quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Matilde


      Quando o sol invadiu as frestas da janela do quarto de Matilde, José Bernardo já estava a dar-lhe um beijo na testa, pronto para sair para o trabalho. Ela abriu apenas um olho, balbuciou um bom dia e virou-se para o outro lado. Ainda tinha um bom tempo de sono, como era de costume. Era o sono da beleza, como dizia para as amigas. Queria dormir mais um pouco para estar bem disposta ao anoitecer.

      Sábado, dia de fazer faxina e de levar as crianças para a casa da avó. José Bernardo, como proprietário de um supermercado, trabalhava até tarde, mas quando chegava em casa a festinha particular era a garantia de uma ótima noite.

      Quando se conheceram foi amor à primeira vista. Ela, muito linda e com uma cinturinha de pilão de fazer inveja, conquistou de vez aquele rapaz empreendedor que desde novo já comandava um pequeno mercado. Hoje transformou o pequeno mercado num supermercado, grande o suficiente para dar uma vida confortável à família.

      As filhas estudavam em colégio particular, o melhor da cidade, e também faziam inglês, balé e natação. Matilde ficava por conta da casa. Gostava desse ofício e tinha orgulho de dizer que sua profissão era "do lar". Gostava de arrumar, lavar, passar, cozinhar, cuidar... Tinha prazer quando chegava alguma visita e elogiava o capricho e o perfume que sempre deixava a casa. Apesar de ser formada em Serviço Social optou por não seguir carreira. Tinha marido e era feliz. Isso lhe bastava.

      Especialmente no sábado ela caprichava um pouco mais. Margaridas naturais na mesa da sala e rosas vermelhas no quarto para perfumar a noite.

      Ah, as noites de sábado... Tão esperadas e tão especiais, desde que se casaram.

      José Bernardo era sisudo, ranzinza e mal humorado. Mas no sábado se transformava num "sex machine". Esse detalhe ela não contava para ninguém! Contar sobre sua vida íntima para as amigas só provocaria a curiosidade e não queria correr o risco de alguma mais afoita querer saber e provar se era mesmo verdade o que ela dizia. Só ouvia o que as amigas contavam dos maridos, ficava horrorizada e se calava quando chegava sua vez de entregar o ouro. Às vezes contava que sempre era a mesma coisa, o básico do básico, papai-e-mamãe e depois o marido virava para o lado e já roncava num sono profundo. É claro que elas ficavam inconformadas, mas Matilde dizia que estava bem assim, pois não gostava muito de sexo.

      No começo da noite as filhas já estavam prontas com suas mochilas e felizes por irem passar um dia na casa da vovó. Matilde, ansiosa, esperava a noite de sábado. Ah, o sábado!

      De volta, Matilde se enfiou debaixo da ducha e ficou por horas se preparando. Serviço completo com esfoliação, depilação e por fim um óleo bifásico espalhado pelo corpo. Pele macia, cheirosa, era o que o amor adorava. Depois colocou uma lingerie preta, com sutiã estruturado, todo rendando, fazendo conjunto com uma calcinha minúscula fio dental e por cima um robe preto transparente, de tecido fino e delicado. Os cabelos, apesar de curtos, eram ajeitados com um mousse e na nuca, nos punhos e atrás dos joelhos apenas umas gotinhas de um perfume francês que ganhara de presente de aniversário. Suave, discreto, mas que fazia presença quando José Bernardo encostava o nariz tentando tirar todo o cheiro do corpo da mulher amada.

      A cama tinha todo o capricho com um lençol branco de cetim, muitos travesseiros, todos com fronhas brancas bordadas delicadamente de vermelho. Tudo para combinar com as rosas vermelhas que já perfumavam o ambiente.

      Matilde ouve tocar a campainha. Mas quem seria? Será que o marido esqueceu as chaves? Correu para o interfone e perguntou quem era. Só faltava ser visita em pleno sábado. No sábado não! O sábado era só dela e do marido! A desculpa que sempre dava era que José chegava muito cansado e só queria cama. Por sorte era apenas um entregador com uma encomenda do marido. Voltou e colocou um vestido por cima de sua produção sensual para atender a porta. Um sorriso safado lhe estampou o rosto quando viu que era uma cesta de vinhos e queijos com duas taças de cristal, uma tábua com vários tipos de queijos, todos cortados como se fossem biscoitinhos e um vinho tinto, português, que ela adorava!

      Olhou no relógio e viu que o marido já estava quase chegando. Se sentou na cama e começou a ler um livro. Adormeceu. Acordou assustada com o barulho do carro entrando na garagem. Finalmente José Bernardo já estaria em seus braços levando-a ao delírio secreto.

