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segunda-feira, 12 de maio de 2014
Andarilha
Ainda de olhos fechados Rosilei ouvia, ao longe, burburinhos de gente conversando. Mal conseguia respirar com um incômodo que lhe tapava o nariz. Sentia mãos pelo seu pescoço e algo gelado em seu peito. Com muita dificuldade conseguiu abrir os olhos. Não reconheceu o lugar. Um homem apareceu na sua frente e sem dizer nada abriu seus olhos, um de cada vez, apontando-lhe uma pequena lanterna. Tudo muito rapido. Seu corpo chacoalhava, mesmo tendo a noção de que estava amarrada a uma cama. Depois de alguns minutos e pelo barulho ensurdecedor percebeu se tratar de uma ambulância. Não havia morrido, para sua agonia.
Uma lágrima lhe escorreu pela bochecha; Rosilei fechou os olhos. O mesmo homem que a apalpava e ficava o tempo todo verificando sinais vitais colocou-lhe a mão na testa e perguntou-lhe se estava bem, se sabia o que havia acontecido e seu nome. Rosilei nada respondeu. Continuou chorando. Pelo jeito a agonia continuaria.
Chegaram a um hospital, não sabia qual e nem em qual cidade. Puseram-na em uma maca e enfermeiros levaram-na para um quarto, UTI, como ela conseguira ler na entrada. Fechou os olhos e lamentou muito ainda estar viva e dando trabalho para gente que nem a conhecia. A sensação de estar sendo cuidada era confortante, mesmo achando estranho todo aquele movimento a sua volta. Para quê tanto cuidado com uma pessoa desconhecida?
Uma enfermeira ajeitou-a na cama e cobriu-a com um cobertor. Furou seu braço para receber soro e mais algum medicamento que ela nem sequer sabia. Ela sorriu para Rosilei e perguntou se estava bem. Perguntou se sabia onde estava e qual o seu nome. Não respondeu. Fechou os olhos e virou o rosto para o outro lado. Havia uma janela que dava para um jardim.
Encostado ao muro branco, por todo ele, plantação de hortênsias, buquês de várias cores e com folhagens brilhantes. Mais ao centro uns canteiros muito bem cuidados com pés de roseira com alguns botões e ao redor bem rente ao cimento, margaridas. Todas abertas, branquinhas e deslumbrantes. Margaridas eram suas preferidas. Por um instante Rosilei se esqueceu de onde estava e se perdeu na beleza do pequeno jardim do hospital.
Logo em seguida entrou um rapaz, ainda novo, de jaleco e óculos com armação quadrada e preta. Achou que esse tipo de armação envelheceu o jovem doutor. Sabia que era doutor porque ouviu a enfermeira dizer que o médico logo viria vê-la. Ele lhe fez várias perguntas, ela respondeu as que lhe eram convenientes e negou as outras, como seu nome e de onde era. Melhor não saber de nada. Não queria saber de nada, queria morrer. Se lembrou de estar andando, exausta, pela rodovia, sol quente a lhe queimar a cabeça, sede, muita sede, fome, depois não se lembrou de mais nada. Voltou a olhar o jardim até que adormeceu, sedada.
Nos outros dias em que ficou internada não disse uma palavra que comprometesse seu anonimato. Esqueceria de tudo e quando saísse dos cuidados médicos, seguiria seu rumo incerto. Talvez ficaria por aquela cidade mesmo, vagando como um zumbi sem rumo. Dormiria ao relento e não comeria nada. Ainda desejava a morte. Só não contava ser tão medrosa a ponto de não ter coragem de lhe tirar a vida, de ter se jogado na frente de um caminhão ou de ter pulado de alguma ponte. Ameaçou várias vezes, mas desistiu. Preferiu definhar dia a dia, até chegar o fim. Qualquer atitude, qualquer coisa era melhor do que ficar remoendo lembranças doloridas de uma vida fútil e sem sentido, rodeada de pessoas falsas, mentiras, traições, descasos, insultos... Não queria mais viver... Andaria até encontrá-la, a morte, e assim quem sabe, caso tivesse uma outra vida além da carnal, poderia, enfim, viver em paz.
Fim.
Há milhares de pessoas vivendo assim, no anonimato e sem rumo! abraços,
ResponderExcluirSim, cada um com sua história, seus sofrimentos, sua vida... vida que segue, seja do jeito que for.
ExcluirAbraços, amigo!
Triste,mas lindamente bem expressos os sentimentos! beijos,chica, linda semana!
ResponderExcluirChica, uma linda semana pra vc também!
ExcluirBeijos, beijos, beijos!
Uma triste realidade...
ResponderExcluirBeijos e boa semana
Lita
Sim, Lita, infelizmente é realidade, mas que pode mudar a qualquer momento.
ExcluirLinda semana, querida!
Beijos
Clara que texto lindo! Tocante o sofrimento da moça, sua vontade de abandonar a vida, sua covardia, enfim, uma vida como tantas que vemos por aí. Parabéns por mais esse belo texto.
ResponderExcluirBjs
Roseli ,querida, acho que nessas andanças dela vai aparecer algo interessante pra ela mudar o foco. Quem sabe, né?
ExcluirBeijos, querida! Sempre querida!
Oxalá que n'uma dessas andanças ela encontre algo
ResponderExcluirou alguém que lhes dê novamente amor pela vida
e sobretudo esperança,é trsite por demais viver
tanto sofrimento assim,mas é muito real.
Também acho que ela encontrará, viu como ela ficou encantada com o jardim? É questão de prestar atenção a sua volta e tudo mudará.
ExcluirRonilda, bem-vinda!
Beijos
Tem pessoas que pensam que tirar a própria vida vai ter alivio de seus sofrimentos,mas justamente porque a vida continua, continua tb a confusão mental e ao invés de alivio pode haver mais desespero ao ver que desperdiçou sua vida,uma grande oportunidade de Deus para nós. Sua história ficou espetacular! bjs,
ResponderExcluirAnne, acho que pensam que qualquer lugar seria melhor que todo esse desconforto de um sofrimento intenso. Que triste isso! Se afastam de Deus e se enfiam num buraco sem fundo, isso quando não chegam às vias de fato e acabam se matando. Um horror!
ExcluirBeijos, querida!
Quando se perde a esperança, se perde tudo...Uma pena, não? Porque os dias amanhecem e anoitecem, independentemente de nós...
ResponderExcluirBeijo, Clara.
Lúcia, eu mesma já disse várias vezes que queria sumir no mundo, sem ninguém nunca mais me achar... É triste isso mas é muito real! Às vezes a dor é tão grande que não cabe no nosso peito e não dá pra aguentarmos. Explodimos por dentro e demonstramos por fora, de alguma forma, nem que seja fugindo.
ExcluirQuerida, muito obrigada por todos seus comentários nos meus posts!
Adoro você!!!
Beijos
E pensar que existem muitas Rosileis por aí...
ResponderExcluirTriste e emocionante conto, Clara
Um beijão para tí
Verena e Bichinhos