Réveillon Frustrado
Eliana Teixeira e seus deliciosos contos... deliciosos como esta torta de limão. Que gosto será que tem?
Nunca fui das netas prediletas de Pai Chico. Chamava-me às vezes de
negrinha quando ia ralhar comigo. Êta alemão racista, meu Deus! Servia
bem para trazer-lhe café e água e pelava de medo com essa incumbência,
como, de resto, todos os netos pequenos. Era um porta-copos de prata,
dois copos de cristal levemente rosado que mais parecia pele de ovo.
Deus me livre de quebrar aqueles copos! Antes a danação eterna que levar
uma surra de piraí... Tanto cuidado tomamos que nunca nenhum neto
quebrou os malditos copos. Estão por aí.
Eu nunca era a escolhida
para os passeios de caminhonete com ele, por isso foi um espanto geral
quando avisou que me levaria à festa de Ano-Novo na Fazenda da Mata. A
Fazenda da Mata era de seu primo Dr. Cristiano. Era uma trinca de
valor:- Cristiano, Bernardo e Chiquitão. Os Alves Costa. Pai Chico não
herdara o Costa e ficara Teixeira: Francisco Alves Teixeira. Mãe Bertina
é que era França. Papai era um puro Francinha, assim como o é minha
filha Marcela.
A lesta era lendária. Outros netos já tinham sido
agraciados com a honraria de acompanhar Pai Chico. Diziam que na sala,
logo na entrada, havia um armário com portas de vidro cheio de
tortas maravilhosas, cada uma de um sabor, tortas de cima embaixo. Eu
pensava sim na importância de ir com Pai Chico a uma grande festa, de
ser admirada como a neta de Chiquitão. Mas pensava principalmente nas
tortas. Eu acho que nunca tinha comido tortas, apenas as sonhava. Via
fotografias, não, desenhos de tortas maravilhosas nas Seleções do
Reader’s Digest da mamãe... Aquelas donas de casas felizes, com a
cinturinha de pilão, e segurando tortas de morango, de limão e gelatinas
de framboesa em frente a suas novas geladeiras de último tipo...
Mamãe arrumou-me tão bonita quanto possível e fomos para a festa de
ano-novo. Eu pensava na minha importância por um dia e nas tortas...
Chegamos e Pai Chico estranhou. Não havia carros, a casa estava
silenciosa. Será que ainda era cedo? Entramos. Não havia vivalma. Meus
olhinhos buscavam ávidos pelo armário. As tortas, as tortas! Cadê as
tortas? Cadê o chantilly cujo sabor era apenas sonhado? Suspiro, será
que sabe a suspiro? De repente, o armário. Não havia de ser outro.
Majestoso, dominava a sala. Perfeito para exposição de tortas. Meu Deus,
o armário está vazio... Comeram todas, a festa já acabou?
Uma dor no
coração, sensação de culpa, sou eu, sou eu, fiquei querendo demais, Deus
me castigou.
Veio alguém. Pai Chico cumprimentou: Comadre, boa
tarde. A festa de ano-novo, comadre... Foi ontem, Chiquitão. Dia 31, no
Réveillon. Desculpe, deveria ter avisado com mais detalhes. Problema
não, comadre, eu sabia; me esqueci. Volto outra hora. Um café,
Chiquitão, um minutinho só, dois dedinhos de prosa.
Pai Chico tomou
seu café, conversou com os compadres e eu fiquei passeando no entorno da
piscina, olhando a beleza do lugar e imaginando a festa feérica que
devia ter sido o Réveillon da Fazenda da Mata. Aprendi; Réveillon, essa
palavrinha quer dizer festa de ano-novo, mas não é de ano-novo, é o
enterro do ano velho. Como será o gosto de uma torta de limão?
Que pena que a festa já tinha passado.
ResponderExcluirSempre por aqui um belo conto.
Beijos.
Oi Clara!
ResponderExcluirEstes causos da Eliana são sempre muito bons! Que frustração heim? Nada como a dura realidade para ensinar.rsss
Beijinhos!
Clara, seus textos são ótimos, dispensam comentários. As vezes perdemos coisas na vida, mas aprendemos lições que nos duram pro resto de nossos dias da vida, o aprendizado de não comer a torta é mais valioso do que o sabor de tê-la comido simplesmente, o gosto da lição durará pra sempre e outras tortas virão, de limão, de maçã, de chocolate...
ResponderExcluirNosso novo blog, com músicas de todas as gerações, visite-nos e seja nosso seguidor:
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Com carinho
Ghost e Bindi
http://dovinilaomp3.blogspot.com , agora com atualizações por email, como vc nos sugeriu, amiga.
ResponderExcluirCarinhosamente
Ghost e Bindi
Olá, Clara.
ResponderExcluirUma pena teres perdido a festa.
São estas pequenas decepções que nos aprontam para a vida, pois através delas aprendemos que nem sempre as coisas sairão como esperamos, e temos de aceitar isso.
Abraço.
Oh dó! Tadinha da menina... lindo o texto. Merecia uma continuação.
ResponderExcluirBeijinho e uma doce semana
Ruthia d'O Berço do Mundo