      Ele entrou, colocou o casaco e a pasta em cima do sofá e foi direto para o quarto. Matilde estava ansiosa pois a primeira olhava que ele lhe dava dizia tudo! Era excitante ver seu homem sentir desejo por aquele corpo não tão jovem. E foi o que fez. Ele entrou, olhou para a mulher, mordeu o lábio inferior e começou a tirar a roupa. Depois se jogou em cima dela e começou a devorá-la num sexo suave seguido de um selvagem. Sem preliminares naquele dia.

      Mais uma vez ela sentiu seu perfume e percebeu que ele já havia tomado banho. O cheiro do sabonete barato não encobria o hálito azedo de bebida que exalava de sua boca fazendo com que ela virasse o rosto para o lado disfarçando sua ânsia de ter que tolerar um provável beijo nojento. Enquanto ele se fartava, Matilde discretamente percebeu um chupão em seu pescoço. E mais abaixo, na costas, um arranhado discreto. Continuou o sexo, sem sentir prazer. Era a hora de fingir que o sábado era realmente especial para ela. Ele, por sua vez, caprichava como podia, pensando que era o homem da vida de Matilde. E ela, fingia, sem sentir orgasmo, pensando que era apenas uma dona de casa na vida de José Bernardo.

      Depois de alguns minutos ele sai de cima da mulher, vira para o lado e já está praticamente dormindo, roncando, como um porco gordo e nojento. Matilde fica olhando para o marido sem entender porque ele fazia isso com ela. Era boa esposa, carinhosa, educada, prendada, ótima mãe e fazia todos os gostos dele. Não brigava, não discutia e sempre obedecia. O que mais um homem poderia querer de uma mulher?

      Bem, pelo menos ela tinha casa, família, filhas lindas, marido que a sustentava e sexo no sábado. O que mais ela poderia querer de um homem?

      Matilde, conformada com a vida, abriu o vinho, brindou com a outra taça vazia e se deliciou com os queijos. Qual seria a surpresa que ele lhe faria no próximo sábado? Deitou, zonza, depois de beber toda a garrafa e adormeceu.

      Fim.

36 comentários:

  1. Que burra essa Matilde!!! Como pode se conformar com um mastodonte porco que faz sua tarefa uma vez por semana e antes vai ao encontro de outras mulheres que não são como ele: fazem de tudo e não o simples feijão com arroz.

    Que nojo me deu desse homem e vontade de abrir os olhos da idiota Matilde!! Anta de verdade aceitando isso. Tomara no outro sábado, ela esteja cansada e não lhe dê chances, após ter lhe dado uns bons chifres,rs


    Lindo conto! bjs,tudo de bom,chica

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. kkkkkkkkkkkkkkkkkk Chica, sua linda!
      Brigar com o texto, adoro isso e também sempre faço!

      Ela vai abrir os olhos sim... e vai plantar vários chifres na cabeça do cidadão nojento!!!

      Beijos, gaúcha!

      Excluir
  2. Oi Clara
    Conto triste, mas uma realidade que já foi muito presente na vida de muitas e que hoje algumas mulheres ainda vivam. Estamos em sintonia, pois hoje meu post [e sobre mulheres.
    bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. No tempo de minha mãe ainda era assim. As mulheres não tinham muita opção de se sustentarem, mas ainda hoje existem muitas Matildes por aí, Norma.

      Beijos

      Excluir
  3. Oi Clara,o que mais acontece,são esses tipos de marido.
    Enquanto á esposa está em casa fazendo de tudo para ser uma ótima mulher! Ele está se divertindo com as fácil que encontra á cada esquina.
    Você nos mostrou á realidade da vida!!
    Belo texto,adoei.
    Beijinhos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, mas se ela aceita, por que ele haveria de mudar, né? Pra ele está tudo bom, perfeito! Cabe a ela dar um grito e se impor mais... eu acho!

      Beijos!

      Excluir
  4. Não entendi nada, viu????

    :p

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. hehehehehehehe
      Claro que não entendeu, vc é uma excessão, KK... adoro!
      Beijos

      Excluir
  5. Qtas Matildes da vida!
    Agradeço a Deus por me livrar de ser mais uma rs...
    Ótimo texto!!!
    Bjooo...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu também... se bem que nunca me senti Matilde.... rsrsrsr

      Beijos, querida!

      Excluir
  6. Pura realidade!
    Por aí está cheio de Matildes, mas o melhor quando elas tomam uma atitude em seu próprio bem.
    Clarinha, como é bom te ler.
    Esse texto li num fôlego só!!!
    Xeros

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, bom seria se a mulher nunca fosse dependente de marido... mas a realidade é outra, infelizmente!
      Beijos, e xeros,menina!

