A Roda D'Água
Sempre fui curiosa e destemida. Bem, curiosidade e medo são antípodas
mesmo; mutuamente excludentes. Pois testei meus limites naquela tarde
estival, em que fazia artes, sozinha. Conto já a história.
Estava no
curral a catar lírios-do-brejo para pôr na jarra. Trabalho inútil, eu
sabia. Os lírios são lindos e perfumados no pé; na jarra murcham logo,
fenecem. Gostava do aroma, mas tinha cisma. Maria
de Paula, nossa empregada da cidade, tinha me dito que o perfume dos
lírios dava-lhe dor de cabeça; tinham enfeitado o caixãozinho branco de
seu irmão que morrera pequenino. Êta Maria danada! Estragando o perfume dos meus lírios com suas histórias tristes.
Os lírios cresciam em volta de todos os cursos d’água que alimentavam a
hidrelétrica que Pai Chico construíra pra resolver o problema de
energia da Lagoa Grande. Naquele tempo vivíamos à luz de lampiões. Fui
seguindo os cursos d’água – eram todos construídos por Pai Chico – e
cheguei à parte mais bonita: o tobogã de cimento que levava o último e
violento jorro à roda d’água. O tobogã era lindo, verdinho com seu
tapete de lodo, folhagens caindo sobre a água, e a roda, ai meu Deus, a
roda girando tão depressa que parecia uma roda branca flutuando no ar.
Pisei no tobogã desavisadamente pra colher os lírios e escorreguei no
lodo. Tudo aconteceu num átimo de segundo. Tentava me segurar metendo os
calcanhares no lodo, mas não tinha onde firmar, e eu descia, descia com
as mãos cheias de ramas de São Caetano, onde tentara me agarrar,
desesperada. Ai, eu vou virar picadinho de Eliana, vou virar fubá, e eu
descia, cada vez mais veloz, a bundinha verde, os cotovelos ralados e
verdes, e eu chegava perigosamente perto da roda assassina. Foi quando,
por instinto, me agarrei a costelas de Adão, veneno puro, dizia mamãe,
melhor morrer lentamente que assim sozinha na roda d’água. Eu ia
desaparecer e nunca ninguém daria notícia de mim. Gritar? O barulho da
água era ensurdecedor, não tinha serventia gritar, ou me salvava ou
seria picada na roda e moída na mó. As costelas de Adão eram fortes,
foram o freio salva-vidas na undécima hora. Saí verde e com os joelhos
trêmulos, jurei nunca mais chegar perto da roda d’água e cumpri. Bem,
chegar perto eu cheguei, só nunca mais tornei a por o pé no lodo.
Mais uma crônica de Eliana Teixeira.
Bem se vê que a danadinha aprontava das suas, na fazenda Lagoa Grande. Ai, ai, ai, menina!
Linda crônica e sempre bom ler coisa assim, lindas e leves! beijos,chica
ResponderExcluirQual a razão de vc postar isso hoje, já que faz um tempão que a Eliana postou isso?
ResponderExcluirBeijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...
KK
Oi flor!!!!
ResponderExcluirQue delícia de crônica!!!!
Lembrei de tantas férias no engenho do meu avô... Ê saudadeeeee!
Beijos
Selma
Com todas estas descrições ficou muito interessante esta descida para a morte e claro bem humorada.
ResponderExcluirParabens para a Eliana,rsrs.
Um abração.