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terça-feira, 10 de julho de 2018
AS PANTUFAS DE NONNA
O tempo era meio esquisito no inverno, num dia um calor seco, no outro um frio cortante, daqueles de soltar fumaça pela boca. Ana Vitória nem podia sair de dentro de casa para brincar, devido a sua sensibilidade com o clima seco. Sofria no inverno a pequena. Mas invenções para brincadeiras é que não faltavam para entretê-la.
Ana Vitória, uma menina de cabelos encaracolados, olhos grandes e verdes, sardas no nariz e, no auge dos seus cinco anos, as janelas na boca eram inevitáveis. Os quatro dentes de leite da frente já não faziam mais parte de sua figura. Era uma criança doce, meiga, porém teimosa como uma mulinha em crescimento. Adorável quando queria alguma coisa, cativante para evitar broncas por alguma travessura, mas educada, que era o que mais importava.
Em sua casa, além dela e seus pais, sua bisavó vivia com eles em harmonia perfeita. Afinal que família não vive em harmonia quando se tem uma bisneta a querer brincar com a bisavó fazendo-a sentar no chão e cruzar as pernas? Ana fazia isso e depois gritava pela mãe para ajudar a nonna a se levantar. E ria da situação. Nonna se divertia demais! Fazia de propósito só para ouvir as gargalhadas da bisneta. E ficava mole quando sua neta, mãe de Ana Vitória, ia acudi-la para se levantar. Percy, mãe da pequena, tinha medo de nonna se machucar ou quebrar algum osso. "Que nada", dizia nonna, "aguento muita coisa ainda, fia".
E nesse tempo frio, Percy fez pantufas para nonna, toda colorida em crochê. Ela adorou! Qualquer ventinho mais frio que dava, lá estavam as pantufas a esquentar os pés da nonna.
Ana Vitória também ganhou pantufas, mas as dela eram de ursinho bem peludo. Tinham a sola antiderrapante e eram bem macias. Já as da nonna eram somente em crochê, sem sola antiderrapante nem nada. Mas eram quentinhas e confortáveis. Nonna calçava-as e ficava sentada no sofá cobrindo as pernas com uma manta leve.
Ana Vitória ficava observando as suas pantufas e comparando com as da nonna. Eram diferentes uma da outra, apesar de terem o mesmo nome, deduzia a pequena. Ana indagava a bisavó sobre a sola não ter aquelas bolinhas, as antiderrapantes, e nonna apenas dizia que as pantufas que tinham bolinhas eram somente para crianças felizes poderem correr, brincar e não cair. Ana abria uma sorriso, colocava seu pé do lado do pé de nonna e comparava o tamanho, depois dava um beijo na bochecha dela e voltava aos seus brinquedos.
Num dia frio nonna preferia não se aventurar no chão com a bisneta. Mas engana-se quem imaginava que Ana Vitória ficasse quieta perto da nonna! Fazia questão de trazer seus brinquedos para perto dela, arrumava tudo em volta dos pés da nonna formando um círculo, e ali cantarolava com as bonecas e fazia chá para servir à nonna.
Percy ficava observando a criatividade da filha com a bisavó e sentia paz. A diferença de idade era de oitenta anos, porém não fazia a menor diferença. Nonna, encurvada e com os cotovelos apoiados nos joelhos, entrava na brincadeira e fazia tudo que Ana Vitória pedia. E riam descontroladamente das caretas que nonna fazia quando tomava o chá.
Percy, que ficava observando da porta da sala, ria também e se lembrava de quando era criança e nonna fazia chá para os netos. Era o chá de cheiro, saboroso e perfumado. Sempre era acompanhado por pão caseiro, bolinho de chuva ou bolo de fubá. Os netos se fartavam com as delícias de nonna! Depois de moça é que Percy descobriu o segredo do chá, apenas água com açúcar. E pensava que além desses dois ingredientes, havia também muito amor envolvido, muito capricho e bom humor. Percy fechava os olhos e imaginava o aroma do chá de cheiro com o pão caseiro invadir a casa... E olhava para a filha que brincava com nonna e se emocionava pela falta de seu bisavô e de seus pais, todos falecidos. A família havia diminuído, mas a energia do amor enchia a casa de Ana Vitória!
Não sabia por mais quanto tempo nonna estaria entre eles, mas fazia questão de proporcionar o maior conforto possível para ela. E fazia questão de Ana Vitória participar de tudo e ter uma lembrança maravilhosa da infância ao lado de nona por toda a vida.
Clara Lúcia

terça-feira, 6 de dezembro de 2016
Perfume Adocicado
Contados exatos dois meses, Ariela finalmente alcançou a coragem em entrar no quarto que era de sua mãe, Dona Hortência, que nos últimos meses, por falta de opção, viveu seus últimos dias no asilo São Tomé de Deus. Eram somente mãe e filha morando numa cidade pacata. Todos os parentes estavam muito longe, na cidade grande. Ariela, por ser concursada em Pedagogia, escolheu a tranquilidade de ter ar puro e silêncio para viver com sua mãe. Mas nem tudo saiu como o esperado. Dona Hortência não podia mais viver sem acompanhamento constante, obrigando assim Ariela a deixá-la sob os cuidados de pessoas estranhas no único asilo daquela cidade.
Ariela visitava a mãe todos os fins de semana, e vez ou outra levava-a para sua casa, para rever seus pertences e matar a saudade de uma comida caseira e especial. Eram como irmãs e Ariela sofria por ter que deixar Dona Hortência com estranhos. A mãe dizia que era feliz no novo lar e que a filha não precisava se preocupar com nada. Às tardes jogava bingo e tomava chá com amigos. Riam e dançavam, depois se recolhiam aos quartos coletivos. Era tudo limpo, mas na verdade Dona Hortência não era mulher de ficar reclamando. Sentia solidão, muita solidão todos os dias. Não queria ter seus objetos por perto por medo de ser roubada. Não confiava nas pessoas tanto assim.
Naquele quarto vazio Ariela sentiu o cheiro de mofo, de roupa guardada há anos, de pó nos móveis que a fez espirrar seguidamente. Por fim amarrou um lenço tapando as narinas para, enfim, retirar as roupas e doar a quem precisasse. Isso era uma ordem de Dona Hortência para quando ela morresse.
Ariela não sentiu vontade de chorar, mesmo quando apertava algum vestido de sua mãe em seu peito. Ela pensou que sofreria mais, mas estava tranquila e até conformada com a ausência da mãe. Tinha saudades, e teria para sempre, mas não doía tanto quanto imaginava. Por momentos pensou ser fria como uma pedra de gelo, mas talvez pela vida solitária em que sua mãe passou os últimos momentos, sabia que agora Dona Hortência poderia estar num bom lugar, junto com os seus já falecidos.
Certamente doaria tudo para o asilo de sua mãe, era assim que o chamava.. Ariela pegou roupas, sapatos, perfumes, talcos, maquiagens, esmaltes, bijuterias, tudo que sua mãe usava. Antes, claro, teve o cuidado de deixar tudo limpo e perfumado. Chegando lá, a primeira cena que viu foi uma senhorinha encostada no portão. Cumprimentou-a e perguntou se ela estava esperando alguém. Ela respondeu que sim, que seu filho logo chegaria. Ela usava batom cor-de-rosa e um perfume adocicado e enjoativo. Ariela sorriu, fechou os olhos e foi como se sentisse sua mãe por perto, devido ao perfume doce. Parecia ser o mesmo que estava na mala, o mesmo que sua mãe usava. "O perfume acabou de encontrar sua dona...", pensou Ariela. Ela entrou carregando com dificuldade a mala cheia com os pertences de sua mãe.
As voluntárias que lá estavam receberam Ariela com alegria e, num abraço apertado, agradeceu pela gentileza em levar os objetos de Dona Hortência para lá.
Ariela parou no corredor e, pela janela, ficou olhando o jardim. Não era dia de visitas e os idosos estavam sentados, cada um em um canto, olhando para o nada e sem se comunicarem uns com os outros. Ariela estranhou não encontrar aquela alegria descrita por sua mãe, dos jogos, brincadeiras, risadas e tudo o mais. Resolveu caminhar por eles e conversar um pouco com cada um.
Um senhor que estava na cadeira de rodas, ficava o tempo todo com a boca aberta e vez ou outra, limpava a baba que escorria. Tinha os olhos lacrimejantes que pareciam olhar para o horizonte avistando a morte. Apenas esperava por ela. Não muito adiante, um outro senhor se entretinha com um livro. Ariela percebeu que ele passava as páginas rapidamente, impossível de terem sido lidas. Nesse instante uma enfermeira chegou até ela para acompanhá-la no passeio. Sem que Ariela perguntasse nada, Fabiana, a enfermeira, começou a contar sobre cada um. O senhor do livro não sabia ler, mas sempre foi tão encantado por livros que não se importava com esse detalhe; gostava de folhear as páginas e depois repetia todo o processo. Ariela pensou que poderia, de vez quando, voltar para ler para ele. Perguntou sobre o senhor da cadeira de rodas. Fabiana disse que ele tinha Alzheimer e que se lembrava apenas de sua infância, cada vez mais remota. Ninguém o visitava há anos... Depositavam o valor da mensalidade e pronto. Ariela perguntou sobre a mulher no portão. Fabiana disse que o filho morava há três quadras dali e que dificilmente ele vinha visitar a mãe. Mesmo assim ela ficava esperando por ele todos os dias e quando começava a escurecer, ela entrava, jantava e se recolhia para dormir. Balbuciava algumas palavras lamentando o filho não ter vindo naquele dia e logo dormia. No outro dia tudo se repetia.
