sábado, 16 de dezembro de 2017

Em Qual Segundo O Amor Se Perdeu?


 Alô, por favor, tem algum quarto pequeno e simples vago aí? Sim, pode ser, em meia hora eu chego e acerto tudo. Obrigado! — Arnaldo, após fechar a mala, lavou o rosto e ficou se olhando no espelho.
Enquanto detalhava sua fisionomia refletida, procurou uma explicação para que tudo tenha terminado tão rápido. Ontem mesmo havia se casado, tudo lindo e perfeito!
Anitta, linda toda de branco e com um sorriso terno e cativante, que foi um dos motivos que ele tinha se encantado. Meiga, calma e charmosa, chegava a irritá-lo quando precisava de uma urgência ou de uma rapidez que pra ela seria incapaz de executar. Os opostos se atraem e com eles não foi diferente.
Arnaldo apoiou as mãos na pia, abaixou a cabeça e chorou. Foi a primeira vez que lamentou não ter dado certo a união que prometia ser eterna. O amor também acaba...
Anitta ficaria no apartamento, ele seguiria seu rumo sem certeza nenhuma. Apenas partiria.
Olhou novamente seu reflexo e, voltando os pensamentos ao passado, tentou se lembrar em qual instante o amor havia se perdido. Não conseguia se lembrar. Talvez o desgaste, a falta de diálogo ou de tempo para os dois. Lembrou-se da época de namoro quando os dois tinham tempo um para o outro. Finais de semana, feriados, ou mesmo à noite, durante a semana, sempre davam um jeito de estarem juntos.
A rotina acabou com o casamento exatamente um ano depois.
Não tinham mais vida social, os amigos se afastaram, ou melhor, eles se afastaram dos amigos, o encanto havia se transformado em presença invisível, tudo muito automático e tedioso.
Não se lembrava de ter conversado com Anitta sobre o assunto. Ela também não gostava de discutir relação e nem implicar com nada. Apenas vivia sua vida tranquila e talvez a responsabilidade de dirigir uma casa tenha sobrecarregado sua rotina. Estava sempre cansada, mesmo não reclamando, era clara a insatisfação em ter que fazer coisas corriqueiras. Arnaldo ajudava, mas reconhecia que deixava a desejar na ajuda doméstica. Talvez ele esperasse por um puxão de orelhas, ou então uma ordem para fazer isso ou aquilo, mas partindo de Anitta, a tranquilidade em pessoa, seria impossível. Não percebeu que os dias passaram e que Anitta foi perdendo o interesse pela vida de casada.
Lembrou dos conselhos de sua avó, de que quem governa o lar é sempre a mulher. Ela quem determina como será a vida a dois, o momento de cada coisa e, para ele ficar atento, pois se ela se desinteressasse, dificilmente voltaria atrás. Uma luz brilhou refletida no espelho e Arnaldo chegou à conclusão de que nem todas as mulheres são como sua avó mencionou. Talvez Anitta fosse diferente, e ele ficou esperando ela governar uma casa que nem ela mesma queria governar. Talvez ela esperasse uma atitude voluntária de sua parte em participar dos afazeres.
Por fim, pela falta de interesse dela, ele saía com amigos e até se interessava por outras mulheres, mas a presença da mulher era grande demais para se aventurar em outras camas. Para ele era normal ser assim, mas hoje, depois de fechar a mala, percebeu que foi ele quem se afastou do casamento. Ela sempre esteve ali ao seu lado, e ele preferiu se calar e esperar por uma atitude dela.
Um arrepio percorreu sua coluna só em pensar em Anitta nos braços de outro homem... Será?
O que diria sua avó? Seus conselhos seriam bem-vindos nessa hora, mas preferiu resolver tudo sozinho.
Arnaldo colocou os sapatos, pegou a mala e o casaco que estava sobre a cama, respirou fundo e seguiu para a sala.
Anitta estava sentada no sofá, pernas cruzadas, braços abertos e apoiados no encosto do sofá, e olhou profundamente o marido. Também respirou fundo e chorou. Arnaldo, vendo aquela cena não se conteve e se ajoelhou aos seus pés, como se implorasse uma segunda chance a ela, em nome do amor. Não disse nada, apenas ficou esperando uma palavra dela. E a história de esperar uma atitude de Anitta se repetiu. Com dificuldade disse a ela que a amava, que não queria sair dali com mágoa e se houvesse uma única chance de recomeçar, ele aceitaria as condições que ela quisesse.
Anitta levou as mãos ao rosto e chorou. Depois limpou as lágrimas, colocou suas mãos sobre as mãos dele e disse que também o amava, mas estava cansada e queria ficar sozinha um pouco. Não havia se adaptado ao casamento e estava incomodada com o descaso dele todos os dias. Na verdade ela não percebeu que esse era o jeito dele.
Arnaldo, num impulso, levantou-se, segurou as mãos de Anitta, e fez com que ela também se levantasse. Imediatamente ela o abraçou, forte...
Se beijaram e logo se entregaram um ao outro. O sexo era o ponto forte daquela relação. Arnaldo não soube precisar quando o sexo deixou de fazer parte da rotina. Para ele era sempre o cansaço dela, e para ela era o descaso dele durante o dia que a deixava sem vontade nenhuma de ter relação com ele. Como sempre um não soube decifrar o que o outro queria. Queriam que desse certo, mas nenhum dos dois tomou a iniciativa para evitar o fim do casamento.
Se declararam, apaixonados... A noite toda se amaram...
Arnaldo, tranquilo em sua cama, levantou-se de manhã, abraçou Anitta acordando-a. Ela, porém, se afastou dele e disse que o que havia acontecido foi apenas uma despedida. Ela não havia mudado de ideia da separação.
Arnaldo foi ao chão! Não conseguia entender o raciocínio dela em consentir uma noite maravilhosa e depois afirmar que estava tudo acabado.
Ele sentou-se na cama sobre os calcanhares e riu...
Isso deixou Anitta muito irritada. Ela levantou-se, se enrolou no lençol e foi ao banheiro. Antes de fechar a porta disse a ele que não sairia de lá até que ele pegasse suas coisas e fosse embora.
Arnaldo, colocou as mãos na cabeça, respirou fundo, vestiu-se, pegou a mala e saiu, batendo a porta atrás de si.
Antes de entrar no elevador, começou a chorar, depois a rir, depois ficou sério.
Anitta chorou compulsivamente no banheiro e ficou lá, sentada no chão, a manhã toda.
Teve rompantes de arrependimento, mas sabia que se continuasse com Arnaldo, tudo voltaria a ser como antes. Não reconheceu que também falhou ao não se abrir com ele sobre a sobrecarga doméstica que sentia todos os dias. Para ela, era obrigação dele saber o que fazer.
Ela era mais independente que ele, se virava sozinha há anos. Arnaldo não, sempre foi orientado a fazer isso ou aquilo.
Anitta esperava uma atitude digna dele, pelo menos em insistir em continuar o casamento e teve a decepção quando ele concordou, sem discutir, em sair de casa. Para ela ele já esperava e até queria se separar, pela frieza com que ultimamente a tratava. E ele, sem entender nada, preferiu não piorar a situação e seguir seu rumo.
Coisas de casal.

