Um texto de Eliana Teixeira, uma mineira super talentosa e amiga virtual.
Não sei que idade eu tinha quando essa história se deu. Lembro-me que morávamos na casa velha, e eu era bem pequena. No meu quarto tinha duas camas: a de Leninha e a minha. Na parede em frente à minha cama havia esse quadro assustador onde duas crianças atravessavam uma pinguela muito perigosa, e protegendo-as, estava um enorme e lindo Anjo da Guarda, envolvendo as crianças com suas asas. Debaixo da ponte, ameaçador, parte demônio e parte dragão, estava o capeta tentando pegar as crianças. Eu rezava a oração do Anjo da Guarda com todo o fervor que minha alminha de criança podia amealhar, pra me proteger daquele capeta assustador. E ficava com medo de por os pés no chão porque nosso piso era de tábuas largas, com frestas, e havia uma espécie de porão debaixo da casa, esconderijo perfeito para aquele capeta dos infernos. Ah, era um alívio ver o dia clarear. Acho que esses perigos todos desaparecem com a luz do sol. Por isso as crianças gostam de luzes acesas. Essas criaturas do mal só gostam das trevas. Não resistem à luz do dia. O dia amanhecia e era a senha pra brincar lá fora, no terreiro. Gostava muito de brincar na areia, ou no que eu chamava de areia: uma terra vermelha misturada com uns restinhos de areia mas que eu prezava muito. Ali eu desenhava, construía castelos, cidadelas, laguinhos com barcos de pétalas de rosa cheios de formigas, uma cidade dos sonhos.
A casa do meu avô era mais acima; era a casa grande. Hordas de netos iam e vinham e a casa estava sempre cheia de meninada. Numa dessas levas veio o meu primo Checo. Checo se transformou no meu melhor amigo da temporada. Descia para nossa cidade de formigas assim que o dia amanhecia e punha-se a cuidar do rebanho. Havia muitas vaquinhas feitas de manguinhas verdes. Estávamos ali, naquela areia vermelha a remexer, a criar estradas, a reabastecer o laguinho, que era uma latinha de sardinhas enterrada na areia, a buscar nova tripulação para os barquinhos de pétalas de rosas quando, de repente, veio, serpenteando pela areia, a cobra mais linda que já vi em toda a minha vida. Checo e eu ficamos paralisados, olhando a cobra listrada de um vermelho alaranjado, listras brancas fininhas, depois listras pretas. Era mesmo linda! Ficamos os três parados, nos entreolhando por alguns segundos, todos imóveis. Depois a cobra se moveu e calmamente seguiu seu caminho. Depois que ela se foi, saí correndo e gritando mamãe: - Mãe, eu vi uma cobra-coral! Maaãeee! A cobra! E mamãe empalideceu: - Ela mordeu alguém? Não, mãe, só olhou pra gente e foi embora. Era linda! Mamãe, que tem um incomensurável pavor de cobras, estava trêmula, e pedia que eu repetisse como era a cobra: - Era uma cobra-coral,mãe. E mamãe assustada: - Aquela de picada mortal! Mas eu não estava pensando nisso. Eu me maravilhara, e era isso que eu queria compartilhar.
Adulta, já matei muitas cobras atendendo aos gritos histéricos de mamãe. Mas nunca tive que matar uma cobra-coral. Espero que nosso pacto perdure para todo o sempre, e que, se elas cruzarem meu caminho, que nós nos olhemos respeitosamente e cada uma siga seu rumo.
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Minha primeira cobra coral
Marcadores:
crônica
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Obrigada, Clara Lúcia!
ResponderExcluirÉ de hipnotizar mesmo! Acho elas lindas! Tenho várias histórias de cobras, porém não sou boa de escrevinhar e contar como sua amiga!
ResponderExcluirBeijos meninas! Tenha uma semana maravilhosa...
Mulheres e cobras!!!
ResponderExcluirA D O R O!!!
Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...
KK
Um texto bem escrito e estas coisas acontecem muito.
ResponderExcluirBeijos.
Olá Clara, passando pra lhe desejar uma semana maravilhosa!
ResponderExcluirSobre cobras? menina, beeem longe de mim... rsrsrs
Bjs!
Clara, a sua amiga escreveu uma história linda. As crianças têm mm essa capacidade mágica de encontrar beleza onde os adultos são dominados pelo medo, pela incerteza, etc, etc.
ResponderExcluirConfesso que também tenho medo de cobras, mas elas são mais difíceis de encontrar.
Uma doce semana, querida.
Beijinho
Ruthia d'O Berço do Mundo
Eu tb morria de medo do escuro e do capeta. Lembro que dormi agarrada no pé da minha avó morrendo de medo depois de ver um documentario sobre diabo na globo. Espero vc no dia 13 viu? Beijos!
ResponderExcluirTambém tive um quadro destes bem acima da minha cama.Acho que toda criança daquela época teve um e como nos fazia sentirmo-nos seguras para passar a noite.
ResponderExcluirDiferente da experiência real que ela viveu em sua confiança infantil respeitando o espaço da cobra,e sendo por ela respeitada.È prova de que os adultos é que fazem o perigo tornar-se maior do que é.
Òtima narrativa.
Bjos, Clara.
Calu
Aconteceu-me o mesmo uma víbora, a mais venenosa cá das redondezas!
ResponderExcluirMas deixei i-la em liberdade!
Bjsss
clara eu nunca fiz nenhum pacto com a coral, não gosto de cobra. tenho medo. acho que nunca matei uma. abraços lamarque
ResponderExcluirClara, muito legal o texto!
ResponderExcluirJá postei também sobre cobra, eu queria criar uma quando criança, vê se pode?! kkkk
bjss
Oi Clara!
ResponderExcluirÉ, a cobra-coral é mesmo muito bonita, mas não quero encontrá-la nunquinha.rsss Quando pequena vi meu pai matar várias cobras e era um acontecimento para nós pequenos. A Eliana é uma boa contadora de histórias, vivenciei cada momento.
Beijinhos e uma semana abençoada!