Ariela sentou ao lado de uma senhora que calmamente crochetava, sem saber definir o que seria. Era uma capa para bule de café, dizia ela, sorrindo para Ariela. Mostrou os detalhes e disse que todos os dias fazia a metade de um, que depois eram vendidas no bazar que faziam no asilo. Ficava feliz em poder ajudar de alguma maneira. Dona Antonieta, o nome dela, não tinha família e resolveu esperar pela hora da morte junto a pessoas. "Que triste morrer e ninguém saber", dizia ela, que imaginava seu corpo apodrecer até acabar o último resquício de carne e só depois algum vizinho sentir sua falta. Ariela pegou suas mãos e as beijou. Dona Antonieta acariciou seu rosto e disse que se sua filha estivesse viva seria assim, como ela.
"Truco!", Ariela voltou-se para ver quem gritava quebrando aquele silêncio. Era Gumercindo e Antunes, que jogavam baralho o dia todo. Eram os únicos que se enturmavam nos dias comuns. Eram amigos de longa data e se reencontraram no asilo. Haviam feito o Tiro de Guerra na juventude e guardavam lembranças preciosas. Para Fabiana, esse reencontro foi a melhor coisa que havia acontecido no asilo nos últimos anos. Eram eles que animavam a turma nas festas. Mas o que animava mesmo os idosos eram os familiares que apareciam em dias de visita. Todos os dias poderiam ter visitas, mas se compreendia que a família precisaria trabalhar para sobreviver.
Ariela perguntou para Fabiana se ela teria coragem de internar sua mãe num asilo. Ela apertou os lábios, abaixou os olhos e disse que se precisasse, sim, internaria. Mas sabia que dizia isso por não ter mais a mãe por perto, que havia falecido quando ela era bem pequena. Aquele amor de mãe ela não sabia como era. Talvez por isso respondeu tão rápido a pergunta.
Ariela passou a tarde toda com os idosos e se sentiu muito bem. Poucos se lembravam de Dona Hortência.
À noite, quando colocou a cabeça no travesseiro, orou, chorou e pediu perdão à mãe. Arrependeu por não ter criado uma outra alternativa para manter Dona Hortência por perto até seu último dia. Mentalmente começou a calcular quanto seria contratar uma cuidadora. Não, não seria possível com o salário de Pedagoga. Chorou durante algumas horas e depois adormeceu.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Quando Chega a Maturidade?
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1 ano |
Saudades de quando apenas me preocupava em chegar rápido em casa, ligar a TV e assistir Speed Racer.
Parece que foi ontem, mas estou em contagem regressiva. Não tenho um dia a mais, e sim um dia a menos de vida. Cinquenta e um já, dia 06 de outubro.
Não tem como não se questionar sobre a vida, as coisas, as pessoas, a saúde, o meio em que vive, as dores, as lembranças, as alegrias...
No pacote todo só tenho a agradecer. Apesar de todas as dores, sofrimentos e perdas, estou viva e muito bem, obrigada! Quando olhamos para trás e enxergamos superações, batalhas acabadas, pesos descarregados, sonhos realizados, ou não, o melhor que podemos fazer é agradecer pela dádiva de ter saúde e poder fazer agora, com filhos adultos e muito bem também, o que se tem vontade.
É certo que muitos vão nos achar egoístas, metidos, arrogantes, assim como achavam como éramos jovens, mas a diferença é que isso é tudo uma bobagem... O que tem de mais em sermos egoístas, metidos e arrogantes? Se realmente nos consideramos ser assim, os únicos atingidos somos nós mesmos.
Hoje me dou o luxo de escolher e, principalmente, usar o não como ponto final. Como é poderoso o não na vida da gente!
E o melhor de tudo, usar o sim como a consciência tranquila, sem medo da entrega, do momento desejado, seja ele qual for.
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22 anos |
Na juventude somos imortais, mas na maturidade somos saudosistas, cuidadosos e medrosos. Sim, costumamos ter medo do desconhecido. Quem nesse mundo não tem uma pontinha de receio da morte? Acho mais medonho o momento dela, e não depois que acontece. Como será a passagem dessa pra melhor? O que sentimos? Dói? O que há do outro lado?
Agora, não é ruim fazer cinquenta. Também não é bom. Eu sendo uma pessoa hiperativa, o corpo nunca acompanha meu raciocínio. Acompanha, mas poderia ser melhor. Acho que faço coisas além do que imaginava fazer quando tinha vinte e dois, como nessa foto acima. Esse foi o dia de minha formatura. Educação Física, que tanto amava. Mas não exerci. Por culpa minha que fui permitindo me podarem as asas pra não voar pra onde sempre quis. Acontece.
Hoje sei, como disse acima, o poder supremo de usar o não. Aos vinte e dois, antes dos vinte e dois, e depois dos vinte dois, eu não sabia que podia o usar o não. É tão mais fácil se calar e fazer o outro sorrir, não é? O que é a vida da gente perante a do outro que tanto amamos? Enfim, depois dos quarenta tive essa resposta. Sim, a minha vida é tão importante quanto a do outro que amamos. Não posso me privar de nada e nem me calar quando algo me perturba ou me faz sofrer, pois isso é prejudicial a mim. Por consequência não serei feliz o suficiente para transmitir essa felicidade a quem está ao meu lado.
O tempo passa, a maturidade vem... Quando chega a maturidade?
Posso voltar a sonhar em lecionar Educação Física? Sim, claro, mas hoje existem outros sonhos, outros planos, outras conquistas, outros valores, outros desejos... Sim, podemos fazer o que quisermos, sempre, a qualquer hora, desde que não interfira na vida do outro. Podemos sim mudar de ideia e começar tudo de novo.
Acho que a maturidade é isso. Viver a vida com leveza, bom humor, rir de si, ter alegrias, satisfações, e saber enfrentar problemas com a mesma garra dos vinte e dois, agora com sabedoria. Sabedoria não só dos livros, mas da vida, repeitar o outro em sua essência. Saber deixar partir e querer que fique por livre e espontânea vontade.
Eu gostaria de voltar aos meus vinte e dois anos, mas com a imaturidade dos vinte e dois. Imagina uma jovem com cabeça saudosista e sabendo de muita coisa que só os maduros sabem? Insuportável! Cada idade tem seu encanto e esse é o segredo da vida, cada fase a seu tempo, cada tempo sua história, cada história um aprendizado...
É isso.
Parabéns pra mim!
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50 anos |

segunda-feira, 25 de julho de 2016
O Triste Fim de Donana
Uma última colherada de sopa na boca de Seu Romero, uma limpada no canto da boca com um guardanapo de papel e pronto, o moribundo já estava alimentado e pronto para dormir o sono dos justos.
Donana ficava resmungando o tempo todo, dizendo frases feitas, como se quisesse gravá-las na memória para repeti-las no dia seguinte, vírgula por vírgula. Outras vezes parecia conversar com alguém invisível, perguntando e respondendo logo em seguida, outras parecia Deus a lhe ouvir, atencioso, e era nesse momento que as lamentações se aguçavam. Parecia questioná-Lo por tanto sofrimento e um fim de vida tão sofrido, tendo que carregar nas costas o marido puteiro. Mesmo assim cuidava de Seu Romero com um carinho embutido.
Depois de cobri-lo, apagar as luzes e deixar a porta entreaberta, Donana se dirigia à cozinha para seus últimos afazeres. Ainda resmungando, balançava a cabeça de um lado para o outro, como se lembrasse de fatos não muito distantes e que a fizeram sofrer demasiado. Apoiava as mãos na pia, abaixava a cabeça e simulava um choro. Não saíam lágrimas, mas a ladainha constante e o zunido balbuciado, denunciavam que ainda havia amor e que ela sabia que sua missão, até os últimos dias, seria de cuidar do marido.
Seu Romero mal se equilibrava em pé. Donana colocava ele apoiado no andador e ficava por perto ajudando-o a caminhar pela varanda, para pegar o ar da manhã e o sol bem fraquinho, tomando cuidado para não queimar-lhe a careca reluzente.
Ele olhava-a com piedade e gratidão, mas não pronunciava sequer um "obrigado". Tinha vergonha de estar como estava e do trabalho que estava dando a Donana. Era a mulher escolhida, a rainha de seu lar, a mãe de seus filhos, a avó mais carinhosa do mundo e dotada de um coração imenso, incapaz de calcular quantas pessoas cabiam dentro dele. Era agradecido, mas preferia o silêncio a se sentir humilhado reconhecendo a preciosidade que o acompanhou durante uma vida inteira.
Sabia que seu fim estava próximo, e o máximo que lhe permitia fazer era ficar em silêncio. Donana lhe perguntava coisas, se estava com fome, com frio, cansado, com sede ou se queria assistir à TV. Ele respondia meneando a cabeça e mais nada. Não conseguia mais encarar Donana. Era mulher demais para ele que se sentia tão inútil nesse fim da vida.
Donana reclamava muito, lamentava, mas no fundo se sentia orgulhosa por ter que cuidar do marido até os últimos momentos. Era puteiro, cafajeste e não escondia de ninguém suas puladas de cerca. Se vangloriava de ser um conquistador nato, um colecionador de corpos estranhos, um Don Juan perdido nesse mundo de meu Deus.
