domingo, 14 de junho de 2015
O Castigo
Um céu lindo, azul claro e sem nuvens ornava a fresca tarde de outono. Sibele, cansada e cambaleando tentando se equilibrar num salto oito em calçadas esburacadas e traiçoeiras, pensava em sua casa, em seu cachorro que faria a maior festa com sua chegada e em seu marido Fernando.
Ao dobrar a última esquina, avistou-o no maior bate papo com a vizinha, na entrada do prédio. Parou e ficou só olhando de longe até aonde iria a petulância dos dois, em plena rua, para todos testemunharem. Os dois riam, a moça mexia nos cabelos, ele disfarçava e olhava-a dos pés à cabeça, mas sem se encostarem. Depois de alguns minutos, se despediram e cada um seguiu seu rumo.
Bufando e vermelha de ódio, Sibele firmou os passos, engoliu seco e se preparou para uma provável briga pelo flagrante descarado e quase obsceno debaixo de suas fuças.
Entrou. Fernando estava sentado no sofá, com o controle remoto a tatear os canais. Parou num canal de esportes, com comentaristas que ele gostava. "Futebol, sempre futebol", pensou Sibele que fechou a porta e ficou encostada nela, esperando uma explicação convincente de Fernando.
- Oi, amor, como foi seu dia? Vem cá, senta aqui! - Disse ele, com voz doce, mas sem tirar os olhos da TV.
- Bem. - Respondeu, seca.
Imediatamente Fernando tirou a concentração da TV e olhou a esposa que estava com uma carranca daquelas que ele bem conhecia.
- Que foi amor? - Ingenuo, perguntou.
- Nada.
Fernando respirou fundo, coçou a cabeça, levantou-se e foi até Sibele, que ainda estava encostada na porta.
- Me deixa, Fer.
Ele levantou as mãos com a ameaça e voltou de ré ao sofá.
- Não tem nada pra me contar não? - Ralhou, baixinho, apertando os lábios sem quase abrir a boca para pronunciar a frase.
- Hmmmmm.... O quê, por exemplo?
- Claro, você nunca sabe de nada, não fez nada, não vai falar nada, né? Pensa que eu sou cega, que o mundo é cego?
- Ixi....
Emburrada e pisando alto, Sibele foi ao quarto, bateu a porta e ali permaneceu. Fernando continuou assistindo a TV e sem entender nada.
Alguns minutos depois, Sibele reaparece com um travesseiro e cobertor e jogou-os no sofá.
- Hoje você dorme aí, até aprender a me respeitar e parar de me fazer de idiota. Pensa que eu não vi sua safadeza com a novinha do quarenta e oito? Não tem vergonha na cara não? Não tá satisfeito comigo é fácil resolver, só não me faça de trouxa! - apontando o dedo na cara de Fernando - Olha bem, escuta aqui, você não encosta a mão em mim por uma semana, entendeu? Uma semana! E entrou no quarto novamente.
Fernando só ficou olhando, de boca aberta e sem entender. Sibele era um poço de ciúmes e bastava uma simples olhada para os lados para ser motivo para brigar. Mas amava-a com esse seu jeito tosco e estúpido. Vai entender as razões do amor, não é? Gostava desse ciúme exagerado e sem sentido. Sabia que quando passasse a raiva, o perdão seria maravilhoso e aí seria a hora dele fazer tudo o que queria e amá-la muito mais. "Minha doce jaguatirica", pensava ele.
Sibele, ainda revoltadíssima com a cena de uma possível traição, desabou num choro. Lamentou o casamento, xingou os homens e instigou Deus por ter criado-os tão sem-vergonha e cara de pau. "Para quê homem tem que ficar olhando outras mulheres se tem uma inteirinha a sua disposição?" Brigou mais um pouco com Deus, esmurrou várias vezes o travesseiro, jogou todas as roupas de Fernando que estavam no armário, no chão e depois dormiu, em seu canto direito da cama, enrolada no cobertor, apenas com o nariz e os olhos de fora.
Fernando pegou o telefone, pediu uma pizza e um refrigerante, e depois de forrar o estômago, se jogou no sofá e dormiu relaxado, com a TV ligada. Gostava disso de vez em quando, de dormir sem ninguém lhe empurrando e roubando o cobertor. De ficar ouvindo a TV a noite toda, mesmo dormindo, de poder pensar em quem quisesse e quem sabe, satisfazer algum desejo que só o fazia escondido no banheiro. "Mas que menina mais linda aquela", pensava - "Qualquer dia desses eu perco o juízo... E a vida." - e riu de si mesmo.
Fim.
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Escrevo sobre a vida e os momentos específicos emocionais.
Assuntos relacionados sobre a mente humana e como conviver com o outro sem a necessidade de mudá-lo.
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Rssss..Ele nem sabia com que jararaca estava se metendo,rs s Sempre legal te ler! bjs, chica
ResponderExcluirEle gosta de jararaca e gosta que sinta ciúmes. Gosta de ter o ego bem elevado e pensar que a pessoa não é capaz de viver sem ele. Coitado! E coitada também!
ExcluirBeijos
Clara, o mais interessante dos seus contos é que sempre nos fazem pensar em histórias do cotidiano. Ninguém gosta de perceber que o par está de olho em outro (a), mas ciume em demasia não resolve. Como diz minha mãe, "formiga quando quer voar cria asas, hahaha". Abraço!
ResponderExcluirExatamente! Braveza e castigo de nada adianta quando o parceiro(a) quer voar. Mas, não custa tentar, não é?
ExcluirBeijos
Oi, Clara!
ResponderExcluirUma crônica visual... enxerguei todas as cenas! Só que em versão feminina!! kkkkk que delícia tomar conta da cama inteira!!
:)
Beijus,
kkkkkkkkkk Entendo....
ExcluirEu durmo numa camona assim há anos e realmente é muito bom!
Beijos
Histórias de vida que encantam.
ResponderExcluirBeijinhos
Pérola, bem-vinda!
ExcluirEu gosto de escrever sobre a vida, momentos, minutos, detalhes que geralmente ninguém percebe....
Que bom que gosta.
Beijos
Olá, querida Clara
ResponderExcluirCoitado dos ciumentos! São eternos infelizes...
Homem apronta, rs...
Vc é fera nos contos!!!
Bjm fraterno
Quem gosta sente ciúmes, mas o exagero só traz infelicidade mesmo.
ExcluirE vc sempre gentil, minha querida.
Beijinhos!
Gostei muito desse casal, das suas miudezas. A sua escrita tem sempre um humor invejável, Clara. Muito bom de se ler.
ResponderExcluirBeijinho, uma linda semana
Ruthia d'O Berço do Mundo
P.S. A Selene precisa de arranjar um sofá desconfortável