domingo, 27 de abril de 2014

Um Beijo


      Distraída, estava caminhando apressadamente de volta para casa. Vez ou outra olhava para cima, como sempre faço, observando o topo das árvores, os telhados das casas, os últimos andares dos edifícios e o céu, se tinha alguma nuvem ou onde o Sol estava. Não havia necessidade de tanta pressa, mas o costume era sempre ir e vir rápido. Mania de gente afobada.

      Ainda faltava uma boa caminhada até chegar ao meu destino. O Sol já estava se pondo oferecendo um espetáculo maravilhoso especialmente para quem se lembrava de assisti-lo. A rua ainda estava movimentada e o barulho dos carros me incomodava bastante. Ouvi alguém me gritar, de longe.

      Olhei para trás e não identifiquei ninguém conhecido. Continuei com minha costumeira pressa. Alguém tocou meu ombro e me assustou. Virei-me e minha reação foi ficar de boca aberta e olhos arregalados.

      - Wilson! Meu Deus, quase não te reconheci, há quanto tempo!

      - Pois eu te reconheceria mesmo se estivesse na Lua.

      Corei. Abri um sorriso e fiquei esperando a continuidade do papo. Wilson simplesmente ficou me olhando, me despindo com os olhos, invadindo meus pensamentos e rindo... Aquele mesmo sorriso encantador, cativante, de anos atrás, de sempre. Como pude perder esse sorriso por tanto tempo?

      Ele não dizia nada e eu cada vez mais encabulada. Até que finalmente consegui soltar minha voz e pronunciar um "o que foi?", morrendo de vergonha. Wilson tinha esse poder de me deixar travada, sem voz, sem atitude nenhuma, sem saber onde colocar as mãos e sem controlar meu coração.

      Ousado como sempre colocou sua mão em meu rosto. Gelei. Suspirei e aceite. Seus dedos compridos tocavam minha nuca e de propósito alisava num vai e vem discreto, porém perturbador. Seu polegar percorria toda minha bochecha, quase tocando meus lábios. O impulso foi imediato e deixei minha boca entreaberta, como se esperasse um beijo. A outra mão seguiu os passos da primeira e meu rosto ficou imóvel entre suas mãos. A boca entreaberta estava seca... Sedenta de saudades para relembrar o sabor daqueles lábios macios, daquele beijo terno, envolvente, matador.

      Deu um passo e chegou seu rosto bem perto do meu. Me olhou tão profundo que fiquei com medo de pensar e ele ler meus olhos. Então comecei a piscar mais vezes desviando o olhar. Não tive a petulância de tocar seu rosto também. Estava praticamente paralisada. A voz embargada conspirava com o silêncio dos sons. Ele olhava meus olhos e descia para minha boca... Encostava o nariz no meu e quase encaixava o rosto para o beijo. Que tortura!

      Parecia um encantador de olhos, um paralisador de reações... Simplesmente não conseguia fazer nada. Fechei os olhos e senti seus dedos de leve roçando minha pele. Tocou meus lábios... Fui capaz de dar uma mordida de leve em seu dedo. Ele retirou-o e encostou seus lábios nos meus. Mordeu de leve o inferior, puxando-o, beijou o superior, colocando-o na sua boca. Lábios quentes, como sempre. Se afastou e abri os olhos. Estava sorrindo, me olhando e sem me deixar falar nada, me beijou.

      Nunca me esqueci do sabor daquela boca, do beijo envolvente, quente, molhado, carinhoso, intenso, perturbador. O encaixe perfeito me deixou de pernas bambas e sem ação. Não conseguia fazer nada além de retribuir o beijo. Meu rosto entre suas mãos era guiado da maneira que ele decidia. Obedecia. Seus lábios dançavam nos meus, ora para um lado, ora para o outro... Línguas se encontravam e continuavam a procurar, quem sabe uma gotícula diferente perdida no céu da boca. Se redescobriam. Tanto tempo e tudo continuava igual.

      Não me lembro quanto tempo durou o beijo, mas logo depois ele me abraçou carinhosamente, me envolvendo completamente em seus braços, acariciando minha cabeça e bagunçando meus cabelos. Ele sempre fazia isso, de bagunçar meus cabelos. Não me lembrava o motivo de nos separarmos. Não queria pensar nesse assunto. Ainda de olhos fechados senti seu coração pulsar e o meu totalmente descontrolado. A noite já se fazia presente e os carros ainda faziam barulho. Poucas pessoas andavam pela calçada.

      Ele se afastou, me olhou assustado e perguntou se eu estava ouvindo que ele dizia. Oi? Perguntei, sem graça e sem jeito. Ele riu, me abraçou de novo e disse que eu continuava a mesma avoada de sempre. Que ele só estava me dizendo que sentiu muita saudade, que perdeu meu telefone e não sabia como me encontrar. E que estava muito feliz por estar comigo naquele momento e que não me largaria nunca mais. E me beijou de novo... E de novo, e de novo.

      Fim.

      Obs: Este texto é fictício. Está na primeira pessoa mas não diz respeito a mim.
      Clara Lúcia

10 comentários:

  1. Que lindo!!!Adorei e o final, um amor só! E gostei do aviso sobre a 1ª pessoa e que n]ão é a autora. è sempre bom, pois tantas vezes assim escrevemos e as pessoas que leem pensam que falamos de nós...bjs,chica

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    1. Confundem sim, Chica, mas já me acostumei. Não sei se é bom ou ruim, mas mexer com o imaginário das pessoas é fantástico.!
      Beijos, gaúcha!

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  2. Ler o que você escreve sempre é muito bom. Valeu o aviso no final.
    Beijos, Élys.

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  3. Respostas
    1. Sim, um grande amor que se reencontrou, ainda bem!
      Beijos, querida!

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  4. Oh lá em casa! Queria encontrar algum perdido de meu passado assim, de sopetão. Mas como a realidade não é tão fantasiosa e deliciosa assim, me contento em ler seus contos Clara. A gente viaja legal neles!
    Bjs

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    1. Seria bom se isso acontecesse, Roseli, quem sabe? Tudo pode acontecer sim... calma, menina!
      Beijos

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