Mais um dia de cuidados, menos um dia para Seu Romero. Mais um dia de lamentações e menos um dia para lembrar das travessuras vividas fora do casamento. Donana dormia em paz, Seu Romero custava a pegar no sono e chorava em silêncio. Seu fim estava próximo, poderia ser hoje ou semana que vem. As carnes de seu corpo já anunciavam falta de mobilidade e falência. Desejava morrer dormindo. Só não se esquecia de beber bastante água antes de fechar os olhos. Para ele deveria ser muito triste morrer de sede. Morrer de fome não teria problemas, mas morrer de sede seria o inferno.
O dia clareou, Donana no fogão preparando o café da manhã, mas antes disso uma olhada em seu marido, que dormia feito uma criança, com respiração profunda e olhos entreabertos mexendo as pupilas de um lado e de outro. Corpo deitado de lado, encurvado e com a mão debaixo do travesseiro. Como um anjo esperando sua hora de partir.
Donana respirou fundo e seguiu a lida, até quando Deus quisesse.

sábado, 18 de junho de 2016
Letra de Livro
Anos 70...
O cachorro latia insistentemente fazendo com que Dona Aurora se irritasse e o mandasse ir deitar. Figo chorava, abanava o rabo fazendo com que seu corpo envergasse lateralmente. Dona Aurora olhou pelo vitrô da cozinha e entendeu o motivo: Véio chegando com um embrulho nas mãos. Não era um embrulho, mas uma maleta verde que ela não tinha ideia do que seria.
Véio, como era carinhosamente chamado por todos, devido a precocidade de seus cabelos brancos, desde os dezesseis anos, assoviava subindo o degrau que separava a calçada do portão de ferro, enferrujado pelo tempo, que garantia a segurança e privacidade de sua casa. Ao abri-lo, um ranger incomodava quem estava por perto. Garantia que afugentava os homens de pouco caráter, pensava ele todas as vezes em que entrava ou saía de casa. Já estavam acostumados com o ranger, mas os vizinhos ainda ficavam incomodados. Quem passava em frente a sua casa não entendia o mistério do portão denunciador, pois o restante do muro era baixo, sendo de fácil acesso a quem tivesse destreza suficiente para pulá-lo. Mas, além do portão, havia Figo, seu leal companheiro, aos doze anos com cara e jovialidade de um adolescente. Seu pelo, quando exposto ao sol, ficava esverdeado, bonito, brilhoso, por isso o nome Figo. Figo da fruta, que faz o doce mais suculento já feito por Dona Aurora. Ficava tão verde que dava dó de comer sem lamentar estragar a perfeição da bolinha em foma de pião. Mas essa é uma outra história. Lembram do pião de madeira que os meninos enrolavam uma corda e lançavam ao chão?
Dona Aurora, enxugando as mãos no avental surrado, ficou na porta esperando Seu Véio todo pimpão chegando com sua maleta misteriosa.
Todo orgulhoso destravou o fecho, abriu calmamente, riu e perguntou para sua mulher se sabia o que era aquilo.
— "Não, quéisso, Véio?" — perguntou curiosa.
— "Isso é uma máquina que faz letra de livro, muié, espia só!" — sorriu, abrindo os braços mostrando a maravilha de aparelho que acabara de comprar.
Dona Aurora não entendeu nada, apenas olhou na cara dele e voltou à lida da casa.
Seu Véio sentou-se, ficou admirando a bichinha, depois levantou-se e pegou um pedaço de papel, desses de enrolar pão. Tentou enfiar pelo rolo da máquina, mas não fazia ideia de como ela ficaria retinha lá dentro. Olhava de um lado, do outro, descobriu as rodelas laterais que faziam girar o rolo e deduziu que se introduzisse o papel de um lado, logicamente saía do outro lado. E fez! Ficou todo torto, mas conseguiu. Só não atinou que havia um "prendedor" para a folha ficar esticadinha, bastava puxá-lo para a frente, ajeitar o papel e depois soltá-lo. Com sacrifício, enfiou a folha sem afastar o "prendedor", com muita dificuldade, mas acabou conseguindo. Sorriu e se achou o maioral dos maiorais, pelo menos entre seus amigos era considerado o mais inteligente e culto.
Lembrou-se das instruções da moça da loja, em apertar as teclas com força, para que carimbassem no papel. A primeira seria A, em homenagem à Aurora, sua deusa para todos os momentos, tanto alegres quanto tristes. Não tinha muita paciência com ele, mas pelo menos não ficava criticando ou chamando sua atenção.
Depois veio a letra U. Depois R e assim por diante, até escrever Aurora em letra de livro, como havia prometido a moça da loja.
— Corre aqui, veia, vem ver!
Dona Aurora chegou por trás de Véio e leu seu nome, todo retinho, bonitinho e com letra de livro.
— Gente, coméisso, Véio, cê endoidou, foi?
Seu Véio ficou o resto da tarde fuçando na máquina de datilografia. Vez ou outra cantarolava uma moda de viola que saía do radinho de pilha que tinha lugar cativo sobre a geladeira. Dava uma sacudida nos ombros e depois voltava a acariciar sua preciosidade. Correu para pegar a Bíblia e copiar alguma frase. A folha não estava mais em branco e nem retinha na máquina, mas as letras de livro estavam todas em carreirinha, ornadas uma do lado da outra, algumas sem espaço entre elas e outras totalmente ilegíveis, como se Seu Véio fizesse um teste com as letras não utilizadas naquele momento. Depois os números, em ordem crescente e depois decrescente. E finalmente descobriu como escrever em letras grandes, maiúsculas e fáceis de enxergar. Soltou um grito de satisfação, levantou-se, puxou Dona Aurora pelo braço, segurou sua cintura e começou a rodopiar com ela, aproveitando a carona do forró que tocava solto na rádio.
Dona Aurosa ria que dava gosto. Era feliz com seu veio assim, de graça, sem fazer esforço. Primeiro namorado e único homem de sua vida, Para sempre, obedecendo o sacramento matrimonial que há quarenta anos uniu esse homem descabeçado, avoado, curioso e doce. Simplesmente o amor de sua vida.
Fim
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segunda-feira, 2 de maio de 2016
Dona Assunta
Ao primeiro raio de sol que entrava pelo vão entre a janela e a parede, o aroma de café já se fazia presente na casa de Dona Assunta.
Mulher trabalhadora, forte, porém esquelética. Braços finos e dedos longos, pernas que pareciam dois cambitos, rosto que definia o contorno da cabeira, olhos fundos e sorriso contido. Na juventude era meiga e doce, mas a vida tornou-a seca e de coração duro, mas a meiguice às vezes desabrochava nos gestos suaves quando Dona Assunta tomava conta da cozinha.
Tinha os cabelos esbranquiçados, ralos e compridos até um pouco abaixo dos ombros. Quando falava, a parte inferior da boca murchava e a superior tentava equilibrar a dentadura antiga, com os dentes bem gastos e a gengiva rosada. Ela ria e os dentes se pronunciavam para fora, quase que completamente. Quando estava em casa os cabelos eram sempre ajeitados num coque baixo, preso por grampos longos que ficavam aparentes como se fosse palitos negros que contrastavam com o branco acinzentado dos cabelos. Tanto Dona Assunta quanto Seo Lão eram esguios, retos, parecendo cabides ambulantes. Seo Lão usava um chapéu de palha encardido de vermelho e só o tirava quando entrava dentro de algum comodo.
As janelas de madeira eram trancadas com uma tramela e nas portas, o colorido da chita florida em azul, vermelho e amarelo, quebravam a cor da terra predominante no ambiente e separavam os cômodos. Apenas quarto e cozinha.
No quarto, debaixo da janela, a cama em madeira envelhecida, colchão de molas com um vão em cada lado, pelo seu uso ininterrupto. Tudo se emoldurava com o casal, como se os objetos tivessem vida e obedecessem ao corpo de cada um, sem teimosia em querer espetar e correr o risco de furar a pele frágil e craquelada. Um roupeiro sem as portas e mais uma poltrona velha e esburacada compunham a mobília do quarto. Numa das paredes uma única foto, emoldurada de madeira, que também se decompunha pelos cupins, carimbava o casal, sereno e sem os traços enrugados definidos.
Na cozinha um fogão à lenha bem rústico e pequeno, encerado em vermelhão e muito tem lustrado, que fora feito pelo esposo, que era magro e ossudo como Dona Assunta. Eram tão magros que davam a impressão de não terem carnes pelo corpo, apenas os ossos e a pele enrugada. Passavam dos setenta e aparentavam noventa anos. Trabalhadores da roça, tiveram ajuda de uma sobrinha de uma vizinha de terreno, para se aposentarem com um salário mínimo. Sentiam-se privilegiados com a pequena fortuna mensal e agradeciam ao acordar e ao deitarem-se, a Deus, por ainda estarem vivos e com saúde.