Clara Lúcia

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Quando O Pra Sempre Acaba


Quando temos um amor que ficou no passado, mas que o consideramos o ideal, que não ficamos juntos por culpa do mundo, que cada um foi pro seu lado sem motivo nenhum...
Alguns já devem ter tido esse pensamento, de amor do passado que, provavelmente, teria dado certo se não fosse o "se"...
Há um ditado que diz que tudo que nos pertence junto de nós permanece. Não gosto muito de ditados não, e esse eu acho duvidoso.
Tem um outro ditado que diz que se não deu certo não era pra ser. Também discordo.
Quando queremos algo, claro que lutamos, claro que teremos, independente do "se".
Quando não dá certo, certamente uma das partes não queria, e a outra lamenta por anos a fio a perda da oportunidade de um amor pra sempre.
E se afastam...
Cada um segue sua vida, e, mesmo uma das partes não tendo se esforçado para que tudo acontecesse, ainda crê que aquele amor do passado sobrevive.
E um dia, talvez por conspiração, ou, eu acredito que seja, para resolver essa pendência e continuar seguindo em frente, há o reencontro.
Tudo volta à tona, todas as lembranças, sentimentos não vividos, mas imaginados, sonhados...
E a esperança de renovar aquele amor do passado se faz viva.
E morre logo a seguir.
São outras pessoas, outras vidas, outros assuntos, outros objetivos, outras paixões.
Talvez a maturidade não deu espaço aos sonhos joviais e eternos.
A maturidade é cruel às vezes. Nos priva de sonhar lá na frente, de imaginar a eternidade... A realidade toma conta de tudo e acabamos admitindo que não é bem assim agora.
Agora não dá mais...
E dói...
E dói menos que naquela época da separação por causa do "se". Maturidade ingrata! Por que não permite sonhar lá frente de novo?
Porque naquela época não era amor. Era paixão. E paixão cega todo mundo. E éramos cegos um pelo outro, química absurdamente incontrolável, faíscas nos olhares e borboletas no estômago. Quem nunca?
Tudo bem! A maturidade nos sacode e nos esfrega na cara que podemos ter e ser o que quisermos, mas nem tudo nos é favorável.
Uma palavra mal interpretada e tudo vai por água abaixo.
Será que eu nunca havia prestado atenção nesse detalhe, meu Deus do céu?
Não, naquele tempo havia apenas a jovialidade e fome de viver intensamente tudo que estava ao alcance. E o que não estava, usávamos escada pra alcançar. Simples.
E os pensamentos de uma união nessa fase borbulham e morrem na praia.
Não era pra ser porque nenhum dos dois queria. Não era forte suficiente pra sustentar o sentimento. Nem era sentimento, era juventude. O distante se torna incógnita na vida. E o "se" se fortalece até o reencontro.
Que bom!
Acho que todo mundo deveria resgatar aquela paixão da juventude e constatar que foi melhor assim, que ninguém queria nada, só paixão mesmo, por isso cada um seguiu seu caminho. E o melhor de tudo, está tudo bem como está.
Uma paixão morta. Lembranças boas, vida que segue.
Se assim foi escolhido, tudo bem!

