A noite demorou chegar, antes das dez o quarto já estava arrumado. A cama que ficava encostada na parede já estava com o travesseiro e o cobertor estendido. No chão, dois colchões, um ao lado do outro, bem apertadinhos, prontos para serem desfrutados.
Na cama de verdade, a pequena Bianca, nos colchões, Benê e mamãe.
Um beijo na testa em cada um, a oração do Pai Nosso, bem pausada, pra todos acompanhem, boa noite e dorme com Deus.
Pronto. Mais uma noite com estratégias.
Será que se sair andando sem rumo, se enfiar num matagal, deixar ser mordida por todos os bichos que aparecerem, até desfalecer e ficar por ali mesmo, seria uma boa solução? Dificilmente encontrariam o corpo e com isso não sofreriam com a morte, e sim com o sumiço, até que as crianças amadurecessem e nem se lembrariam mais do rosto de mamãe.
Ou se se jogasse numa lagoa, numa cisterna, com pedras amarradas nos tornozelos, seria praticamente impossível encontrar o corpo.
E se deixasse de comer, já que o alimento era bem escasso e assim sobraria mais pras crianças, e aos poucos ia sumindo, assim as crianças acostumariam e não sofreriam tanto.
Pular de um penhasco, num lugar com pouca movimentação, duvido alguém encontrar o corpo.
As horas passavam e mamãe não pregava os olhos tentando encontrar o melhor jeito de sumir, desaparecer, sem deixar rastro e sem que ninguém sofresse. Por fim, os olhos fecharam e mamãe pode dormir, só o necessário pra não se transformar num zumbi.
Assim que o Sol nasceu, a primeira a abrir os olhos era mamãe. Um suspiro e uma seleção extensa de reclamações por ainda estar viva. O diálogo com Deus era severo, triste, lacrimoso, e de nada adiantava. Que Deus era esse que não respondia? E a saga continuava, agora com questionamentos, inconformidades sobre a vida, a inutilidade de viver, coisa mais sem sentido, concluía.
A rotina diária era sempre a mesma, levantar-se, arrumar o café, ajudar nos afazeres da casa... Ah, esqueci de comentar, o quarto em que mamãe e família dormiam era da casa da vovó.
E entre resmungos, reclamações e insônias o tempo passava, e a morte não vinha. Mamãe se sentia incapaz de tirar a própria vida, mesmo não encontrando nenhum sentido pra continuar viva. Pra quê?
Vez ou outra uma lágrima escorria e logo tinha que ser camuflada por causa da chegada das crianças ou de vovó. E continuava tudo bem.
Numa situação como essa, mamãe brincava com as crianças, ria, comprava doces, fazia bolinho de chuva e ficava completamente plena. Porém sua mente exalava morte...
Mamãe não se olhava no espelho... Tão linda na juventude, porém estava irreconhecível. Pra quê?
Seus pensamentos eram sobre a morte, o que tinha lá do outro lado, se era pior, se era inferno... Não podia ser, o inferno era o que ela estava vivendo. Uma dor sem ter como apontar aonde. Um choro atravessado que não saía de jeito nenhum. Tragédias, notícias sinistras, mortes, assassinatos, tudo era assunto interessante pra mamãe. Pelo menos se distraia um pouco.
Bem, as crianças cresceram, mamãe voltou pra sua casa com elas, conseguiu se reerguer e hoje em dia só cuida pra depressão e a vontade de morrer não voltarem mais. Ela sabe que pode voltar e não deseja essa situação pra ninguém.
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Essa é uma história comum entre várias pessoas. A depressão e a vontade de sumir não escolhe cara, nem dinheiro e nem família.
Como ajudar quem está perto? Prestando atenção nos detalhes, no modo de falar, na quietude (essa é a mais importante), se houve mudanças de hábitos, tanto pessoais quanto alimentares. A pessoa com distúrbios não se importa em estar bem. Na verdade ela quer estar muito mal pra poder acabar com tudo de uma vez.
É uma dor interna, na alma, insuportável. Tudo perde o sentido, não existe empatia com nada e nem com ninguém. A situação é tão intensa e forte que muitos, infelizmente, tiram a vida. E muitos permanecem na depressão suicida por anos.
Não podemos falar nada, nem oferecer livros, nem músicas, nem nada. Isso tudo não tem sentido nenhum. E talvez ficando por perto também só iria incomodar. O deprimido sempre vai procurar a solidão.
O que fazer? Ficar por perto, pegar na mão e levar pra algum tratamento. Se necessário, medicamentos. Mas fique atento aos sinais sutis. E não se sinta culpado por estar diante de alguém que passa por depressão suicida. Ninguém tem culpa. Apenas seja uma ponte, nem que seja uma pinguela, pra mostrar um caminho pra pessoa começar a voltar à vida.
Como pode ter iniciado? Morte de alguém muito importante, perda de emprego, de dinheiro, traição, separação no casamento, separação de algum filho, algo que afete profundamente a pessoa.
Quimicamente, a depressão é causada por um defeito nos neurotransmissores responsáveis pela produção de hormônios, como a serotonina (regula sono, resposta à raiva, comportamento sexual e humor), noradrenalina (capacidade do corpo de reconhecer o estresse), dopamina (hormônio do bem-estar) e endorfina (felicidade).
Quem está deprimido está vivendo no passado, nas dores e vivências que não voltarão mais, e que estão fazendo parte no dia a dia e serão espelho para um futuro próximo, se não for tratado.
Os sinais sutis, esses não devem ser desprezados.
Clara Lúcia
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