domingo, 15 de agosto de 2021

COLO

 


Há uns anos, fui a um endocrinologista "arrastada" por uma prima querida, e durante a anamnese me foi perguntado se eu gostava de colo. Fiquei alguns segundos pensando e depois desabei num choro. Não conseguia me lembrar de ter sido afagada num colo. É claro que fui, mas no momento era muita dor num momento estremo de depressão em que eu estava pra me lembrar de colo.

Fiquei perturbada por um bom tempo pensando na minha situação e até angustiada com aqueles que deveriam ter tido mais atenção e cuidado comigo. Mas tiveram, do jeito deles tiveram. 

Com o tempo percebi o quanto as pessoas que não conseguem se expressar sofrem muito mais do que aquelas que procuram por afeto e extravasam num choro sem fim. Imagino como deveria ter sido a infância de meus pais, a escassez, o trabalho duro, falta de infraestrutura, de alimento adequado, de remédios, de cultura e tudo o mais que temos facilidade hoje em dia. Não se davam nem o direito de reclamar ou chorar reclamando de algo.

Eles fizeram o que estava ao alcance deles. Não sei como foi o período do meu nascimento até os meus quatro ou cinco anos, idade mais remota que me lembro. Cresci saudável, nunca passei fome, nem frio, sempre tive onde morar, o que vestir, escola, lazer com amigas das casas vizinhas, enfim, uma infância muito boa.

O que acontece na nossa primeira infância é o que marcará nossa fase adulta, e se passamos por traumas e bloqueios pode ter sido proposital do plano Universal. 

Cobrar atitudes que não sabemos o contexto da época, é puro ego se manifestando. E está tudo bem que seja assim. Podemos, como adultos e com a informação ao nosso alcance, mudar o momento e colher os frutos mais adiante. É assim mesmo, o que passamos hoje é a colheita de ontem.

Em 1950, mais ou menos, a vida regrada era pra poucos. Meus pais eram simples, trabalhadores braçais, renda mínima pra sustentar família com dez pessoas ou mais, sem infância e sem escolaridade (o normal eram cursar até a 4ª série pra não ser classificado como analfabeto). Mesmo assim cada um deles possui uma especialidade que é difícil encontrar hoje em dia. É a tecnologia tomando conta e invadindo nossa mente de forma assustadora e magnífica, o que não existia nos tempos de meus pais.

Até pouco tempo atrás minha filha ainda sentava em meu colo. Já era adulta. Sentava, lamentava algumas palavras e a vida continuava.

O que eu percebi foi o óbvio, não importa se você teve colo, atenção, boa educação e fartura na mesa, os traumas e bloqueios sempre existirão pra serem entendidos e superados.

Você, meu querido leitor, já pensou sobre isso?


Clara Lúcia

9 comentários:

  1. Boa noite Clara. Muito boa abordagem neste processo de formação e os reflexos que carregamos de uma infância que tivemos. Lendo seu depoimento inseri-me no texto por semelhança de vida de família simples num vilarejo, onde criança tinha mais vida, mas também tinha mais responsabilidade com tarefas determinadas. Digo sempre que fui criança com vento nas costas e rodas nos pés, mas era feliz desapegado das coisas que não faziam parte do nosso viver, mesmo numa época de tecnologia bem escassa e ou reduzida para os cantinhos esquecidos pelos interiores deste país.
    Sua conclusão está perfeita, independe do que se viveu e nem pode servir como base para os traumas e ou decepções que encontraremos pela vida. A infância é o nosso retrovisor, mas nunca o volante.
    Um abração e feliz semana com toda paz.
    Beijo amiga.
    Bom lhe ver postando e provocando reflexões.
    Cuide-se bem.

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    1. Toninho, as lembranças devem ser um impulso pra agradecermos as facilidades que temos hoje. Antigamente era o que tinha e havia felicidade. Então o que importa é o que somos e não o que temos.
      Beijo, amigo poeta!

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  2. Boa noite de Domingo, querida amiga Clara!
    Fiz um comentário há uma hora mais ou menos e vi que não entrou
    Dizia que todos queremos colo, mas nem todos gostam de dar com a mesma intensidade.
    É lamentável!
    Assim como gostamos de aconchego, o outro também gosta.
    Aprendi a não ter e me empenhei em doar para que o outro não sofresse o que eu sofri, embora precisasse muito também.
    É a vida, querida!
    Gostei muito do post, escreve com clareza e muito profundamente.
    Tenha uma nova semana abençoada!
    Beijinhos com carinho de gratidão

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    1. Rosélia, a gente fica mais sensível quando falta o básico na infância, ou então nos tornamos durões, em defesa o tempo todo. Eu aprendi a me doar também e isso é libertador!
      Beijos, minha querida!

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  3. Boa noite, Clara!
    Também eu percebi, há muito tempo, que tanto faz ter ou não ter "colinho" na infância (atenção, carinho, educação, fartura, etc) os traumas e bloqueios sempre existirão simplesmente porque não há salvo conduto na infância que sirva para resolver e superar nossos imbróglios da vida adulta. Não há mágica. A vida é o que é. A infância foi ontem, a vida adulta é hoje, é "de" hoje, de agora.
    Obrigada pela reflexão.
    Bjs
    Marli

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    1. Marli, é isso, a vida adulta é hoje, é de hoje, de agora.
      Beijos!

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  4. Oi, Clara!
    Nós crescemos nos momentos tristes. Os momentos felizes não trazem aprendizagem.
    "Cobrar atitudes que não sabemos o contexto da época, é puro ego se manifestando"
    Ego também é pensar que o sofrimento é único, somente nosso. Todos sofrem, até mesmo aqueles que aparentemente não possuem motivos para o sofrimento. A questão é que não é a vida que traz sofrimento, mas a forma que lidamos com ela.
    Beijus,

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  5. Oi, Luma, como vai?
    O sofrimento é pra todos mesmo, mas tem horas que a gente exagera na dor. Mesmo assim, dor é dor e dói.
    Um beijo!

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