quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Um belo sorriso
Finalmente dona Zuleica faria a viagem de seus sonhos: Aparecida do Norte.
Cinquenta anos de casamento com seu Pedro Paulo, uma vida dura, de poucas regalias, e que os filhos fizeram uma "vaquinha" e presentearam os pais com uma viagem numa excursão. Dona Zuleica não se cabia de tanta felicidade! Economizou durante meses, só para poder comprar roupas, sapatos e... dentes! Isso mesmo, ela trocaria todos os dentes por uma dentadura. Agora era a hora, afinal queria chegar bem apresentável diante de Nossa Senhora Aparecida.
Mas com tanta ansiedade, o tempo foi passando... passando... e no mês da viagem é que dona Zuleica se lembrou de marcar horário com o dentista. Marcou na semana da viagem:
- Acho que dá, né, Pedro? O dentista não tinha outro horário.... também é só arrancar tudo de uma vez e pronto! Dentadura deve ter aos montes... só ir experimentando e a que couber, é essa mesmo. - conversava animada com seu Pedro Paulo, que mal lhe respondia.
No dia marcado, lá foi dona Zuleica arrancar os dentes. Já não tinha todos, mas queria de verdade um sorriso lindo, branquinho, sem falhas.
Mas... o dentista ainda marcou para o meio da semana, porque aquela era a primeira consulta, só para ver o que fazer, o preço e a forma de pagamento. Dona Zuleica já ficou nervosa, mas voltou na próxima consulta. Arrancou os dentes de baixo. No outro dia voltou e arrancou os dentes de cima. Pronto! Não... ainda tinha que fazer o molde e depois a dentadura. Resumindo: teria seus dentes na noite anterior à da viagem. Tudo bem, o importante é dar tudo certo. E deu tudo certo! Dona Zuleica finalmente tinha um sorriso lindo.
No dia da viagem, acordaram de madrugada e um dos filhos foi levá-los para o local onde sairia o ônibus. E cona Zuleica quase que sem mexer a boca, pois ainda não se acostumara com a nova dentadura. Não conseguiu comer nada antes de sair... a gengiva ainda estava um pouco inchada.
Durante a viagem, a coitada não pregou os olhos, e a viagem demoraria umas seis horas e chegariam no destino quase que na hora do almoço.
Chegando, primeiro se instalaram no hotel e depois procuraram um restaurante para almoçar. Mas quem disse que dona Zuleica conseguia abrir a boca? Nada! Só líquidos:
- Mas "muié", se você não comer, não vai conseguir parar em pé! - disse aflito seu Pedro Paulo para aquela esposa amada, mas teimosa como uma porta.
- Então tapa aqui minha cara que vou tirar a dentadura para comer... - respondeu, olhando para os lados para ver se alguém ia perceber.
O marido lhe tapou a frente e ela naturalmente arrancou a dentadura e colocou no colo, e sobre ela o guardanapo de papel. Aí sim, conseguiu comer tranquilamente, cortando os alimentos em pedaços bem pequenos para não ter dificuldade para engolir. Terminado, foi ao toilette e colocou a dentadura de volta. Pronto! Missão cumprida!
Descansaram um pouco no hotel antes de saírem para a Igreja... - Que linda! - dona Zuleica não se cansava de dizer, olhando aquela maravilha de longe. Mas a bendita dentadura não a deixava em paz! Ficava pegando num cantinho que chegava a sangrar, afinal ela ainda estava com os pontos devido aos dentes extraídos. E ia toda sorridente, caminhando naquela passarela imensa, mas com uma dor e um gosto de sangue que a deixava inconformada.
Chegando dentro da igreja, se sentou e começou a reclamar para o marido, que não estava mais aguentando a dor na gengiva.... e mais uma vez pediu para que ele lhe tapasse a frente para tirar aquela "porcaria". Ele fez o que ela pedira.
- Ai, que alívio, "véio", vou guardar ela na bolsa.... depois eu coloco de novo! - e ria para o marido, que retribuía, já que conhecia tão bem aquela "pequena", como ele costumava chamá-la na intimidade até hoje.
Mal conseguia falar pela falta dos dentes, e entre uma palavra e outra, ficava mastigando um vazio, roçando uma gengiva na outra, e completamente aflita, mas muito feliz em conhecer a casa de sua mãezinha santa.
Assistiram à missa, rezaram bastante, tiraram fotos, mas com dona Zuleica sempre com a mão na boca, tentando esconder o murcho que se tornou o que era para ser um belo sorriso. Mas mesmo assim, estava tão feliz que nem se importou. Afinal estava na casa sagrada de sua santa de devoção, e a cada canto que conhecia, era um deslumbre de encantamento, fazendo com que seu Pedro Paulo morresse de rir da mulher, que mesmo com a boca murcha, ainda era a mulher mais linda que havia conhecido.
Foi uma viagem inesquecível, que eles aproveitaram para comemorar uma segunda lua-de-mel, depois de cinquenta anos de uma união feliz e cheios de amor, apesar de todos os pesares.
A dentadura? Sumiu! Dona Zuleica a perdeu não se lembra onde, e também não fez a mínima diferença. Esperaria os pontos cicatrizarem para depois colocar outra, novinha, agora com mais calma, até se acostumar com o novo sorriso.
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Isso sim é saber aproveitar! Gostei de Dona Zuleica, tem atitude! kkkk bjsss
ResponderExcluirrsssssss....Sabe viver ela.rs Com ou sem dentes!!beijos,chica
ResponderExcluiroiiiiii amiga, arranjei um tempo para vir lhe fazer uma visita diária ao seu belo espaço , desejar-lhe uma boa tarde, felicidades e tudo de bom..
ResponderExcluirSe você quiser passa la no meu blog de poemas, seria um prazer ter-te por lá http://assombrado-mc.blogspot.com abraços