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sexta-feira, 15 de março de 2013
Lembranças
Participando do Projeto Bloínquês
8ª Edição Visual - Tema: Lembranças
Depois da morte de Judith, Antônia, sua única filha, mexendo numa caixa de fotos, viaja nos pensamentos com tantas lembranças de sua infância. Se alegra quando pega fotos de quando era pequena e com a família unida, os primos, tios, avós, todos juntos numa foto única. Ainda tem a cicatriz no joelho esquerdo, quando caiu de um balanço que ficava num abacateiro enorme e que sempre era empurrada pelo primo Sérgio. Dessa vez ele exagerou e a derrubou, fazendo-a cair e sangrar o joelho. Já o tinha perdoado, mas na época foi até motivo de discussão na família, pois Sérgio era bem mais velho que ela e não soube cuidar de Antônia, como deveria.
Uma outra foto lhe chamou a atenção: uma de seu pai indo para a guerra. Se lembra perfeitamente daquele dia em que todos pensavam que, por ela ser bem pequena, não entendia o que se passava. Mas de tanto ouvir a mãe Judith reclamar para Theodoro Kurten que não queria que ele fosse para a guerra, que essas palavras ficaram marcadas em sua memória. Judith chorava muito e Antônia ficava brincando e prestando atenção em tudo. Não entendia porque a mãe chorava, mas sabia que algo de ruim aconteceria. Disfarçava a angústia cantando e conversando sozinha, com suas bonecas, num canto, sempre perto da mãe.
Nesse dia Theo acordou muito cedo, as malas já estavam arrumadas, o uniforme bem passado, botas engraxadas e uma lágrima sempre no olho esquerdo. Antônia não sabia porque o pai só chorava no olho esquerdo, mas se conformava que nem todos eram assim quando via sua mãe chorar nos dois olhos.
Antônia ainda estava dormindo quando o pai foi até seu quarto se despedir. Antônia sabia que ele iria para longe e que não tinha data para voltar. Não tinha noção de tempo, então não importava se era muito ou pouco tempo. Sabia que demoraria. Theo pegou-a no colo, encheu-a de beijos e abraços apertados e disse que logo voltaria. Sua mãe soluçava e com isso a pequena desabou num choro sem fim não conseguindo falar nada para o pai. Apenas o agarrava pelo pescoço e chorava com a boca bem aberta, sem soluços, apenas um grito de choro, depois outro, depois outro.
Ficaram alguns minutos assim e depois Theo Kurten colocou a pequena na cama, que continuou chorando, e se foi.
Essa é a última lembrança que tem do pai. Ele morrera na guerra.
Antônia, agora uma jovem senhora, pegou a foto e a colocou no peito, apertando-a. Queria aquele momento só para ela. Não se lembrava dessa foto que fora tirada por sua doce mãe, como recordação de um momento triste e esperançoso de uma breve volta que não teve. Hoje, quem sabe, Judith não esteja com seu pai, cuidando da filha amada, de onde estão, protegendo-a e amando-a, como sempre fizeram.
Ela guardaria essa foto até seus últimos dias, mas antes contaria para seus filhos sobre essa data triste que levou seu pai para sempre.
Fim.
Emocionante e lindo!!Adorei, como sempre!!! Muito bem bolado o desenrolar...beijos,chica
ResponderExcluirEsse projeto Bloínquês é uma aula que temos, Chica. Estou adorando participar!
ExcluirBeijos e linda semana!
Clara,muito bonito seu conto!As memórias de infancia de Antonia me tocaram profundamente!Bjs,
ResponderExcluirQue bom, Anne... Obrigada!
ExcluirÓtima semana pra vc!
Oi Clara!
ResponderExcluirFiquei emocionada. Essas saudades doem tanto... Lembranças que ninguém tira da gente, nem o tempo.
Beijos
Selma
As fotos marcam demais...
ExcluirBeijos
Oi amiga!
ResponderExcluirVenho aqui te deixar uma palavrinha de ânimo para esse fim de semana:
De repente, a vida te vira do avesso, e, assim você descobre que o avesso é o seu lado certo.
Tem coisas na vida que às vezes a gente não perde, a gente se livra.
Boa noite.
Olha, a gente só percebe que perdeu só depois de encontrar outra melhor... faz parte do ser humano ficar ligado e inconformado com o que se perde.
ExcluirObrigada, querida e ótima segunda pra vc!
Que triste!! E pensar que seu conto pode ser real para tantas pessoas. Meu tio foi para a guerra e voltou em uma cadeira de rodas. Um homem forte que a guerra destruiu. Só não destruiu sua família porque a minha tia era uma mulher muito doce que se contrapunha a amargura que o acompanhou até morrer. Muitas vezes pensei que seria melhor ele ter morrido na guerra, mas esse era um pensamento infantil querendo simplificar a labuta da minha tia.
ResponderExcluirSeu conto foi de um sensibilidade incrível! Cheguei a ver a cena de despedida na minha frente!!
Bom fim de semana!!
Beijus,
Que bom, Luma...
ExcluirÉ muito gratificante quando escrevo, descrevo a cena e quem lê entende e visualiza o que eu vi. É mágico!
Uma ótima semana pra vc!
Beijos