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Autossabotagem


"Sei o que fazer, sei como fazer, quero fazer, mas não faço!"
Todo mundo já deve ter passado por essa situação. Autossabotagem.
É estranho, mas nem tanto, é complicado, mas fácil de resolver, é difícil, mas vai depender unicamente da gente mesmo tomar as rédeas e começar.
Na verdade o que mais existe por aí são palavras negativas, desanimadoras, broxantes, tudo para poupar trabalho que nem há a certeza de que irá dar certo.
Zona de conforto.
O melhor lugar do mundo e mais destruidor de todos.
Tão mais fácil ficar quietinho, se contentar com o que se tem, agradecer e só. Que seja da vontade de Deus.
Alguém imagina Deus se locomovendo até aonde estamos e nos esfregando o que queremos na cara, sem nenhum esforço?
De que vale toda a inteligência e capacidade racional se é para ter tudo pronto? Praticamente a falência da mente, do raciocínio, do crescimento intelectual, da inteligência...
Ser inteligente não é saber tudo, mas é não se contentar com uma única resposta, é querer conhecer o que há por trás de cada coisa, é não deduzir nada e sim se informar sobre o resultado correto.
Ser inteligente é estar raciocinando o tempo todo, é estar com sede do saber, do conhecer, do viver, é estar com a curiosidade afiada à vida, é saber que pode ir além da sua capacidade.
Vejo as facilidades da vida hoje em dia e também vejo muita tecnologia adquirida. Pessoas pensantes e curiosas indo além da capacidade estipulada pela maioria.
Isso em todos os setores!
Jovens querem passar em concurso com a intenção de não mais se preocuparem em se qualificar e procurar evoluir dia a dia. Passam num concurso com ótimo salário e se instalam na zona de conforto. Tudo certo também. Cada um sabe o que melhor lhe sirva.
Outros tantos não se contentam em permanecer inertes num único emprego, e vivem mudando de atividade mais do que deveriam. Tudo bem também.
Outros têm a certeza de que há sempre o que aprender, o que começar ou recomeçar, com sede de saberes e fazeres, tudo bem, como os demais acima.
Mas, vamos pensar, se temos a inteligência e capacidade de ser o que quisermos, o que nos impede realmente de seguir em frente?
Várias desculpas!
Várias dificuldades imaginárias, tragédias antecipadas, faltas financeiras sem ao menos tê-las, preguiça... Ah, a preguiça, essa delícia de ser o que é...
Cada um é único, isso todo mundo já disse, mas cada um tem a capacidade de chegar aonde quiser, como quiser e a hora que quiser. Isso raramente alguém concorda.
É tão mais fácil colocar o "não" na frente e continuar confortável, não é?
Preguiça de ousar, de extrapolar o costume, de refazer uma rotina que já encheu o saco, de inventar um jeito mais prático, porém nada fácil, de quebrar ditados e modos e atravessar um mar de dificuldades estipuladas por outra pessoa, desafios medonhos que são mais fáceis do que chupar uma manga...
As desculpas são infinitas, desde objetos a pessoas, trabalhos a estudos, dores e amores, enfim, o "não" continua sendo soberano na vida da maioria.
Somente uma pouquíssima parcela que ousa viver além do que ensinaram. E chegam lá, com certeza!
Aonde?
Aonde quiserem, como quiserem, com quem quiserem, quando quiserem.
A decisão é individual. Tem um dom? Ótimo, já está meio caminho andado. Explore-o e seja o melhor do mundo!
Simples assim.
Ah, sim, estava me esquecendo, faça o favor de não anular o dom de ninguém e nem de bloquear sua vontade de evoluir, ok? Não dificulte a vida de ninguém! Não dificulte sua vida!