Não tinham muitos móveis, somente uma mesa pequena e cinco cadeiras, onde uma delas ficava de enfeite, por não ter uma das pernas. Deixava-a encostada na parede e a mesa a escondê-la, para evitar algum acidente de algum desavisado "cair de maduro" no chão, como dizia rindo Dona Assunta. Meia dúzia de caixotes de madeira empilhados fingiam ser o armário. Duas panelas, quatro pratos e alguns talheres. Na parte de cima um jogo de pratos rasos e fundos, com um filete dourado eram intocáveis. Dona Assunta ganhara de uma ex patroa, na época em que trabalhava na roça. Era sua preciosidade, seu enfeite nobre, sem uso. O orgulho de poder mostrar que tinha algo de valor. Na verdade não sabia o valor, mas sabia que um dia em sua vida ganhara um presente lindo e o levaria intacto até seu último dia de vida. Na parte de baixo, um jarro de plástico cor-de-laranja e vários copos também de plástico, cada um de uma cor. Alguns acusavam mordidas nas bordas, lembrança de seus filhos, quando ainda eram pequenos, também guardados junto com as boas recordações.
Depois de tomar o café forte em uma caneca de alumínio pintada em esmalte branco, Seo Lão ficava um bom tempo, ainda sob os primeiros raios do sol, sentado num toco que servia de banqueta, estrategicamente colocado na sombra da pequena varanda defronte à casa. Colocava a caneca no parapeito da janela, pegava uma palha seca, o canivete que tinha o cinturão como moradia e descascava calmamente o fumo de rolo. Depois ajeitava os fiapos, passava a língua em um dos lados da palha e calmamente fechava o pito. Ia até o fogão, abaixava a cabeça com o pito na boca encostando-o na brasa fumegante, chupando até sair as primeiras baforadas. Chupava longamente, engolia a fumaça e depois soltava pelas narinas. Era um momento de profundo prazer para Seo Lão. Melhor que pitar um cigarro de palha era tomar uma pinga diariamente ao final da tarde, e às sextas feiras, três ou quatro para fechar a semana. Depois voltava para casa, lavava os pés e se deitava ao lado de Dona Assunta para repousar a carcaça cansada.
Dona Assunta gostava de ir à feira bem no finalzinho da manhã para pegar algum legume abandonado na sarjeta, nada que uma água limpa e uma boa esfregada com as mãos, não os transformassem numa sopa suculenta. Apesar da aposentadora, Dona Assunta gostava de guardar um pouco, dentro de casa mesmo, muito bem escondido, para um eventual contratempo. Desde que nasceram aprenderam a sobreviver com o pouco, com o mínimo e até com o nada. A abundância e o desperdício não faziam parte da vida deles. Vez ou outra compravam pão fresco na padaria, mas preferiam o pão "dormido", por ser mais barato. Colocava-o em uma panela, alguns minutos na quentura do fogão e pronto, o pão ficava com cara de novo e muito saboroso.
Não tinham assunto um com o outro, não se olhavam, não riam, não iam juntos aos lugares, mas pelo olhar de soslaio era visível perceber o carinho, o cuidado e o amor entre eles.
Tiveram dois filhos, que faleceram há vinte anos, afogados num lago onde foram pescar com outros dois rapazes. A dor não passou, a tristeza nunca mais saiu de seus olhos, o choro secou e a vida tornou-se infinitamente insuportável. Mesmo assim agradeciam pelos poucos prazerem que lhes restavam. Houve um tempo em que não comiam e nem dormiam, queriam morrer de desgosto e tristeza, mas Deus não permitiu, como eles descreviam para quem não sabe de sua história. Então se Deus não tirou eles da vida, agradeciam por cada sol nascido e por cada lua que iluminava a varanda da pequena casa. Estava bom como viviam e viveriam até o último dia sem reclamar de nada. "Deus sabe das coisas", repetiam quando a tristeza aparecia. O olhar longínquo de Seo Lão na verdade ainda procurava uma explicação para tamanha dor que o tempo não curou. Dona Assunta se entretinha com o fogão vermelho reluzente, seu xodó, com sopas, arroz, feijão e vez ou outra, uma linguiça fininha tilintava na panela.
Os parentes estavam todos longe, na roça, que perderam contato fazia tempo. Os vizinhos eram gente boa, mas não se misturavam com ninguém. Todos muito pobres e sofridos, mas não tanto como Seo Lão e Dona Assunta. Os filhos deles sempre estavam por perto para acudi-los em alguma necessidade.
Não comentavam um com o outro, mas nos agradecimentos a Deus pediam para morrer primeiro, ou então um em seguida do outro, para não terem que ficar sozinhos no mundo. E o dinheiro guardado com cuidado, num esconderijo inimaginável, que quem o encontrasse fizesse por merecer. Esse era o único pedido deles. O mesmo pedido feito separadamente, sem um saber do outro.
E assim viviam, Seo Lão com a alegria de uma caneca de café e um pito de palha e uma pinguinha, um fogão brilhante e vermelho, da cor do fogo, que esquentava o coração e a alma de Dona Assunta.
Até quando Deus quiser.
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domingo, 13 de setembro de 2015
A Vida é Muito Curta
De repente nos deparamos com gente querida morrendo... Como se não soubéssemos que existe a morte.
E quando envelhecemos, é um dia a menos que temos e a certeza de que a morte está próxima.
Quantas coisas deixamos pra trás, e que agora não temos certeza de que ainda nos resta tempo pra fazê-las?
"Viva como se não houvesse amanhã", disse alguém. Mas não somos assim. Vivemos como sempre vivemos, um dia de cada vez, ou pensando no passado, ou no futuro.
E a vida realmente é muito curta, quando pensamos nela.
Não bate um desespero? Ou uma vontade de mudar de tudo? Ou correr atrás? Ou lamentar? Ou seguir em frente, enfrentando tudo? Correndo? Meu Deus, não vai dar tempo!
E a vida continua... A passos lentos, mas tão rápidos que nem percebemos.
O que levamos daqui? Quem amamos? Quem perdoamos? Quem ignoramos?
Meu Deus, será que ainda dá tempo?
E aquele amor de anos e anos, que não vivemos, que nos afastamos por simplesmente amar? Amor que nos permitimos terminar, mesmo amando muito, mesmo fazendo parte de nossa vida por todos esses anos... E que as lembranças nos alimentam e nos dão a certeza de que um dia sim, amamos alguém, que não está ao nosso lado, mas que existe. Amamos e deixamos livre... Amamos e sempre amaremos. E é esse amor que levaremos...
Respirar fundo e viver, como se a qualquer momento tudo por aqui se acabar.
Espalhe o amor, o harmonia, por onde for. E tudo isso nos acompanhará por onde formos.
Boa semana a todos!

domingo, 26 de julho de 2015
Minha Doce Vovó
Minha doce avó não está mais por aqui, foi adoçar os céus...
Nunca conheci pessoa mais doce e meiga que ela. Minha vovó Dida, pequenininha, frágil, delicada, não conhecia as letras, mas memorizava os nomes e os números do telefone dos sete filhos. A qualquer hora sabia discar e falar com eles.
Bordava flores lindas, mimosas, assim como ela. Foi a companheira leal de uma vida inteira ao lado de meu avô. Gostava de nos contar quando se conheceram, na roça, e depois ele foi à guerra e ela ficou esperando-o. Assim que voltou se casaram e começou a saga da família Guerra. Tempos difíceis, vida difícil, com poucos recursos... Contou várias vezes que quando estava grávida de minha mãe, a filha mais velha, em uma de suas ousadias, poi pular um "corguim" e a bolsa estourou. Estava de sete meses. Foi pra casa e logo nasceu minha mãe, pesando pouco mais de um quilo. Naquele tempo não havia recurso nenhum! Tudo era resolvido com a parteira. E com a graça de Deus, minha mãe cresceu sadia. Contava também que ela era tão miudinha que meu avô colocava-a no bolso do paletó quando iam a algum lugar. Logo depois vovó engravidou novamente e daí pra frente tudo deu certo.
Com seus vários netos, posso me considerar uma querida, pois era a única que tinha apelido: negrinha.
Também tive contato com minha bisavó, minha bisnonna, italiana autêntica, mãe de minha doce avó. Também tinha um apelido dado por ela: pelota... Então, já sabem que na infância eu era gordinha e morena queimada do sol. Foi embora um dia antes de meu aniversário de cinco anos e eu nunca mais me esqueci.
Infância maravilhosa com avós maravilhosos, doces, ternos, que nos enchiam de carinho e doces, e pão caseiro com chá de cheiro, chá feito somente com água e açúcar. Depois de muito tempo é que fui saber o segredo daquele doce chá. Amávamos! Queimávamos a língua de tão quente que era servido, mas que importância havia quando era acompanhado do pão caseiro quentinho ou do bolinho de chuva?
Nunca ouvi sequer uma reclamação de sua boca, ou alguma irritação, ou algum choro ou dor... Sempre me lembro dela nos momentos de angústia, de sofrimento... Pela sua força em ser feliz como a simplicidade de um pôr do Sol, ou de um cantar do pássaro preto que tinham na varanda. Tive a oportunidade de estar ao seu lado em seus últimos dias, no hospital, já debilitada... Ela quietinha, de olhos fechados e eu ao seu lado, o dia todo. Depois, por decisão médica, resolveram operá-la. E ela se foi... Minha doce vovó...
Neste dia dos avós, mais que tudo me recordo dela com saudades....

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
Vida Difícil, Mas Nem Tanto
No ônibus...
Como aqui é cidade pequena, 365 mil habitantes, existe só uma empresa de ônibus. Isso desde que me entendo por gente. Bem, mas não é isso que quero falar.
Alguns bairros, como o que eu moro, o fluxo de passageiros é pequeno, então retiraram os cobradores, cabendo esta função ao motorista.