      Excluir
  7. Olá! Infelizmente não podemos ter tudo na vida, não é! Gostei do conto, abração!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Podemos ter o que for bom pra gente... mas no caso de Matilde, se contentou com a vida pacata e com conforto, sem brigas e sem correr o risco do castelo desmoronar...triste, né?
      Abraços, amigo!

      Excluir
  8. Matilde é uma mulher do lar que ama seu maridos e filhos, não mal nisso.
    Mas ela pode dá um ultimato pra seu marido melhorar na intimidade. O diálogo é o caminho.
    Conto da vida real...gosto disso!
    Beijão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, sempre o diálogo, mas o medo às vezes é maior e então a mulher se cala, preservando a família, os filhos... se anula em nome de todos!
      Beijos

      Excluir
  9. Do riso à raiva... Um conto real. Muito bom!
    Beijo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Ana, muitas Matildes por esse mundo afora, infelizmente!
      Beijos

      Excluir
  10. hum, sei não, acho que ainda há muitas Matildes nesta vida. lindo, uma linquagem simples e que flui tornando a leitura deliciosa. bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Jeanne, bem-vinda!

      Obrigada, querida, logo mais estarei conhecendo o seu blog... aguarde que eu vou!
      Beijos

      Excluir
  11. Creio que deveria haver um diálogo carinhoso com o marido, porém com franqueza para tentar melhorar ...
    Beijos.


    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O correto seria esse diálogo mesmo, Élys, mas existem mulheres que ficam com medo de encarar a verdade e vão levando a vida, da forma como está... triste!
      Beijos

      Excluir
  12. Pra que aceitar isso? Realmente, não entendi.
    Mas o conto é lindo, bem escrito.
    Matilde, Matilde...
    Beijo, maninha.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ainda existem muitas Matildes por aí... muitas! No interior é mais comum, acho que no Norte e Nordeste também, enfm... triste!

      Maninha.... adoro!
      Beijos

      Excluir
  13. Eita! Me enganou direitinho, pois achei que iria suceder diferente... Quem sabe o marido de Matilde estava com uma de suas amigas, tornando-a duplamente enganada.
    Muitas mulheres se conformam com um casamento pela metade e protelam a separação. Enganando a si mesmas e perdendo um tempo de vida danado.
    Não se vive duas vezes!
    Gostei da reviravolta do conto e pensei: As amantes adoram marcar os homens propositalmente, né não?
    Beijus,

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Isso é bem possível, Luma, que o marido esteja com uma amiga (que ódio!)
      Sim, as amantes sempre ficam com aquela esperança do rapaz largar tudo por ela...pode ser que sim, mas é difícil!
      Beijos

      Excluir
  14. Eita...
    Gostei da braveza da Chica.
    Ri muito aqui.
    Ainda bem que não sou Matilde.
    Ufa.
    O duro é não conseguir expor aquilo que se sente. Ter que fingir machuca, né.
    bjs.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Liliane, de vez em quando eu vou lá brigar com os textos dela...rsrsrs
      Adoramos isso!
      Beijos

      Excluir
  15. Olá, querida Clara
    Deus me livre!!!
    Antes só que mal acompanhada... diria minha vó e eu digo também...
    Melhor ser bem acompanhada do que só... digo eu sempre... rs...
    Bjm fraterno

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo com vc,Rosélia, mesmo sabendo que é uma raridade isso!
      Bem-acompanhada é tudo de bom!
      Beijos,querida!

      Excluir
  16. Oi Clara, que coisa não? É melhor assim.

    Abraços

    ResponderExcluir
  17. Que porcaria esse marido da Matilde! Ela tinha que virar o jogo!...rss...Como sempre vc nos faz entrar na história,adorei! bjs,

    ResponderExcluir
  18. Minha nossa! Já te falei hoje que sou sua fã? Que conto MARAVILHOSOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! Parabéns, Clarinha, de verdade verdadeira! Agora, vamos falar da porcaria desse marido, quem precisa disso? Minha nossa... é melhor ser feliz sozinha do que apenas ter uma cia egoísta. Ui, que agonia que tenho dessas relações...
    Beijo, beijooooo querida! Você está cada vez melhor!
    She

    ResponderExcluir
  19. Oi Clara
    Obrigada por participar do mosaico querida! e ainda mais com esse texto maravilhoso. Já está pinterestado!
    bjos

    ResponderExcluir
  20. olá!vim através do mosaico da Carmem conhecer seu cantinho,amei.texto bem real,ainda existe muitas Matildes por aí com certeza.mas um dia ela acorda e dá a volta por cima.te seguindo...tenha uma ótima noite fica c/Deus bjs no♥http://wwwmazeblogspotcom.blogspot.com

    ResponderExcluir

Olá, seja bem vindo e deixe seu comentário!

Eu os responderei por aqui mesmo ou por email, se achar necessário.

São muito bem-vindos, sempre!