Clara Lúcia

domingo, 29 de outubro de 2017

Depois De Tanto Tempo

Escola Cel.Francisco Martins - Franca/SP

Este fim de semana, amigas e eu fomos a uma pizzaria.
Na saída, enquanto esperávamos por uma das amigas, passou por nós uma mulher, seus filhos e o marido. Tudo bem, sorrimos todas umas pras outras, ela parou a minha frente e disse que me conhecia.
Meus Deus, não me lembrei de jeito nenhum de onde e muito menos o nome dela.
Disse que estudamos juntas, nessa escola da foto acima.
Isso faz "somente" quarenta e quatro anos! E ela se lembrou de mim! Será que não mudei nada? Mudei sim, mas a fisionomia continua a mesma, é o que dizem...
Quando ela me disse isso, imediatamente me lembrei dela, que era a filha da professora do segundo ano primário, Dona Jupira, um doce de professora, claro que iria me lembrar dela, assim como me lembro de quase todas elas.
Depois de identificá-la que reparei nos seus traços e era ela mesma, Cléa, a aluna branquinha, pequenininha, que me ajudava nas redações corrigindo meus erros de português, na casa dela mesma, antes que a mãe corrigisse. Não sei se fazia essas correções somente com minhas redações, mas como poderia me esquecer disso?
Uma que me lembro claramente foi uma palavra que escrevi errado e nunca mais me esqueci de como se escreve: "ruim". Eu havia escrito "rui... era muito rui...", me lembro como se fosse hoje.
A letra dela era mais redondinha do que a minha, e não tenho certeza se a mãe dela, a doce Dona Jupira, não desconfiava da tramoia da filha.
Bem, se desconfiava ou não, nunca tive problemas com redações ou com a língua portuguesa, porque, naquela época, graças a Deus, tínhamos ditado e depois redações, várias redações, que nos permitia decorar a grafia correta de cada palavra.
Que alegria ao ficar sabendo da mãe de Cléa, a doce Dona Jupira, que ainda está viva e com noventa e um anos. Ela disse que a mãe tem falhas de memória, mas está bem de saúde.
Mandei um beijo e disse a Cléa que jamais me esqueci dela.
Professores, mesmo não tendo o devido reconhecimento, saiba que ele vem através dos alunos, que jamais esquecerão de vocês, passe o tempo que passar. Portanto, tenham amor à profissão, que é a base de todas as outras!
Não percam as esperanças de dias melhores, mesmo que a situação não esteja favorável, é uma profissão belíssima!
Que Deus abençoe a todos os professores e que os alunos se lembrem com carinho de vocês!

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Quando Eu Morrer, Não Tenha Medo De Mim


