11 comentários:

  1. Clara,um conto excelente!Muitas mulheres,infelizmente,ainda vivem assim!Deve ser uma vida bem triste!Um conto para despertar tb!Bjs e boa semana!

    ResponderExcluir
  2. Affffffffffffffffffffffffffffffffffff...

    KK

    ResponderExcluir
  3. Oi Clara!
    E quantas "Carolinas" não existem? Quantas estão aí chorando no banheiro, sentido prazer sozinhas e frustadas? Conheço muitas e isso é uma pena.
    Conto mais que real, verdadeiro.
    bjsssssssss

    ResponderExcluir
  4. Um conto que infelizmente, deve existir muito na vida real. É uma pena que estas coisas aconteçam.
    Tenha uma bela semana.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  5. Muitas e muitas Carolinas existem nesse mundo, mulheres sem coragem de mudar a situação, enquanto isso vivem de sonho, que poderiam tanto ser real.
    Boa semana
    Beijos

    ResponderExcluir
  6. Oi Clara!
    Um conto bem real para muitas mulheres que vivem no silêncio de seus tristes casamentos. Coitada, quando irá acordar para a vida?
    beijinhos e uma linda semana!

    ResponderExcluir
  7. Oi Clara
    sem palavras...
    muito triste...
    beijos

    ResponderExcluir
  8. Lindo conto, mas triste.
    Como alguém consegue viver um pesadelo sem dialogar?
    sem questionar?
    Você retratou o íntimo de muitas Carolinas casadas com seus insensíveis maridos.
    Belíssimo conto.

    clara, tenha uma boa semana
    beijos
    Zizi

    ResponderExcluir
  9. Oi Clara não conhecia esse seu lado de escritora, esse conto é a vida de muitas carolinas da vida, que por medo ou acomodação passam pela vida sem realmente viverem, nunca irão ter borboletas na barriga, que é aquela emoção, quando um homem te olha e no olhar já demonstra tudo que sente, sinto por essas carolinas da vida.
    Bjos.
    Silvia.

    ResponderExcluir
  10. Oi Clara,
    Existe tantas e tantas Carolina nesse mundo, com esse mesmo problema, a fustação e o medo, são terrivel, mata a alma, a vida e os sonhos.Quanto tédio, e pra completar maridos insencívéis.

    Adorei a história, parabéns queridona, você sempre mostrando ótimos textos aqui.

    ResponderExcluir
  11. Olá,
    Belíssimo conto.
    Adorei.
    Quantas Carolinas por aí...
    Beijos
    Chris
    http://inventandocomamamae.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir

Olá, seja bem vindo e deixe seu comentário!

Eu os responderei por aqui mesmo ou por email, se achar necessário.

São muito bem-vindos, sempre!