Tia Maria não é minha tia, mas é tia de uma grande amiga minha, a Márcia.
89 anos, viúva, mas "bem de vida", com 2 aposentadorias - a sua e a do falecido. Guardava o que sobrava em um abertinho da cadeira da cozinha. Ninguém sabia. Mas se precisasse de dinheiro era só pegar. Morava sozinha, pagava aluguel e ninguém a perturbava.
Ninguém a perturbava e ninguém cuidava dela.
Vamos combinar que viver além dos 70 requer cuidados... E tia Maria vivia sozinha, se cuidando. Tinha irmãs, parentes que só iam visitá-la vez ou outra. Só pra ver se estava viva.
Eu tenho a impressão que não deve ser muito bom viver sozinha assim, sem ninguém... Mas fazer o quê? Essa atitude de morar com os parentes tem que partir dos parentes e não dela.
Mas tia Maria era daquelas "bocudas", que fala sempre o que lhe vem a mente... Magoando ou não... Ela sempre solta as dela.
Uma pessoa difícil? Não acho! É uma pessoa vivida, que passou por todos os sofrimentos que a vida oferece e não teve a sorte de parir ninguém que pudesse lhe cuidar na velhice.
Mas tinha Márcia, sua sobrinha e amiga minha.
Márcia era separada, tem um filho casado, e comprou uma chácara pra morar, já que sempre morou no mato, não se adaptava à vida urbana.
Primeiro morou um bom tempo sozinha. Difícil morar sozinha, e no mato então... Mas Márcia se dizia protegida, porque a primeira coisa que construiu na chácara foi uma igrejinha que logo a encheu de santos - quase todos estavam lá.
Depois o filho com a nora também resolveram morar lá.
Tia Maria sempre era convidada a passar o dia na chácara... E ficava sempre encantada com tudo... Adorava quando a convidavam.
Num belo dia, tia Maria toda feliz com o passeio, olhou pra sobrinha Márcia e soltou:
- Márcia, você me deixa morar aqui também? Eu faço um quarto com banheiro pra mim e ajudo a reformar o galinheiro.
Márcia, espantada, não sabia falar não pra ninguém, disse que sim, que poderia tia Maria morar com eles. Afinal já era bem idosa, e não era idosa rabujenta, era boa pessoa e fácil de lidar.
Chamaram os pedreiros, compraram material e construiram a suíte de tia Maria.
Vez ou outra, quando tia Maria ia dar uma olhada na obra, Márcia a escutava nos cantos dizer:
- Viu, mosquito, eu não te disse que ia arrumar um lugar pra morar? Nós não vamos mais ficar sozinhos, agora temos até uma família, com cachorro, galinha, ganso e mangueira, goiabeira, jabuticabeira e muitos passarinhos.
Márcia ficava só ouvindo e não dizia nada.
A ansiedade era tanta que mesmo antes de terminar a suíte, tia Maria mudou-se pra chácara.
Ah, que alegria! Fez bolo naquele dia, comprou guaraná e riu muito.
Márcia começou a tomar conta de tia Maria com os remédios e percebeu que ela não estava bem de saúde. Sangrava muito às vezes. Então a levaram ao médico.
A única coisa que Márcia pensava era:
- Meu Deus, será a quanto tempo que ela passa mal e não diz pra ninguém?
Fizeram todos os exames e antes do resultado, um dia depois de tia Maria completar 90 anos - com direito a parabéns com bolo e guaraná - a encontraram desmaiada no quarto.
Internação. AVC. À partir desse dia, tia Maria não acordou mais, faleceu 3 dias depois.
E a única impressão que todos nós tínhamos era:
- Ela segurou esse tempo todo só pra não morrer sozinha. Esperou encontrar um lugar, uma família que a acolhesse e partiu em paz.
Vá em paz, tia Maria... Como diz Milton Nascimento: "Qualquer dia a gente vai se encontrar".
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