Quando eu morrer, não tenha medo de mim...
Continuarei a ser a mesma pessoa, que estará em outra dimensão. Você acredita na outra dimensão?
Eu sim. Acho um desperdício a gente viver somente aqui, num corpo perfeito, numa alma inexplicável, depois morrer e acabou. Muito pouco, não acha?
No começo sei que vai ser difícil, haverá choros e sofrimentos. Mas passa... Eu sei que passa... Você tem sua vida e deverá cuidar dela até chegar sua hora de partir, assim como eu partirei.
Talvez você sinta calafrios, tremores, arrepios e medo. Pode ser eu, ainda inexperiente, nessa minha nova morada, tentando me aproximar para matar a saudade. Mas nem todas as vezes que sentir essas coisas serei eu. 
Às vezes eu fico pensando na morte, em como ela chegará para mim, se de modo inesperado ou em conta-gotas. Pena não poder escolher, mas é melhor assim. Imagina a angústia ficar em contagem regressiva para o adeus terreno? Eu morreria! Hahaha, foi uma péssima piada!
Talvez você sinta uma brisa suave a movimentar seus cabelos, e se sentir vontade de fechar os olhos, suspirar e se lembrar de mim, saiba que, mesmo não sendo eu, de alguma forma saberei que me imaginou nesse instante. E ficarei feliz.
Acredito que depois da morte alguns sentimentos acabarão. Só o amor sobreviverá...
Talvez você sinta cheiro de rosas... Pode ser eu sentada num lindo jardim a lhe observar de longe... E sorrirei... 
Sinto saudades de muitos que já partiram. Quem será que verei primeiro? Será que vou poder abraçar, beijar? 
Talvez você sonhe comigo, um sonho leve, com luzes, brisas e crianças correndo. Bem, não entendo esse negócio de sonhos, mas sei que não ficarei nesse lugar lindo de imediato. Há todo um aprendizado a percorrer, até subir os degraus da evolução e sentir aquela paz tão recomendada durante o velório.
Por falar nisso, quem irá se despedir de mim?
Talvez você acorde no meio da noite e chore... Certamente chegarei correndo para lhe confortar... Choro a gente não deixa passar. Tentarei lhe tocar, lhe beijar, lhe abraçar, mas não conseguirei, e você não sentirá minha presença. Mas ficará sofrendo até adormecer novamente... E a vida seguirá, sem mim... E eu sem você. Eu lhe verei, você só terá lembranças...
Você estará perto de pessoas que lhe ama, que saberão lhe acolher, lhe confortar, abraçar quando precisar...
Eu estarei sozinha, pois terei uma caminhada até chegar ao plano dos que já se foram. 
Lembra quando eu dizia que nascemos só e morremos só? É isso.
Claro que não estarei sozinha isolada, haverá gente, quer dizer, almas por perto. Você seguirá sua vida, sua família estará por perto, por longos anos, eu espero. Aproveite a vida! Ela é muito preciosa para ser desperdiçada com sofrimento fútil. 
Lembra quando eu falava que a maioria dos sofrimentos nós mesmos que provocamos? Então, ainda acredito nisso. Mas são atitudes que só com o amadurecimento adquirimos. Quanta bobagem nós provocamos, em troco de nada... Quanta dor inútil... Quanto choro em vão... Quando na verdade o que vale a pena é nosso bem-estar, nossa saúde, nosso prazer na vida. 
Ainda acredito que a vida é única, no sentido de ser preciosa, de ser absolutamente divina e que jamais deve ser deixada para lá por causa de uma outra pessoa. Cada vida um valor. Nem mais, nem menos.
Talvez você não consiga entrar no meu quarto, mexer nas minhas coisas, sentir meu cheiro... Talvez você veja vultos...
Olha, lembra do amor que você declarou a mim por esses longos anos? Então peço-lhe que não sinta medo... Sou eu! Não tenha medo!
Vou olhar por você de onde eu estiver, isso eu tenho certeza! E se eu puder fazer com que você saiba disso, farei. Mas talvez não... O medo é traiçoeiro... Talvez demore alguns anos para que isso aconteça... Lembre-se que a alma é eterna, e no plano que estarei, não morrerei mais. 
Como será a contagem do tempo no céu? Podemos chamar de céu o lugar para onde vamos? Sei também que antes de chegar lá há uma longa caminhada, mas sempre fui disciplinada, então chegarei com tranquilidade.
E esperarei até o dia em que poderei lhe abraçar e matar a saudade...
Hoje já sinto saudade, mesmo estando assim, grudadinha em você...
Não se esqueça, nem hoje, nem nunca: eu te amo!

Clara Lúcia


domingo, 3 de setembro de 2017

Geração De Crianças Mimadas


Ultimamente a geração diminui cada vez mais. Antes, quando era contada de dez em dez anos, hoje, creio eu, é de cinco em cinco anos (se alguém souber, por gentileza, me informe).

Não se pode comparar gerações, pois cada uma tem suas delícias e suas derrotas, mas o que vemos hoje são crianças em redomas, que não podem ser contrariadas ou que não devem sofrer.

Um dia, faz tempo, um grupo de psicólogos disse que criança tinha que ter autonomia e decidir, desde cedo, o que queria. Me lembro muito bem disso, mas não sei quando foi. Até hoje fico pensando qual o aprendizado, qual a opção de uma criança que ainda não tem histórico nenhum, em escolher o melhor pra ela?

Hoje em dia está tudo muito fácil, o que não é errado, só que, claro, a maioria não aproveita essa facilidade.

Viajando na minha infância, tínhamos que buscar respostas, fabricar brinquedos, esperar a roupa ficar pronta, a comida era feita em casa, enfim, coisas de minha geração. Pra mim, que não sabia como seria se fosse diferente, não foi dificultoso. Era costume.

Na infância de meus pais, era bem difícil em tudo! Eram de família humilde, como a maioria era, e tudo era longe! Não havia condução coletiva, carro, só os ricos tinham. A comunicação à distância era através de carta, ou então pelo rádio, caso houvesse algum falecimento.
Aprenderam tudo na lida dura do dia a dia, e não sofreram nada com isso. Sobreviveram muito bem!

Meus avós moravam em fazendas, comiam o que plantavam, não tinham geladeira, o fogão era à lenha, tudo muito simples. Escola era muito difícil, pois era tudo muito longe. Minha avó apenas assinava o nome e, pra mim, era a pessoa mais doce e esperta que já conheci, justamente pela dificuldade de não saber ler nem escrever. Meu avô sabia. E também sempre foi um exemplo. Tiveram sete filhos e do mais velho ao mais novo, uma diferença enorme! O mais novo tinha bicicleta e depois carro. Desfilava pelas ruas como se fosse o famoso do pedaço. Tudo bem ser assim, mas engraçado como um objeto modifica uma pessoa.

Voltando a minha infância, me lembro que brincava sozinha, conversava sozinha e era muito curiosa, como toda criança é.