E todos o privilégio de não ter que passar na roleta, para gestantes, portadores de deficiência, obesos, cadeirantes, etc, foram retirados. Mesmo assim há um certo conforto por nunca ter lotação esgotada nessa linha.
Faz tempo que uma senhora que tem dificuldades para andar, entra no ônibus já xingando o motorista. Ela não admite ter que passar pela roleta e caminhar, se equilibrando, até o final do ônibus para poder descer em seu ponto.
Já tem até apelido, "véia enguiçada". Maldade...
E hoje foi mais um dia em que ela adentrou ao coletivo e no primeiro degrau já começou a xingar, como se o motorista tivesse culpa. E mais uma vez ela repetiu que vai ligar e vai lá na empresa reclamar,
O problema é que ela fica atrás do motorista, tentando se equilibrar segurando no corrimão, xingando-o e reclamando da falta de humanidade com os idosos por terem tirado o cobrador e o privilégio de entrar e sair pela porta da frente. Isso até chegar ao seu ponto, que não passa de umas quatro quadras, menos de cinco minutos, ela espera o ônibus parar, e vai andando tranquilamente até o porta traseira para descer. Isso se não parar no meio do caminho e bater um papo com algum conhecido. E o motorista todo gentil, afinal é pessoa idosa e é passageira, então o bom senso diz que deve-se calar e esperar.
Que situação difícil! Creio eu que deve ser constrangedor chegar ao final da vida e reclamar de algo que não se pode mudar. A reclamação da senhora não vai modificar o funcionamento da linha do bairro, e nem ela terá privilégios além do que for estipulado pela empresa. Nem é tão complicado assim. Se ela entrasse e gentilmente o motorista esperasse ela passar o cartão, que tem passe grátis, e sentar-se (sempre há lugar vago), e só se levantar quando chegasse seu ponto, não causaria tanto estresse em todos.
Difícil chegar nessa idade e ainda ter que brigar por algum direito, mesmo que não há motivos para brigar. Não conheço essa senhora e nem sei de sua história, mas tem gente que gosta de complicar. Acha que tudo é no xingamento e no grito. Se ela disse que iria à empresa reclamar, por que ainda não foi? Ou então na rádio, naqueles programas sensacionalistas que a defenderia com certeza? Talvez o grande prazer que ela e muitos outros idosos têm é de se fazer presente e se sentirem capazes de lutar por algo que nem é luta. Ficam indignados por dificuldades que nem deveriam ter, nessa fase da vida, como ir e vir, de ter ou não ter, de ser ou não ser, de viver ou esperar a morte...
Todas as vezes que utilizei ônibus, nunca vi um idoso entrar e alguém não ceder-lhe o lugar para se sentar. O bom senso sempre está presente, pelo menos na linha que utilizo.
Boa semana a todos.
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domingo, 23 de novembro de 2014
Ser ou Estar Sozinha?
"Você é bonita, por que não arruma um namorado?" Esta é a frase que mais ouvi nos últimos 15 anos.
Gostaria que tivessem me perguntado se estava bem, se precisava de alguma coisa, não sei... Mas depois de tanto tempo chego à conclusão de que a vida se resume em relacionamentos. Assunto mais comentado em todos os lugares.
Existe a alma gêmea? O parceiro perfeito? Você seria a alma gêmea de alguém? O(a) parceiro(a) perfeito(a) pra alguém? Geralmente procuramos quem se encaixa melhor nas nossas exigências, mas nunca pensamos em nos encaixar da melhor maneira na vida de alguém. A velha mania de querer mudar o parceiro.
Pra quem ainda me faz essa pergunta, estou bem, estou sozinha, mas não solitária. Preciso dessa solidão pra me sentir bem. Se aparecer alguém, que seja bem-vindo e que acrescente e compartilhe vida comigo. Se não, tudo bem também. Isso não me causa sofrimento.
Não é fácil viver sozinha, tenho minhas carências, mas jamais colocaria minha felicidade e meu bem-estar nas mãos de uma pessoa. Isto é de minha competência e responsabilidade. Assim como não daria felicidade embrulhada num pacote a ninguém.
"Mas você não sai, não vai passear, não vê gente, não conhece gente nova, não faz amizades, não dança, não se entrosa, não conversa, não se diverte..." Gente indignada com minha vida...
Nunca fui de badalações e nem de frequentar lugares tumultuados, exceto os shows que eu ia. Tenho uma certa fobia social. Sou assim mesmo, caseira, tranquila, quieta, porém, minha mente faz todas as vezes de uma vida agitadíssima. Sou feliz assim, acreditem!
Com o tempo me descobri metódica. Não gosto de mudanças na minha casa, nem de bagunças e nem de nada que possa me estressar. Metódica e chata. E com isso não sei se conseguiria conviver com outra pessoa novamente. Por um tempo pode ser, mas a liberdade que tenho dificilmente seria capaz de compartilhar, ou perdê-la.
Isso é definitivo? Não! A única certeza é que tenho dias a menos de vida e esse dia pode ser hoje. Amanhã não sei. A maturidade às vezes castiga a gente. Tem o lado bom, o da sabedoria, da leveza, da tolerância, do conhecimento acumulado, dos valores que realmente valem a pena, enfim, velhice tem o lado bom. E o lado ruim é que é muito breve também. A vida é muito breve, em todas as suas fases.
Digamos que sei de minha vida, mas não sei do querer da vida dos outros. Sei o que quero e o que não quero, mas não tenho controle sobre as pessoas. Então não dá pra programar nada envolvendo outras pessoas, ainda mais as que ainda não conheço. Como programar começar namorar, casar etc? Procurando? Hmmmm, acho que não sei fazer isso não. Não mais. Deixa assim como está.
Ah, sim, já amei muito, poucos, mas muito. Tenho um amor eterno, antigo, bem lá do comecinho, que continuará sendo eterno, tenho um platônico que continuará sendo platônico, tenho um carnal, que ainda tenho esperanças, e tenho esperanças de um novo amor sim. Contraditório? É, pode ser. Mas confesso que tenho um pouco de preguiça... Preguiça de sofrer caso não dê certo. O último relacionamento é sempre o mais sofrido, o mais dolorido e o que nos faz repetir novamente que nunca mais, mas coração é traiçoeiro, tem vida própria, samba no peito da gente e teima em querer quem não se deve querer. Finca o amor na cabeça da gente e nem lavagem cerebral é capaz de tirar. A gente tenta ter os pés no chão, mas não adianta, o coração domina tudo! Não procuro, mas quem sabe alguém esteja procurando desesperadamente por mim em algum lugar do planeta? E perdeu o mapa? Então!
Depois de tantas besteiras, vamos pra última semana de novembro e logo dezembro, natal etc... Pra completar, não gosto das festas de fim de ano... Esquisita, eu.
Boa semana pra todos!
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quinta-feira, 14 de agosto de 2014
Vida e Morte, Morte em Vida
Uma semana difícil com tragédias sem sentido nenhum. Essa é a vida. Um dia aqui e outro acolá, num outro plano.
Difícil estar com uma pessoa num dia e no outro ela estar morta. Morre a família junto.
Mas vamos falar de vida e morte. O normal é nascermos, vivermos e morrermos, no seu tempo certo, de morte morrida e não de morte matada, ou provocada, ou acidentada ou fora do percurso natural da vida. Isso nos choca, nos deprime, nos causa infelicidade, agonia e nos faz pensar na vida em que levamos. E ficamos neste estado de abismo por alguns dias. Depois outras coisas acontecem, muda-se o foco e tudo volta como antes.
Muitos falam em aproveitar a vida. O que seria aproveitar a vida? Cada um sabe o que de melhor a vida pode lhe oferecer e o que pode ser aproveitado pra valer.
Mas o pior de tudo isso é a morte em vida. Gente que não vê mais graça em nada, que se fecha em seu mundo e morre... Gente que adoece com a certeza de não ter mais nenhuma volta, de que a partir dali é contagem regressiva pra dar adeus aos que ficam... Gente que não tem mais consciência e nem lembranças, gente que tem as lembranças roubadas por uma doença, que aos poucos lhe faz regredir e desaprender tudo o que aprendeu durante a vida saudável.
Hoje presenciei, no ônibus, um casal. Menos de sessenta anos cada um, creio eu. A mulher bem arrumada, bonita, com os cabelos presos num coque alto, roupa justa, mas não vulgar e o homem não aparentava ter nenhuma deficiência. O tempo todo ela tratava-o de "amor". Muito paciente segurava em sua mão, colocando-o sentado num banco vazio.
Eu já tinha visto este casal dias atrás. E o tratamento era o mesmo. Sempre "amor" pra cá e pra lá. E ele, obedecia seus comandos e permanecia quieto.
Outro dia eles entraram no ônibus e o homem estava irritado e não queria obedecê-la. Mas o carinho e cuidado continuavam o mesmo. "Amor" aqui e ali. Depois vi-a chorando e enxugando as lágrimas com o punho.
Hoje, ao entrarem no ônibus, como sempre o cuidado continuou, mas ele ficou agachado e não queria se levantar de jeito nenhum. Ela insistiu e repetiu várias vezes pra que ele se levantasse e se sentasse. Sentaram-se na minha frente. A mulher olhou pra mim, piscou e sorriu. Depois olhou de novo e comentou que ele tinha Alzheimer. Eu não soube o que dizer, então não disse nada. Ela conversava com ele como se fosse um garoto. Depois me olhou e disse que não era fácil não. E continuou conversando com o marido, perguntando se queria comer quando chegasse em casa. Ele dizia que não, que não gostava de comer. Ela, então, perguntou se queria sorvete. Ele disse que sim, que sorvete ele queria. Ela me olhou, piscou e sorriu de novo.
