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quarta-feira, 19 de maio de 2021

Um dia comum...


 
Um dia comum...

Suzana acordou atrasada mais uma vez, e em sua tranquilidade costumeira, só reclamou com o celular por não ter despertado. Calmamente alisou os cabelos curtos, colocou os chinelos, olhou para o lado e viu a cama vazia. Miguel já havia se levantado.

Levantou-se também e foi para o banheiro para uma higiene bem rápida, pois sabia que Miguel deveria estar bufando pela falta de café. E estava mesmo, e sem paciência já havia colocado a água para ferver.

— Bom dia! — ela disse a ele, friamente, evitando o contato dos olhos.

— Bom dia. — Miguel respondeu de forma ríspida.

Mesmo ele acordando de mau humor, esse zedume passaria rápido e tudo voltaria ao normal em questão de minutos.

Suzana colocou pão, manteiga e leite sobre a mesa e, logo após, Miguel colocou a garrafa de café.

Ele não sentou à mesa como de costume. Bebeu o café quente sem açúcar, despediu dela e seguiu para o trabalho.

Suzana, como se não se importasse com nada, tomou seu café tranquilamente. Sua aparência era cansada e com os lábios arqueados para baixo, como se simulasse um choro. Havia tempos que queria chorar e talvez essa seria a hora certa.

Olhou as horas no relógio que enfeitava parede e desistiu de seu momento melancólico. Logo Bia, a secretária da casa, chegaria para os afazeres domésticos.

Suzana então levantou e se jogou no sofá. Ergueu os braços sobre a cabeça tapando os olhos. Não queria ver nem o teto nem nada.

Há duas semanas ela havia tomado a decisão mais imbecil de sua vida, que foi resgatar seu casamento. E culpava a família inteira, tanto dela quanto dele, de tê-la convencido de que seria melhor para todos que não houvesse a separação.

"Melhor pra quem?", ela questionava. "Só se for pra eles mesmos. Por que não ficam cuidando da vida deles em vez de se intrometerem na minha? Que ódio!"

Uma lágrima escorreu ao mesmo tempo em que Bia abriu a porta.

— Bom dia, dona Suzana, tudo bem com a senhora?

— Bom dia, sim, tudo bem, e com você?

— A senhora sabe que eu tenho uma vizinha fofoqueira, né, a Dirce. A senhora acredita que ontem à noite ela teve a capacidade de bater na minha porta pra reclamar que eu estava atrapalhando ela assistir novela por causa do som que eu estava ouvindo? Pode isso, dona Suzana?

Suzana destapou o rosto que estava coberto com seus braços, olhou Bia e sentiu inveja dela, de sua ousadia em ouvir o som na altura que ela quisesse.

— E você abaixou o som? — perguntou, curiosa.

— Eu não, estava na minha casa... Ela que aumentasse o volume da novela, né? Eu nem d...

Suzana olhou pra Bia e não prestou atenção no final de sua história. Apenas existia em corpo diante de Bia que era livre pra fazer o que bem entendesse.

Ela esboçou um sorriso, levantou-se e foi para seu quarto. Jogou-se na cama de bruços e ali permaneceu com seus pensamentos.

Suzana culpava-se o tempo todo por não ter voz altiva, firme, para ser capaz de defender suas vontades, de ser mais rígida com sua vida e de fazer o que tivesse vontade. O mundo era cruel e injusto com ela.

Suzana e Miguel casaram-se por conveniência familiar. Os pais de ambos haviam determinado o casamento desde que eram pequenos, somente para unirem patrimônio. Eram parentes e não admitiam deixar herança a quem não tivesse o mesmo sangue dos dois. 

Miguel aceitou sem questionar, Suzana, não se manifestou, apenas seguiu as regras impostas.

Era um bom casamento o deles. Ele era bem-humorado, demonstrava felicidade, respeitava a mulher e fazia de tudo para que ela tivesse uma boa vida.

Suzana apenas seguia as ordens. Tiveram um filho, que depois de ter completado quinze anos, mudou-se para o Canadá para estudar.

Exatamente há dois meses, durante uma crise de choro, Suzana declarou que não queria mais ficar casada. Não havia motivos, apenas não queria mais viver com Miguel.

Miguel, assustado, mas entendendo sua mulher, fez a vontade dela. Pegou suas roupas e mudou-se para um apart-hotel.

Quando a família de ambos ficou sabendo, Jesus, teria sido melhor ter acontecido um terremoto do que ter que ouvir o que Suzana ouviu. As palavras dos sogros e de seus pais, além de tios e tias e até de uma secretária que trabalhava há anos na família por parte da família de dela, estava presente nos palpites. As palavras ainda doíam em suas lembranças.

"Que vida idiota, meu Deus, pra quê isso? Por que esse casamento tem que ser do jeito deles? E eu, ninguém pensa em mim não?"

Suzana era infeliz, amargurada e estava a ponto de estourar de novo.

Ela respirou fundo, levantou-se, colocou uma roupa nova, sapatos sociais, maquiou-se, ajeitou os cabelos, passou perfume, desenhou os lábios com batom rosa-claro, pegou as chaves do carro e foi dar uma volta.

Pensou em ir até a casa de seus pais, mas imediatamente mudou de ideia. "Oras, eles que me colocaram nessa e eu ainda vou lá?". Pensava.

Andou de carro pela cidade toda, parou em uma sorveteria, pediu um milk-shake, e ficou horas mexendo com o canudo dentro do copo, olhando para o nada.

Por fim voltou para casa, tirou toda aquela roupa, colocou um camisolão xadrez, deitou na cama e ali ficou, até à tarde. Só ficou prestando atenção nas horas pra poder se arrumar antes de Miguel chegar. 

Seria mais um dia comum, e a noite seria comum também. Talvez faria sexo, se Miguel a procurasse, fingiria prazer pra tudo acabar bem depressa, tomaria banho, deitaria e fingiria dormir rapidamente, pra evitar mais algum contato com Miguel.

"Até quando, meu Deus?"

Perguntava pro nada.


Clara Lúcia

Um texto de ficção, não tem relação comigo. Coloquei a foto pra vocês me conhecerem.

2 comentários:

  1. Olá, Clara!
    Estou voltando aos blogues. E matando a saudade.
    Difícil acreditar que uma mulher se submeta a uma vida assim, sem amanhã. Mas sei que isso acontece ainda. Texto incisivo e instigante. Aplausos.
    Bjs
    Marli

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    Respostas
    1. Marli, caramba! Não recebi notificação de seu comentário.
      Também estou voltando aos blogues, que saudades!
      Muito obrigada, beijos!

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