— É incrível como o cheiro de chá exala até no portão de entrada! — afirmou Renata, ao abrir o portão da casa de sua nonna.
Nonna já esperava por ela, então a certeza de sair de lá alimentada por uns dois dias já era garantido.
O perfume do pão de queijo fazia companhia ao chá, "simplesmente o melhor aroma do mundo", pensava Renata, que entrava na casa com um sorriso aberto mostrando os dentes brancos e bem encaixados.
Lili, a pequena pequenês caramelo, a aguardava sentadinha no degrau da sala, como sempre fazia, e assim que a avistava, abanava o rabo e o traseiro, dando boas vindas. Nonna chamava lá de dentro da casa, pra Renata ir entrando que ela estava no fogão.
Era sempre essa a rotina de nonna pela espera por Renata, e também pelos "de casa" que tinham praticamente a entrada permitida a qualquer horário.
Renata, após pegar Lili no colo, foi até a cozinha e deu um abraço demorado em sua nonna.
Nonna, em seus 84 anos, pequenininha, viúva, morava com suas irmãs mais novas, também viúvas, e era daquelas que alimentava as pessoas. Carinho era alimentar todos que chegavam a ela, nem que fosse com uma laranja-lima apanhada diretamente da árvore de seu quintal. Por falar nisso, no quintal de nonna havia uma horta pequena, com variados temperos e hortaliças. Uma coisinha mais linda de se ver numa casa que mais parecida uma roça.
Na varanda havia um fogão à lenha que era apagado somente na hora de dormir. "Pra não demorar a fazer um chá pras visitas", repetia nonna.
O chão antigo, vermelhão, era encerado toda semana, e que brilhava lindamente, parecendo um espelho. Ah, quase me esqueci, o fogão à lenha foi feito por ela, a nonna, uns trinta anos atrás, e que foi elogiado diariamente pelo finado nonno.
Renata, após o abraço, ergueu o nariz pra sentir todo aquele aroma que existia na casa de nonna. Puxou uma cadeira e sentou-se, praticamente se jogando relaxadamente, sem nenhuma postura decente. Ali era o lugar que ela sabia que podia ser quem ela realmente era, sem precisar de pose ou de protocolos. Pegou um pão de queijo, que tinha acabado de sair do forno, rasgou-o com as mãos e jogou uma pelota de manteiga caseira dentro dele. "Dane-se a dieta, hoje nem sei o que é fazer dieta", repetiu várias vezes, com a boca cheia, tentando soprar o pão de queijo que já estava dentro de sua boca, queimando sua língua. Mas era assim que ela gostava.
Imediatamente nonna pegou a xícara de alumínio, com lascas descascadas pelo tempo, e encheu de chá de cheiro. Chá de cheiro, feito somente com água e açúcar, fervido até dar o ponto amarelado, bebido pelando, completando a queimadura da boca inteira. E era essa a sensação de infância duradoura de Renata. Como não amar nonna?
Depois de saborear três pães de queijo com bolotas de manteiga, Renata olhou para nonna com olhar cabisbaixo e disse que tinha acabado de perder o emprego.
Nonna, imediatamente disse a ela que era bom, sinal que lá não era o lugar ideal pra ela, e nem ganhava tanto assim pra ficar lamentando.
E lembrou Renata daquele sonho dela em abrir a floricultura e mostrar seus dons com arranjos florais.
Renata riu e chorou ao mesmo tempo. Ficou olhando pra nonna e não sabia como iria suportar quando ela não mais estivesse por ali alimentando-a com seu afeto e seu chá de cheiro.
Levantou-se, abraçou nonna mais uma vez, deixando escorrer as lágrimas, depois sentiu Lili pular em suas pernas, querendo colo.
— Eu bem sei o que a danada quer, é um pedaço de pão de queijo, não é, sua linda?
E, com a desculpa de satisfaze Lili, pegou mais um pão de queijo e rasgou um pequeno pedaço e deu pra aquela cachorrinha tão esperta e amada.
Nonna continuou dando conselhos, dizendo pra ela que é besteira ficar lamentando o que já passou, que a vida acontece do jeito que tem que ser, e que basta focar em algo e ir atrás, que tudo daria certo.