Perguntei-lhe, então, há quanto tempo ele estava assim. "Há dois anos, mas só descobri há um ano. Diagnosticaram como sendo depressão." Eu lamentei e continuei observando.
Não tive como não me colocar no lugar dele, sendo dependente de alguém depois de mais da metade da vida. Que triste! E que bom ele ter uma pessoa pra lhe cuidar. Tenho medo de ficar dependente de alguém por conta de alguma enfermidade. Sempre fui muito independente e não sei qual seria minha reação ter que esperar alguém fazer algo por mim. Parece egoísmo e deve ser mesmo, não sei.
Mas não me senti bem, tanto com essas mortes de pessoas que nem conheço, e com a lembrança de meu irmão que faz dois anos que faleceu e depois esse casal com o senhor totalmente dependente. Não foi fácil, não é fácil, mas é a vida, ou a morte, ou a morte em vida...
Bom fim de semana pra todos.

sexta-feira, 23 de maio de 2014
Eu Sei Quem Você É
Artur, depois de um dia agitado com cuidados com Maria da Graça, deitou-se e logo a mulher abraçou-o. Sabia que esse era um gesto involuntário, talvez um costume de mais de cinquenta anos de uma união de amor, respeito e cuidados um com o outro.
Um dia, conversando com a mulher, notou que ela estava estranha, que esquecia as coisas e que não conseguia achar o caminho da cozinha para o quarto, deixando-a agoniada. Levou-a ao médico e o diagnóstico foi preciso: Mal de Alzheimer. Naquele dia não tinha ideia do que seria e do que viria pela frente, mas prometeu, em pensamento, mais uma vez, cuidar da mulher até seus últimos dias.
Com o passar do tempo, mesmo medicada, Maria da Graça foi piorando, se esquecendo, se lembrando de outras coisas do passado e chegou o dia em que não se lembrou de Artur. Ficava se escondendo dele atrás das portas ou então dentro do banheiro. Sorte que ele, por precaução, tirou todas as chaves das portas deixando apenas a porta da frente que dava para a rua trancada e com a chave em seu bolso. Sempre.
Seus quatro filhos, todos homens, ajudavam no que fosse preciso, mas tinham suas vidas e seus problemas. Artur já estava aposentado e tinha todo o tempo para cuidar e vigiar Maria da Graça.
Mesmo ela não se lembrando de nada, tratava-a com todo o amor de sempre, com toda a paciência e carinho. E quando ela ficava sentada olhando para o nada, ele se sentava ao seu lado e contava histórias de um passado que ela agora desconhecia, mas que ele fazia questão de se lembrar sempre.
Como no dia em que chegou em casa e seu filho mais velho já havia nascido com a ajuda de uma parteira, amiga de uma vizinha. Se assustou quando entrou no quarto e viu a mulher com o bebê nos braços a lhe sorrir. "Olha, bem, é homem!", dizia, com um sorriso lindo e olhos brilhantes por poder presentear o marido com um menino-homem. Rafael. Um bebê rechonchudo e chorão, faminto e inquieto. Artur se acabou em lágrimas ao ver a bravura da mulher que escondeu as dores durante o dia inteiro só para não perturbá-lo no trabalho. Ela que preparou tudo, desde as roupinhas que colocaria no filho até a bacia com água, a tesoura e os lençóis branquíssimos para poder acolher o recém-chegado à vida.
Enquanto contava essa lembrança, Maria da Graça ficava olhando o céu, os pássaros e apontava para eles, sorrindo. Depois olhava para Artur e dizia para que ele saísse de perto dela, que não o conhecia e queria que chamasse sua mãe Albertina. Artur pegava sua mão enrugada, acariciava e dizia que Albertina já estava vindo e que enquanto isso ele faria companhia para ela. Maria da Graça continuava a olhar os pássaros e a falar coisas desconexas, confusas e a rir sozinha.
Os filhos até sugeriram que Artur internasse Maria da Graça em uma clínica especializada, com enfermeiras em tempo integral e médicos todos os dias. Artur não aceitou, pois ele era o marido e seria ele quem cuidaria da mulher. Ela não o conhecia mais, mas ele sabia quem era aquela mulher. E assim foi feito.
Nesse dia em que se deitou e Maria da Graça o abraçou, dormindo, ele ficou olhando para aquela pessoa tão indefesa e se lembrou de todos os cuidados que ela sempre teve com ele. Nunca lhe faltara nada, nunca discutiu nem contrariou-o. Não porque o obedecia, mas porque se entendiam até com os olhares, com os pensamentos. O que um queria, o outro concordava prontamente, sem discussão.
E assim seria até que chegasse a hora da partida. Até que Maria da Graça fosse conhecer uma outra vida, ao lado da mãe que tanto chamava, dona Albertina. E esse dia, com certeza, levaria o coração de Artur que ainda ficaria por aqui esperando sua vez de dar adeus e ir ao encontro da amada numa outra vida, quem sabe...
Fim.
Texto publicado em 20 de maio de 2013

segunda-feira, 24 de março de 2014
Inútil
Antes de voltar para casa, Agnaldo parou na orla da praia e se sentou para apreciar a calmaria do mar. A partir de então essa seria sua vida, uma calmaria. Até semana passada era ativo, mas agora mudara na classificação das estatísticas, de empregado para aposentado. Bem, aposentado já era fazia dois anos, mas aposentado desempregado era a sensação de alívio mais medonha que havia sentido em sua vida.
E agora?
Ir para casa e esperar por alguma coisa. Será que se procurasse um novo trabalho conseguiria? Tinha boa saúde, sanidade perfeita, disposição e capacidade. Disso não tinha a menor dúvida, de ser capaz de cumprir oito horas de trabalho e dar conta do recado, como sempre deu. Era inteligente e sabia o defeito das grandes máquinas só de ouvi-las em funcionamento.
Mas existem os engenheiros... Esses que recém-formados invadiram o mercado de trabalho e mudaram toda a rotina da maioria das empresas. Eles tinham o diploma e a teoria, mas Agnaldo tinha o conhecimento de mais de quarenta anos. Como é que podem dispensar um profissional tão qualificado e que nunca dera motivo para reclamação? E não era só com as máquinas grandes não. O que precisassem era só chamar o Agnaldo para dar um jeito. Mesmo que tivesse que estender seu horário de almoço ou de seu expediente, fazia com prazer. As máquinas eram sua rotina, sua vida, sua mente trabalhando a todo vapor para que nada desse errado durante seu funcionamento. Era respeitado e querido por todos.
Mas chegou a hora de não ter mais preocupações, de não ter que seguir horários rígidos e nem de queimar neurônios com preocupações que não fariam mais parte de sua rotina. Um vazio imenso invadiu seu peito, acelerando seu coração. Estava aliviado de ter cumprido seu dever, de ter sido reconhecido como um operário padrão, de ter feito muitos amigos e ter batizado vários filhos de funcionários. Só não acompanhava mais a turma para uma caipirinha ou cerveja. Sua mulher não gostava e com o tempo achou melhor não brigar com a patroa por pequenas coisas. Beberia em casa, sozinho.
Andando nas areias avistou um rapaz que carregava uma criança nos ombros. Em pleno dia útil tem gente que não faz nada, não produz, pensava Agnaldo. Mas o que teria ele a ver com a vida do cidadão e seu pequeno filho? Talvez estivesse de férias, ou então desempregado, como ele, pensava. Uma lágrima rolou pelo rosto e caiu em seu peito, marcando a camisa. Uma bolinha molhada para carimbar que ainda tinha sentimentos e nesse momento não sabia o que fazer. E agora, perguntava em voz alta?
Como chegaria em casa e avisaria a mulher, companheira de uma vida, que teriam que reduzir os gastos, pois somente a aposentadoria seria seu meio de sobrevivência. No acerto de contas recebeu uma bonificação que certamente iria para a poupança, mas sabia que não duraria por muito tempo.
Olhou a sua volta e viu dois senhores sentados num outro banco, conversando. Mais velhos que ele, vestiam shorts e camiseta cavada. Tênis e um boné para esconder a calvície, adivinhava ele, que também era calvo. Sol forte na careca arde! E riu dos senhores e de si mesmo. Quem sabe semana que vem não se juntaria a eles para uma caminhada no calçadão? Agora poderia escolher o que fazer para matar o tempo. O ócio assustava-o profundamente.
Amanhã não precisaria mais acordar antes do despertador para desligá-lo e não acordar a mulher, não precisaria coar o café e se trocar em silêncio, e nem esperar pela condução lotada. Que alívio, suspirou... Andaria de ônibus só quando não fosse horário de pico. Não precisaria limpar as mãos sujas de graxa com querosene e nem levar o jaleco encardido para sua mulher ferver e tentar tirar o máximo da sujeira enraizada por anos e anos de trabalho. Olhou suas mãos e gostou de saber que ficariam mais lisas e suas unhas voltariam a ficar limpas. Os calos permaneceriam, pois sabia que não seria possível removê-los. Seriam o troféu, uma doce lembrança de uma fase que terminara. Tão rápido! Ainda ontem se lembrava do dia em que começara na empresa. Moleque ainda e fazia os pequenos serviços. E desde aquela época já era um curioso, um autodidata das engrenagens das máquinas. Olhava, olhava, fuçava, perguntava, até que um dia conseguiu consertar uma máquina que já tinham dado por inutilizada. Foi promovido e seu salário aumentado. Dali em diante tudo melhorou e Agnaldo se descobriu um apaixonado pelas máquinas.