Mas as crianças de hoje, gente, o que mais eu ouço do pais "Nossa, mas meu filho é muito esperto, aprende tudo muito rápido". Sim, eles são assim mesmo pela quantidade de informações que recebem. E são tratados como tal, como gênios, donos da verdade e supremacia. Não podem ser contrariados e nem adianta impor condição nenhuma. Não estão nem aí pra regras. Não são todos, claro, mas uma grande quantidade deles sim.

Eu não me acostumo em ver criança dando birra em público ou então ofendendo pai e mãe, seja a hora que for. A hierarquia mudou de lugar, o respeito deu lugar aos caprichos, filhos mandando mãe calar a boca e debochando de alguma frase dita por ela. E nem digo que são ricos, que têm tudo, são simples também. E vejo pais reclamando desses mesmos filhos, dizendo que são sem educação, agressivos e que não respeitam nada. Por que será, né?

Dia desses ouvi uma filha adolescente mandando a mãe calar a boca porque ela ainda estava falando. Me deu arrepio, mas como não tenho nada a ver com a vida de ninguém, engoli e continuei quieta.

Pra quem é de uma geração em que uma olhada do pai bastava pra obedecer, hoje presenciando filhos mandando os pais calarem a boca, dói.

Geração que basta um clique pra ter tudo à mão, que basta teclar e já se comunica com quem quiser, que basta um celular e o mundo à volta se torna invisível.

Não sei como é viver numa geração diferente da minha, mas fui muito feliz quando era criança, mesmo não tendo condições pra ter o que eu queria. Escorregar na terra, esfolar os joelhos no asfalto, tentar subir em árvore e não conseguir, devido ao pavor de altura, arrancar a tampa do dedão no asfalto e voltar sangrando pra casa, ah, isso nunca teve preço! A gente cresce sabendo como é a dor, como é a derrota, como é o querer e não ter, mas que futuramente, com trabalho, pode se ter tudo o que quiser, isso me fortaleceu muito! E o sofrimento não dura pra sempre, a dor um dia vai embora, o sorriso às vezes fica incontrolável, as lágrimas continuam sendo salgadas, o suor é saudável, andar descalço fortalece o corpo, cair, machucar, sarar e continuar tudo no outro dia, isso só acrescentou em mim. E cair, pra mim, nunca foi problema. Sempre tive a opção de me levantar e continuar. Apenas continuar...

Cada geração com sua infância, seja como for, nem melhor, nem  pior, apenas diferente.

domingo, 6 de agosto de 2017

O Dia Em Que Eu Te Desconheci


"Eu passei por uma situação difícil, sabe? Agora nem tanto, mas ainda não entendo. Já estou em outra, ela também já está... Quer dizer, ainda não cabe na minha cabeça uma vida inteira ao lado de uma pessoa e, do nada, tudo muda!
Não sei qual foi o dia em que tudo terminou... Não sei se foi aos poucos... Estávamos bem, fazendo planos... Tínhamos planos de cuidar dos netos, viajar... Eu, como conheço muitos lugares no Brasil, disse que levaria ela pra conhecer os lugares que mais gostei. São lugares lindos, mágicos... E esse era meu plano. Depois de nossos filhos casarem, e vierem os netos, cuidaríamos deles também. E viajaríamos pelo Brasil, como eu fiz quando jovem... Queria mostrar tudo a ela.
Um dia, engraçado que não consigo me lembrar o que aconteceu antes desse dia... Então, um dia eu cheguei em casa, ela estava calada, disse que queria conversar e tal... Eu pensei que fosse coisa comum, do dia a dia... Daí ela veio com a conversa de separar... Eu parei e fiquei olhando pra ela, sabe? "Por que?" Eu perguntei. Ela falou tanta coisa que só consigo me lembrar de que ela estava cansada dessa vida, de mim, de tudo. Nunca fui de discutir. Fiquei ouvindo e sem acreditar, até pensando que seria passageiro. Nunca tivemos uma conversa sobre isso.
E já no outro dia minhas malas já estavam prontas. Foi o pior dia de minha vida! 
Sabe quando você vê seus planos indo pro ralo? Seu chão sumir? Era eu naquele dia.
Pedi um tempo até eu arrumar um lugar pra ficar. Nisso demorou uma semana.
Peguei minhas malas e fui embora. Ela nem sequer olhou na minha cara! Nessa uma semana fiquei pensando se eu tinha feito algo errado. Não, tenho certeza de que não fiz nada errado, ou nada que pudesse magoá-la. Ainda fiquei na esperança de ser alguma crise de TPM ou sei lá o quê. 
Me hospedei numa pensão no centro da cidade, simples, familiar...
Avisei meus filhos onde eu estava, eles vieram me ver e me abraçaram... Também não entenderam nada. São jovens, natural não entender essas coisas de gente madura.
Ficaram algumas coisas minhas na casa. Aliás, eu deixei tudo pra ela e pros meus filhos... Fui lá buscar e vi que ela havia trocado a fechadura. Entendo, agora a casa é dela, não é?
Esses dias minha filha disse que queria conversar comigo. Fui até lá e ela veio a mim e ficamos no carro. Ela disse que a mãe estava namorando e que o homem esteve lá na noite anterior tomando cerveja com ela. Minha filha estava indignada! Me doeu o coração, sabe? Mas faz parte da vida. Expliquei que agora a mãe é livre, que eu também sou livre e podemos namorar quem quisermos. Eu também já estou namorando, e está bom assim, namorando. 
Olha, depois de dois anos separado ainda não entendo como uma vida a dois pode ser desfeita assim, tão facilmente. De que adiante planejar, querer, programar, pra depois acabar tudo, desmoronar tudo?
Que vida é essa? 
Minha namorada quer que eu vá morar com ela, mas não vou! Não agora... Talvez um dia, quem sabe?
O que sobrou? Só o dinheiro da pensão, que tenho que ser correto, que não posso atrasar nem um dia, que quando sobe o salário ela já aciona o advogado pra aumentar a pensão... Isso que sobrou.
Como pode viver mais de vinte anos com uma pessoa e depois não poder nem conversar? Nem amizade ficou...
Ah, mas tá bom, espero que ela se ajeite com quem ela quiser. Eu também estou bem, e está tudo bem assim."

