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segunda-feira, 25 de julho de 2016
O Triste Fim de Donana
Uma última colherada de sopa na boca de Seu Romero, uma limpada no canto da boca com um guardanapo de papel e pronto, o moribundo já estava alimentado e pronto para dormir o sono dos justos.
Donana ficava resmungando o tempo todo, dizendo frases feitas, como se quisesse gravá-las na memória para repeti-las no dia seguinte, vírgula por vírgula. Outras vezes parecia conversar com alguém invisível, perguntando e respondendo logo em seguida, outras parecia Deus a lhe ouvir, atencioso, e era nesse momento que as lamentações se aguçavam. Parecia questioná-Lo por tanto sofrimento e um fim de vida tão sofrido, tendo que carregar nas costas o marido puteiro. Mesmo assim cuidava de Seu Romero com um carinho embutido.
Depois de cobri-lo, apagar as luzes e deixar a porta entreaberta, Donana se dirigia à cozinha para seus últimos afazeres. Ainda resmungando, balançava a cabeça de um lado para o outro, como se lembrasse de fatos não muito distantes e que a fizeram sofrer demasiado. Apoiava as mãos na pia, abaixava a cabeça e simulava um choro. Não saíam lágrimas, mas a ladainha constante e o zunido balbuciado, denunciavam que ainda havia amor e que ela sabia que sua missão, até os últimos dias, seria de cuidar do marido.
Seu Romero mal se equilibrava em pé. Donana colocava ele apoiado no andador e ficava por perto ajudando-o a caminhar pela varanda, para pegar o ar da manhã e o sol bem fraquinho, tomando cuidado para não queimar-lhe a careca reluzente.
Ele olhava-a com piedade e gratidão, mas não pronunciava sequer um "obrigado". Tinha vergonha de estar como estava e do trabalho que estava dando a Donana. Era a mulher escolhida, a rainha de seu lar, a mãe de seus filhos, a avó mais carinhosa do mundo e dotada de um coração imenso, incapaz de calcular quantas pessoas cabiam dentro dele. Era agradecido, mas preferia o silêncio a se sentir humilhado reconhecendo a preciosidade que o acompanhou durante uma vida inteira.
Sabia que seu fim estava próximo, e o máximo que lhe permitia fazer era ficar em silêncio. Donana lhe perguntava coisas, se estava com fome, com frio, cansado, com sede ou se queria assistir à TV. Ele respondia meneando a cabeça e mais nada. Não conseguia mais encarar Donana. Era mulher demais para ele que se sentia tão inútil nesse fim da vida.
Donana reclamava muito, lamentava, mas no fundo se sentia orgulhosa por ter que cuidar do marido até os últimos momentos. Era puteiro, cafajeste e não escondia de ninguém suas puladas de cerca. Se vangloriava de ser um conquistador nato, um colecionador de corpos estranhos, um Don Juan perdido nesse mundo de meu Deus.
Mais um dia de cuidados, menos um dia para Seu Romero. Mais um dia de lamentações e menos um dia para lembrar das travessuras vividas fora do casamento. Donana dormia em paz, Seu Romero custava a pegar no sono e chorava em silêncio. Seu fim estava próximo, poderia ser hoje ou semana que vem. As carnes de seu corpo já anunciavam falta de mobilidade e falência. Desejava morrer dormindo. Só não se esquecia de beber bastante água antes de fechar os olhos. Para ele deveria ser muito triste morrer de sede. Morrer de fome não teria problemas, mas morrer de sede seria o inferno.
O dia clareou, Donana no fogão preparando o café da manhã, mas antes disso uma olhada em seu marido, que dormia feito uma criança, com respiração profunda e olhos entreabertos mexendo as pupilas de um lado e de outro. Corpo deitado de lado, encurvado e com a mão debaixo do travesseiro. Como um anjo esperando sua hora de partir.
Donana respirou fundo e seguiu a lida, até quando Deus quisesse.
Oi Clara, é mesmo um ato de amor.
ResponderExcluirAinda que tenha sofrido Donanna guarda um amor
que fora lindo. Assume o papel de anjo e segue a vida
sem choro e lamentações.
Abraços Clara.
Bjs de paz amiga
Bom dia Clara :)
ResponderExcluirUm belo e emocionante conto...
Vc lindamente descreveu o cotidiano sofrível
de muitas mulheres. Elas podem até não reclamar, mas sofrem.
Geralmente, homens mulherengos tem um fim triste e solitário,
restando apenas a mulher que traiu a vida inteira para cuidar dele...
Já vi muito isso...
Beijos!
Boa noite, querida Clara!
ResponderExcluirConheci gente assim na vida real... minha avó foi uma, coitada!
Bjm muito fraterno
Boa noite, querida Clara!
ResponderExcluirConheci gente assim na vida real... minha avó foi uma, coitada!
Bjm muito fraterno
Bom dia, Clara!
ResponderExcluirPrimeiramente, parabéns pelo dia do escritor, você é uma contista maravilhosa!
Seu conto passa uma realidade que tantos de nós já viu ou que sabe que existe, lindo e comovente!
um abraço
(Meu Blog de poesia narrada está aberto e aguardo você por lá, ok - https://wwwmeandyou-meandyou.blogspot.com/)
Vida real. Eu tive uma tia Donana, que não passou por isso, mas era também uma mulher admirável. Tantas Donanas pir aí...E o fim da vida é esse, cuidar do traste...rs Isso só nos dignifica. Quantos homens teriam essa dedicação, se fossem traídos? Beijo, maninha.
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