Continuação...
Este texto contém cenas fortes, impróprias para menores de dezoito anos.
Eustáquio, em estado de choque, questionava a mãe que ali permanecia calada, esperando o momento do enterro para poder seguir pelo caminho espiritual:
- Mãe, a senhora nunca me deu um abraço sequer... nem o pai... por que está aqui agora, do meu lado? Acho que não preciso de ninguém agora, já que não fui capaz de transmitir nada, de não dar amor, carinho, atenção àqueles que mais amei na vida. Onde está o pai numa hora dessa? Por que não está aqui com a senhora, pra me mostrar toda essa culpa que carrego agora, e que não adianta fazer mais nada, já que a vida eu não tenho mais?- perguntou, em tom de arrogância, como sempre foi.
- Ele está em outro plano, ainda evoluindo. Não nos encontramos mais, não sei mais dele. Você sempre foi muito parecido com ele, sempre seguiu seus passos, sempre foi seu espelho. Não podia ser diferente agora. A diferença é que o tempo muda, e os valores que antes eram impostos, hoje não são mais. Essa rigidez toda que você carregou durante a vida, você ainda vai carregar, até que consiga o perdão de todos eles. Enquanto isso não acontecer, viverá em agonia e todas as dores que sentiu até agora, sentirá até que o último herdeiro o perdoe. Se isso não foi feito em vida deles, vocês terão uma nova chance, voltando à vida, numa outra oportunidade, e se encontrarão, para se amarem e se perdoarem. Nascerão de novo, mas ainda não posso revelar, pois não tenho autorização. - respondeu a mãe, calmamente, passando a mão em sua cabeça, como que para tranquilizá-lo e não ser interrompida enquanto falasse.
- E quanto tempo isso vai demorar? - um resquício de esperança invadiu Eustáquio, por saber que logo poderia ficar em paz, sem essa agonia no peito, essa dor numa alma que não tem coração, mas sente todas as dores que seus filhos e esposa sentiram.
- No tempo terrestre: por volta de 300 anos. - respondeu a mãe.
- Por que a senhora está me acarinhando agora que não preciso mais disso, não preciso transmitir mais afeto e amor pra ninguém. E mesmo que o faça agora, não sentiriam e não saberiam.. - Eustáquio abaixou a cabeça e completou: - olha só pra eles, dá pra sentir o alívio por minha morte! Nunca senti dor maior que essa. Não sabia que almas sofriam, mãe... Me diz por que nunca sequer me abraçou?
A mãe apontou em outra parede, onde começou um filme com Eustáquio ainda criança. Brincava sozinho mas era sempre repreendido pelo pai. Não podia rir e muito menos chorar, que era logo repreendido. Essa fase ele já havia esquecido; aliás, boa parte da infância foi esquecida com o tempo, com um treino que ele fez quando era mais velho, para não se lembrar do descaso como era tratado por seus pais. Vendo essas imagens, Eustáquio chorou como uma criança. Tantas lembranças doloridas, tantas vontades de comer doces, ou algo que algum coleguinha comia e não lhe oferecia, e quando pedia à mãe, esta apenas dizia que aquilo era coisa de gente rica, que era ruim, que não tinha dinheiro para esbanjar com porcarias. Isso lhe doía tanto que não conseguiu continuar olhando aquelas cenas. Mas logo depois mudaram as cenas para a intimidade do pai e da mãe. O que viu fez com que tivesse ânsia, apesar de não ter mais como colocar para fora todo aquele nojo que via, que era obrigado a ver, tamanha crueldade que o pai praticava com a mãe. O pai, considerado um coronel dos mais agressivos da região, obrigava sua esposa a ficar imóvel e nua, deitada na cama, enquanto ele, munido de vários objetos nada comuns, como armas de fogo e facas, lhe enfiava em todos os orifícios possíveis, com ameaça de que se ela mexesse, puxaria o gatilho ou afundava a faca até lhe sangrar. E qualquer ameaça de contar a alguém, puxaria o gatilho, matando-a e se mataria em seguida. Não lhe restava outra atitude a não ser ficar em silêncio, aguentando e obedecendo o esposo. O amor pelos filhos era tanto que a mãe se sujeitava às dores de tortura, por medo que o esposo fizesse alguma maldade com as crianças. Essas dores, a destruíram pouco a pouco, em silêncio, mas não era maior do que a dor de imaginar aquele monstro colocando as mãos em suas crianças. Não suportaria, e por esse motivo, todos os dias pedia forças aos céus para aguentar firme toda a dor corporal, mas que a dor da alma, ela entregaria a Deus, que saberia como cuidar quando ela finalmente desencarnasse. Eustáquio também deixava bem claro que não queria filhos mimados. Ele gerara homens, portanto homem que é homem tinha que ser rude, severo, e o mandante da casa.
Eustáquio não se conteve e desfaleceu no colo da mãe. O sofrimento o atingira em cheio, como se estivesse num circo, onde era amarrado à uma roda, e cujo atirador de facas lhe acertava uma a uma, mas não o matava. Continuava vivo, sentindo o sangue lhe jorrar do corpo e formar uma poça no chão, até a última gota, para finalmente fechar os olhos e morrer. Morreu de novo ao ver e sentir tudo aquilo. Naquele momento, um ódio lhe tomou por completo, por seu pai que não estava ali, mas que se ele pudesse lhe atacaria o colarinho e o lançaria longe, e praticaria todo o terror naquele corpo macho, em todos os orifícios, e olharia bem nos olhos daquele que nunca sequer lhe passou a mão na cabeça, e por fim, puxaria o gatilho; mas não para matá-lo, mas para vê-lo sofrer, agonizando até lhe secar todo o sangue, formando aquela mesma poça que viu formando, quando o atirador de facas fez o mesmo, lançando uma a uma, em seu corpo.
Nesse momento, a mãe de Eustáquio colocou as duas mãos em sua cabeça, tentando acalmá-lo, mesmo ele estando desfalecido em seu colo. E disse que todas essas dores que permanecia por gerações e gerações era por consequência de uma vida sem perdão. As pessoas morriam odiadas e seus herdeiros se sentiam aliviados por terem ficado livres de tal presença.
Aos poucos Eustáquio foi abrindo os olhos, olhou para a mãe e pela primeira vez, passou a mão em seu rosto, carinhosamente.
Continua...
Nossa, quanto sofrimento...
ResponderExcluirSua história reflete bem o que acontece quando as pessoas em vida não cultivam o amor em seus corações.
ResponderExcluirEstá sendo narrativa muito bem feita.
Desejo que tenha um belo e feliz dia das mães.
Clara, que coisa, heim? Trazer filhos ao mundo, por gerações, só para o sofrimento...Vamos ver no que vai dar. Acho que o amor sempre vence.
ResponderExcluirBeijo!
Oi Clara!
ResponderExcluirNoooossa menina, está ficando intenso, tenso!
Você está arrasando viu!rsss
Beijinhos!
No meu post de amanhã tem um convite para você, te espero lá, viu!
Oi Clara td bem?
ResponderExcluirLindo conto! Adoro historias sobrenaturais!bom mesmo!
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obrigado por se juntar a nós!
um abração e um beijão!