Quem será que o substituirá? Será que tinham alguém escondido só esperando que ele pegasse suas coisas e saísse? Seria um jovem como ele fora quando começara a trabalhar lá?
Um casal de idosos caminhava tranquilamente na beira da praia molhando os pés. Ela, bem encurvada devido a algum problema na coluna, segurava a mão do marido, que carinhosamente a apoiava. Agnaldo se imaginou naquela situação, com sua velha companheira de uma vida inteira. Antes se ouvisse a expressão "daqui a dez anos" achava tão longe, mas hoje olhando para trás e vendo que dez anos passou tão rápido e que os próximos dez anos passariam mais rápido ainda. Como tudo passa rápido quando se está trabalhando no que se gosta! E como o tempo para quando estamos em total ócio! Pensava, olhando o casal de idosos sumirem no meio da pequena multidão que estava logo à frente.
Estava decidido, pegaria sua velha e passearia com ela, em todos os lugares que tivessem vontade. Usaria o dinheiro da bonificação para passeios e futilidades. Comeriam em restaurante e viajariam em excursões. Conheceriam Ouro Preto e Caldas Novas e depois Gramado e Canela, no inverno. Queria ver a neve antes de morrer. São Joaquim era a cidade do sul que costumava nevar. Mas antes trocaria o sofá e a geladeira. Compraria uma churrasqueira e faria um almoço especial para comemorar uma etapa que terminava. Com sucesso, com louvor, com orgulho de ter aprendido tudo sozinho e com competência para ter trabalhado numa única empresa desde quando era moleque. Apenas um registro na carteira de trabalho, várias promoções, vários aumentos de salário... Compraria presentes para os netos e brincaria com eles. Agora sim, tinham um vovô em tempo integral, um marido mais companheiro que nunca e um pai que ainda dava conselhos e puxava as orelhas caso soubesse de algo errado. Pronto, acabou!
Chegando em casa, abriu a porta e Imaculada, sua companheira amada, lhe esperava com o costumeiro sorriso. Não suportou e abraçou-a... E chorou... Soluçou... Longamente, demoradamente...
A partir daquele dia seria um dia a menos de vida e uma certeza a mais de que a qualquer momento não mais estaria abraçando sua velha, sua amada... A qualquer momento largaria tudo e iria viver em um outro plano, não conhecido, e seria somente uma foto antiga na parede da sala que lembraria que naquela casa morou um homem batalhador, inteligente, honesto, que aprendeu a desvendar os segredos das engrenagens das máquinas, mas que o tempo não perdoou e colocou fim a sua existência.
Fim.
E olha só a surpresa que temos, uma intromissão maravilhosa para seu Agnaldo, que vem lá da Chica, com toda a sabedoria que ela tem, pra acudir um senhor, assim como tantos outros, que num momento se sentiu perdido, jogado de lado, depois de anos e anos servindo da melhor forma possível.
Aí está, sr. Agnaldo, leia, se emocione e viva! Ainda existe muito o que fazer por aqui!
Chica, obrigada, querida! Se intrometa sempre que quiser!
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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
VenceDora
Dona Beatriz, que Deus a tenha, acertou em cheio na escolha do nome da filha. Dora, de venceDora. É a palavra ideal para definir essa mulher nos seus últimos tempos.
O tempo passa e a hora de partir vai ficando mais próxima... Um dia a menos de vida, uma lágrima que nem escorre mais, uma dor num lugar que nem se imaginava existir... Mas a dor maior é a da solidão do fim dos tempos. Dói... Como um canivete cego que tenta cortar uma carne mole e não consegue... Para lá e para cá, forçando e apertando até abrir uma fissura que não sangra e que linha e agulha não costuram. Fica exposta, ao tempo, até definhar de vez.
Ainda tem boa saúde, sua visão é de uma jovem e só usa óculos para ler as letras miúdas. Sua mente guarda coisas que nem o mais potente computador se lembraria, e é lucida. Que orgulho que Dora tinha de sua lucidez!
Aos poucos e em doses homeopáticas presenciou a partida de gente querida... Primeiro seu pai, depois sua mãe, que teve todo o carinho de Dora até os últimos momentos. Solteirona assumida, mas não por vontade própria. Apenas ficou esperando um homem especial que se esqueceu de aparecer na sua vida. Ainda hoje quando sai por aí e se encontra com algum amigo dos bons tempos fica imaginando se não seria ele sua alma gêmea. Combinavam tanto... E não passou de uns olhares mais penetrantes. Logo se casou com outra e hoje tem uma penca de netos.
Dora continuou cuidando, amparando, curando, ouvindo... E o tempo passou. Sem filhos, com sobrinhos todos encaminhados por aí e sobrinhos-netos sem paciência para responder as perguntas da tia solteirona que fica apertando suas bochechas. Uma linda idosa que não tem para quem contar as várias histórias de sabedoria que todos idosos têm. Quem sabe ainda dê tempo para escrever num caderno tudo o que achar importante, e num dia qualquer, depois de sua morte, algum curioso antes de doar seus pertences abra o caderno e se encante, pelo menos com a caligrafia desenhada. Seria demais imaginar um livro sobre sua vida. Todos têm um livro embutido chamado vida. O de Dora é mais um que logo ficaria eternizado numa estante, perdido em alguma casa de algum parente.
Seus olhos azuis eram expressivos, penetrantes, instigantes. Contam as más línguas que Dora tinha o dom de ler os pensamentos. Bastava olhar fundo e ela descobria algum segredo que ninguém imaginava. Às vezes descobria até o que estava para acontecer. Os longos cílios deitavam em suas bochechas quando fechava os olhos. Os cabelos grisalhos se encaixavam harmoniosamente em cachos minúsculos, como se fossem moldados todas as manhãs. As rugas de expressão denunciavam dia após dia que a contagem regressiva caminhava a passos ligeiros. Até hoje perguntavam porque não casara. Porque não, respondia. Já se achava no direito de não dar explicações de nada sobre sua vida. Já estava no fim e quem quisesse saber que perguntasse para os mais velhos.
Num sábado nublado, Dora acordou e não quis se levantar. A cama quente e a luz fraca do abajur eram seu aconchego. A cortina florida balançava suavemente com a brisa que entrava pelas frestas da janela. Nem quis saber que horas eram, queria ficar quietinha e conversar com Deus. Um monólogo torturante de quem não suportava mais ouvir a própria voz e nem ver a própria imagem no espelho. Esperar mais o quê, meu Deus do céu? Já cumpri minhas obrigações por aqui cuidando de irmão mais novo, de pai e de mãe, então que me leve logo para um outro lugar, onde não sinta tanta dor na alma como sinto neste quarto, nesta casa... Indagava a Deus e nem uma lágrima se atrevia a escorregar pelo rosto.
Ficava imaginando fechar os olhos, dar um último suspiro e aos poucos o corpo ir padecendo, órgão por órgão, até o último cessar. O coração. Este que já suportou tantas dores de desaforos, tanta discriminação por simplesmente não ter gerado vidas em seu ventre, tanto descaso por ser uma idosa... Outro dia ouviu sem querer de uma sobrinha adolescente que gente ruim também envelhece e que nem todos velhinhos são bonzinhos. Será que falava dela? Preferiu nem saber. Se afastou sem fazer barulho e foi se sentar no alpendre da velha casa de seus pais que agora era sua. Não por direito pois sabia que esperavam sua morte para fazerem a partilha. Olhava as samambaias, penduradas na parede, com as folhas que caiam como cascata até encostarem no chão, verdinhas, sem nenhuma folha seca que lhe tirasse o frescor. Quem aguaria suas plantas quando ela se fosse?
Um estorvo. Não dependia de ninguém e exatamente por esse motivo não a enfiaram num asilo. Se morresse naquele minuto talvez, quando dessem por sua falta, já estaria em estado de putrefação. Quem sentiria sua falta?
Ainda deitada ouviu o relógio da sala tocar dez badaladas. A campainha tocou e Dora ficou se perguntando quem seria naquela hora? Ninguém batia em sua porta. Pela curiosidade pediu licença a Deus, colocou um robe e foi ver quem era. Um vendedor de pamonha, quentinha e com queijo! Ah, mas que delícia comer pamonha e morrer! Chegaria satisfeita nos céus. Quantas vezes ralou os dedos junto com as espigas para fazer pamonhas, numa das muitas reuniões de família! Comprou quatro. Duas comeria agora e as outras duas à tarde. E se morresse depois de comer duas como havia programado? Bem, se chegassem a tempo poderiam comer as outras duas.
No caminho da rua até a cozinha parou na sala e ligou a TV como sempre fazia pela manhã. Quando se deu conta estava sentada no sofá com o prato com as pamonhas, comendo tranquilamente e assistindo ao seu programa favorito. Riu e olhando para o teto conversou com Deus:
- Mas o Senhor é porreta mesmo, heim, meu Pai? Eu queria morrer, lembra? E olha o que o senhor coloca na minha frente: pamonhas! Tá bom, depois conversamos sobre uma outra data para eu morrer.
Fim.
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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Quase 19
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Imagem Google |
Esta semana morreu meu cachorro idoso... Quase dezenove anos. Dezoito e oito meses, pra ser mais exata.