Renata chorou, pegou as mãos enrugadas de nonna, beijou-as, alisou os cabelos brancos organizados num coque acima da nuca, perguntou se podia se deitar um pouco em sua cama e assim fez.
Renata dormiu abraçada ao travesseiro de nonna, por um bom tempo.
Acordou no começo da noite e sentiu vontade de não levantar, mas algo chamou a atenção, o aroma de feijão fresco.
— Lá vou eu me empanturrar de arroz com feijão fresco, diretamente do paraíso culinário de nonna.
E assim fez, e nem calculou quantos dias de dieta teria que fazer pra compensar esse único dia de rodízio culinário da roça de nonna.
— Como não amar? — Renata se despediu de nonna, que, claro, preparou uma marmita com várias guloseimas, incluindo queijo, bolo de fubá, goiabada, doce de leito e pão caseiro. Praticamente uma semana pra se lembrar de nonna, sua sabedoria, seu carinho, seu afeto e sua gratidão.
Boa noite serena, querida amiga Clara!
ResponderExcluirEmocionei-me com seu relato.
Nunca me esqueci do bufê que minha avó Celina tinha na sala com as compoteiras de cristal antigas com doces diversos, de carambola, de mamão espelhado, de mamão com coco e de abóbora.
Creio que herdei dela o gosto por fazer doces...
Alimentar a quem amamos é um ato tão amoroso e maternal ou voternal...
Xícaras de afeto, pratinhos de ternura, colheradas de doçura...
Não tem como não molhar os olhos...
Hoje já havia me lembrado da minha avó que está nos céus há 50 anos.
Tenha dias abençoados!
Beijinhos carinhosos e fraternos
Coisa mais linda e gostosa quem tem dom pra cozinhar, que sejam todos abençoados! Alimentam o mundo!
ExcluirBeijos, Rosélia
Viajei no tempo e nas saudades! Adorei te ler e aqui, me vi no lugar da nonna,rs...Sempre dando de comer e inventando coisinhas... Lindo demais passar aqui! Emocionante! beijos, chica
ResponderExcluirNonna é tudo de bom! Como não amar?
ExcluirBeijo, Chica
Oi Clara!
ResponderExcluirLinda sua descrição de uma casa simples de gente simples e bonita de vida. Amei a Nonna como se visse minha vó numa roça, que carrego comigo para sempre. Uma casa amarela num sopé de serra, sem energia elétrica, sem agua encanada. Lindo seu conto, que me despertou o cheiro de pão de queijo, de horta com verde, café no bule na beira do fogão a lenha. era muito feliz e seu conto me reviveu.
Lembrei do chamamento quando chegava numa casa: Ô de casa!
Muito bom seu conto com este banho de sabedoria e carinho da nonna.
Aplausos amiga.
Beijo e paz no seu coração.
Bela partilha.
É uma viagem que a gente faz revisitando o passado, cada detalhe, gosto, cheiro que nos enche o coração de afeto, não é?
ExcluirÔ de casa é regra daquela época, e hoje temos o interfone...rsrsrs
Beijo pra vc, amigo poeta!
Oi Clara, me emocionei com seu texto. Tambem tive uma avó assim que demonstrava seu afeto tambem com as comidas gostosas que fazia. Ela era boa de pães, fazia pão de minuto, pão de batata doce que era muito bom, quando acabava de sair do forno. Que saudades! Bjos querida.
ResponderExcluirCamille, eu tive uma avó que fazia pão caseiro como ninguém, e mal saía do forno e já colocava na mesa pra gente comer, manteiga escorrendo, café, coisa inesquecível!
ExcluirBeijos, amiga querida!
Uma avozinha querida é tudo de bom!!!! Bjao
ExcluirClara,quanto tempo não passava por aqui. Ler seu conto me transportou para casa de minha avó Maria. Ah...saudades daqueles dias. Adorei! Bjs
ResponderExcluirAvós são tudo de bom mesmo!
ExcluirSaudades de vc!
Beijos
Que delícia. Tanta ternura ! Fez me viajar no tempo...que saudades, do cheiro , do sabor do calor.
ExcluirParece que senti o sabor da broa quente barrada com mel.
Adorei este momento.
brisas doces **