Esse foi o desabafo de um amigo...

Clara Lúcia

sábado, 22 de julho de 2017

Depressão Não Tem Cura

Foto pertence ao blog Simples e Clara


Uma fase, acho que a mais difícil da minha vida, quando me separei, me vi sozinha com duas crianças pequenas. Hoje sei que não estava sozinha, mas na época era o que sentia, solidão. Perdi o chão. A responsabilidade de ter filhos pequenos, sem trabalho fixo, extremamente magoada, decepcionada... "E agora, o que eu faço?" — pensava.

Um dia acordei e chorei. Muito! O dia todo. E no outro dia também. Disfarçava quando meus meninos estavam perto, depois me recolhia em algum canto e continuava a chorar. Não me lembro o que se passava em minha cabeça, acho que tudo, desde o começo, não só do casamento, mas o começo da vida. E dúvidas, dúvidas, dúvidas.

No outro dia continuei chorando... Minha mãe me telefonou e eu não consegui disfarçar e nem responder nada do que ela perguntava. Só me lembro de ouvir dela "Arruma suas coisas que vou aí te buscar".

Obedeci. Tranquei a casa e fui. Continuei chorando. Voltei pro meu quarto de solteira, agora com meus filhos. Que tristeza... Não pelo fim do casamento (todo fim é sofrido), mas por tudo, por onde eu tinha errado, porque estava acontecendo tudo aquilo, enfim, mais perguntas sem respostas.

Daí em diante me tranquei. Trabalhava como autônoma e com isso conseguia me manter, e, claro, com a ajuda do ex e de meus pais também. Não saía de casa mais pra nada, a não ser levar os filhos à escola! Era casa, filhos, casa, filhos. Só isso. Engordei muito. 

Passado mais um tempo não me importava com mais nada, além de meus filhos. Digo que fiquei uma pessoa idosa e sem alegria nenhuma.

Quando me deitava pra dormir, conversava com Deus. Perguntava a Ele até quando eu viveria? Queria uma resposta, saber quando seria meu último dia. Comecei a ter insônia. Passava noites em claro, me alimentava mal, mas meus filhos ficaram inume a tudo isso. Graças a Deus! Quando acordava na manhã seguinte, ao abrir os olhos, questionava Deus por eu ainda estar viva. Queria nunca mais acordar, queria sumir dali, desaparecer e contava com a ajuda d'Ele. Ficava até brava em ter acordado. Nas noites de insônia eu planejava minha morte. Como seria eu morrer? Como eu morreria sem causar sofrimentos às pessoas? Mais uma vez pedia ajuda a Deus, pois não tinha coragem de acabar comigo. 

Ele nunca atendeu meus pedidos...

Depois de um bom tempo, talvez anos, comecei a ter taquicardia. Do nada meu coração acelerava. Ficava com medo de entrar nos lugares e morrer sufocada. Filas, bancos, supermercados? Tinha pavor! Sentia calafrios e taquicardia. Sensação de morte...

Numa de minhas idas ao minimercado, perto de casa (já havia voltado pra minha casa), na fila do caixa, comecei a sentir tonturas. Deixei tudo lá e disse pra moça do caixa que não estava me sentindo bem. Ela, gentilmente me ajudou a atravessar a rua. Eram duas quadras de minha casa... Custei a chegar... Liguei pro meu pai e pedi que me levasse ao Pronto-Socorro. 