A imagem é do Google mas é como se eu estivesse vendo ele, todo engravatado, quando tomava banho e aparava os pelos.
Um companheiro de uma vida inteira, mesmo nos meus momentos mais difíceis... Sim, ele estava segurando minhas pontas naquela fase ruim, nas tristezas, falta de paciência, falta de dar atenção... Mas sempre estava no meu pé, ao meu lado, onde eu estivesse.
Minha avó falava que é bom ter animais pois eles têm o dom de puxar pra si os fluídos negativos. São como pára-raios e nos protegem, como anjos.
Se eu fosse dar ouvidos a todos que vinham na minha casa e ficavam sabendo de sua idade, eu já o teria "matado" há uns cinco anos. Não teria coragem de jeito nenhum!
Ele não adoeceu... Viveu bem, nos seus limites, até o fim. Morreu deitado perto de sua casinha, de sua água e sua ração. Estava cego, surdo e sem olfato. Mas se nós estivéssemos por perto ele ia tateando com o focinho até esbarrar nas nossas pernas, abanava o cotoquinho do rabinho e ficava por ali. De uns anos pra cá reservei um lugar fechado pra ele. Não um lugar pequeno, mas que dava pra ele andar e saber onde estavam suas coisas. E sabia! Só no último mês é que deixei meus outros cachorros ficarem mais perto dele. O portão ficava aberto e iam e vinham, menos ele que não achava o portão, então ficava sempre no seu espaço. Os outros queriam brincar com ele, pulando em sua cabeça e ele, irritado, não enxergando nada e não sabendo de quem se tratava, ficava rosnando. Depois se acostumou e nem dava mais bola pros outros, os pentelhos arteiros da casa.
Na manhã em que ele não conseguiu mais se levantar, assim que me levantei, os outros já me avisaram. Olharam pra mim, latiram e foram correndo lá no fundo, no espaço dele, cheiraram ele e latiram pra mim como se estivessem me avisando. Foi de cortar o coração... E na manhã seguinte ele já não estava mais vivo...
O nome dele? Caco Antibes!
Meu protetor!

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
A Praça
Esses dias tenho ficado sentada no banco da praça, observando tudo. Quer dizer, fico sentada e não consigo ser indiferente às coisas que acontecem a minha volta. Poderia ler um livro, mas não conseguiria me concentrar com tanto movimento me chamando a atenção.
Na praça central de minha cidade, que por sinal é linda, tem uma concha acústica que vez ou outra a Banda Marcial dá um espetáculo, aos domingos. Domingo é dia de dar voltas na praça, andar de trenzinho, ir à missa, comer churros e comprar aquelas bolonas gigantes. Tem também as bexigas voadoras que as crianças sempre deixam escapar só para ver a altura que ela alcança. Depois choram, lamentando ter perdido a magia de segurar algo que voa lá em cima....
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Praça de Franca e a concha acústica ao fundo. |
Bem, voltando à praça, nessa concha acústica, todos os dias no mesmo horário, uma senhora canta para quem quiser ouvir, várias músicas. Não dá para decifrar qual música, mas acho que é sertaneja, caipira, das antigas. E ela fica num entusiasmo, canta, levantando as mãos, fazendo firulas com a voz, com seu microfone que dá eco até o bairro mais distante do centro da cidade. Nunca vi ninguém reclamar dela. Canta feliz e não ganha aplausos. Apenas os pombinhos lhe proporcionam uma revoada, cada vez que ela solta um grave mais alto, ou um agudo que dá microfonia, acho que de propósito, só para ser olhada e, quem sabe, admirada... Ou aplaudida...
Hoje ela estava com um violão, mas mal dava para ouvir a melodia dedilhada. Apenas sua voz, ora em falsete, ora num grave como se estivesse dando bronca em alguém. Mas feliz. Como sempre, feliz!
Um picolezeiro, aproveitando a sombra das árvores, se sentou num dos bancos, do lado do que eu estava, e começou a filosofar: "É, ela é que é feliz... Canta, não liga pra ninguém, não dá bola se não a escutam... Apenas canta e é feliz. Enquanto muita gente amarga fica sofrendo com besteiras, ficam doentes por coisa à toa, a senhora espanta os males e canta... Queria ter a coragem dela e subir lá e cantar também...". Eu apenas acenei com a cabeça e continuei a observar a movimentação.
Depois o picolezeiro se foi e eu também me fui, cuidar da vida.
Como é interessante o ser humano, cada um cada um, cada um uma coragem, cada um nos enxergando de um jeito, cada um cumprindo suas obrigações da melhor forma possível. Enquanto isso, a senhora da concha acústica dá seu show, para quem quiser ouvir.... E aplaudir.
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segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Meus Quarenta e Poucos
Quase meio século. 48. Aí estou eu olhando para o espelho, procurando uma nova ruga ou um novo fio de cabelo branco. E sempre encontro algo novo que ficará até meus últimos dias. Daqui para frente será assim... Mudanças e mais mudanças.
Quando estamos jovens não reparamos tanto nas mudanças, mas bastou completar os 40 e tudo fica mais claro. As doenças corriqueiras se mostram, as consultas médicas são mais frequentes, enfim, o começo de ter consciência de que cuidar da saúde é muito importante.
Não tenho problemas com a idade, é só a carcaça que tem 48, mas a mente, deixa eu ver, acho que uns 30 no máximo. Não queria voltar no tempo não, com a cabeça de hoje, como muitos dizem. Voltar no tempo com a cabeça de 50 seria insuportável! Cada idade sua fase, seu encanto, seu aprendizado. Não passamos por situações por acaso ou por culpa nossa, mas porque temos que passar. Coisas de Deus que nos cuida como todo pai zeloso e amoroso. Ele nos quer bem, mas nem por isso vai passar a mão na nossa cabeça e aceitar tudo o que queremos ou fazemos. Para isso temos esse tempo de vida, para aprender e para se perdoar pelas burradas cometidas e impensadas. E se na maturidade temos essa consciência, o ensinamento foi bem feito.
Agora, perto dos 50, gente, quase meio século, o que mudou? Acho que nada! Continuo cuidando da saúde, me olhando no espelho, vendo coisas novas velhas aparecendo e a vida continua.
Antes comemorava os aniversários como mais um ano de vida, agora, um ano a menos. A certeza de que a morte pode estar perto ou não é mais frequente. Tenho a sensação de que nem tudo posso e nem tudo consigo. Tenho limitações físicas e isso me deixa frustrada.
Tantas coisas novas, tanta tecnologia, tanto que eu gostaria de fazer e não dá por não ser uma jovenzinha imortal. É uma ilusão, mas se quisesse, dá para fazer, com limitações. Eu é que sou impaciente, rápida, atropelo tudo pelo caminho. A tranquilidade é uma das coisas que tenho ainda que aprender, a fazer uma coisa de cada vez, com calma (calma?), com cuidado... Difícil, mas eu chego lá.
Muitas atitudes que tinha antes, sumiram. Opiniões mudaram e, apesar de um grau elevado de miopia, passei a enxergar melhor agora. As pessoas são como são e ninguém tem o direito de mudá-las. Pensando assim o respeito ao próximo é maior e as discussões bobas que antes eu fazia questão de ter, se tornaram insignificantes. Hoje eu prefiro ter paz do que ter razão.
Perder tempo numa fase dessa? Não dá! Realmente a vida é muito curta e beirando os 50 tenho a impressão de que não vai dar tempo de fazer tudo o que quero. Ideais não mais existem como antes, sonhos ainda sobrevivem, mas mudam de acordo com o agora, porque pensar no amanhã é frustrante.
Quanto tempo será que ainda tenho? Que bom que não sei... Então viver o hoje, ser feliz hoje, sorrir hoje, fazer o que quero hoje, com a incerteza de que amanhã talvez não exista, é bem melhor!
E o bom humor? Ah, esse se tornou um constante em mim. Sempre e sempre. Já ouviram falar que "idosos" têm a vantagem de falarem o que querem? Tá certo que não sou idosa, mas sou uma pré-idosa. E continuo falando pelos cotovelos, viajando na maionese, pensando na morte da bezerra... Mas rindo de mim mesma, sem constrangimento. Me aceito mais como sou e não me importo nem um pouco o que pensam ou falam de mim. Eu me conheço e isso me basta.
Daqui há 2 anos acho que não terei muitas mudanças. Eu queria ter sim, porque vidas sem mudanças acabam em rotinas. Rotinas são boas, mas rotinas de conforto são péssimas! Não mudar por não mais ter idade, ou não mudar por preguiça de começar de novo é morte em vida!
Uma das alegrias dos quase 50 é ver os filhos crescidos, saudáveis, bom caráter e em sintonia comigo. Adoro me divertir com eles, falar besteiras, discutir, ouvir, ouvir, ouvir... Conhecer os amigos... Mas não deixar de ser mãe.
Daqui a pouco vem os netos e aí, meu Deus, me ajude! Vão ter uma avó palhaça, que não sabe fazer bolo e que cozinha muito mal! Não basta meus filhos serem cobaias e depois os netos!
Coisas da vida. Enquanto estou por aqui, que venham as rugas de tanto rir, que venham os cabelos brancos para iluminar minhas ideias, que venham os ataques de pelanca de tantas besteiras ditas, enfim, que a vida seja vivida ao extremo enquanto a tenho.
É isso.

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