Cheguei lá o médico fez os exames de praxe e pediu pra que eu me levantasse. Eu respondi que não aguentaria, que iria desmaiar, ou então morreria ali mesmo. Ele insistiu e eu obedeci. Fiquei encostava na mesa, com tonturas. Ele pediu pra eu me sentar e disse que eu não tinha nada. Eu fiquei nervosa e perguntei a ele se ele não via que eu estava morrendo. Ele disse pra eu me acalmar, receitou um floral e disse pra quando eu chegasse em casa, deitasse e não pensasse me nada, apenas respirasse e só isso. Diagnóstico: Síndrome do Pânico, e provavelmente também estava com Depressão.

Acho que depois de ouvir isso de um estranho me dei conta do que eu estava fazendo com minha vida. Hoje eu sei que provoquei, que talvez tenha sido fraca, que não soube lidar com a situação, que, de certa maneira, me tornei vítima da vida e de todos.

Muitas coisas aconteceram durante esse relato, mas o que eu queria colocar era isso: Depressão, mais a Síndrome do Pânico, matam! Perdemos a noção da vida, das coisas, dos valores, das pessoas... Perdemos tudo! A dor é tão intensa e inexplicável, que queremos acabar com ela a qualquer custo. Qualquer lugar seria melhor do que a vida vivida. É a dor da alma... É uma tristeza constante, um desânimo, que pode muito bem ser disfarçado. Mas lá no íntimo é morte em vida, é o desassossego de respirar, de enxergar, de comer, de beber, de fazer coisas, de ter coisas, de ser coisas... É o "tanto faz" estar aqui ou lá, respirar ou não, viver ou morrer... Tanto faz.

Ainda demorou alguns anos pra eu me sentir "curada", mas sei que Depressão não tem cura. Apenas não permitimos mais que tudo isso se aproxime

Cada pessoa lida de um jeito. Eu, por exemplo, desviei o foco, mudei de direção, deixei pra trás o passado, voltei a enxergar cores, voltei a me enxergar no espelho... Vocês sabiam que quem tem depressão não se enxerga no espelho? Não se identifica com a imagem refletida?

Deus não ouviu minhas preces... Obrigada, Deus! Obrigada por ter me confiado filhos maravilhosos! Eles me seguraram por aqui... 

Tem um texto meu, de 2014, que é um dos mais lidos: O Dia Em Que Eu Venci A Depressão

Portanto, não subestime quem tem sintomas de Depressão. Não é frescura, nem falta do que fazer, nem falta de umas chineladas e muito menos falta de um pinto. Quem tem Depressão precisa de ajuda sim! Tenha paciência e nunca, em nenhuma hipótese, julgue o outro. Ninguém sabe o que se passa e as consequências em ouvir o que não se deve, o desnecessário. Se não tem palavras de conforto pra transmitir, fique calado. 

Clara Lúcia

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Dia dos Moços


Dia desses encontrei Rominho, de nome Romildo, caboclo forte, robusto, moreno e careca. Ah, me lembro muito bem o medo que esse menino tinha de ficar careca! Imagina? A homarada da família tudo careca e ele num ia ficar? Capaz!

Éramos amigos do tempo em que morávamos na roça. Nunca mais tinha visto ele, e, do nada, encontrei o caboclo perambulando pela rua, ora essa! Foi ele quem me conheceu, me gritou e veio com o mesmo sorriso fácil de sempre, pronto pra um abraço apertado. Diz ele que continuo o mesmo. Olha, não sei se isso é elogio ou não, mas contando o que já havíamos aprontado na infância e juventude, qualquer palavra dele é um elogio pra mim.

Conversa vai, conversa vem... E saiu da boca dele a Raquel. Ei, ai... E quem não se lembrava da Raquel?

Era Rominho, eu mais Tiago. O trio do sertão que galopava ligeiro e que tinha a pele queimada do sol, como se fôssemos mulatos. Chegava a brilhar o suor nos braços roliços. Hoje vendo esses jovens se acabando em academias, não têm a barriga dura igual a gente tinha naquele tempo. Dava pra contar os gominhos, mesmo não fazendo tanto sucesso quanto hoje. Nem eu nem Rominho preservamos os gominhos. Cheguei à conclusão quando o vi, que a vida é ingrata, mesmo sabendo que nós é quem somos ingratos com a vida. Custava ter preservado pelo menos os gominhos? As meninas até gostavam, mas quem fazia sucesso era Tiago. Como muda a vida! Rominho tá casado e já é até avô! Só falta falar que também usa dentaduras, aí seria derrota demais da conta!

Raquel, morena roliça, de pele brilhosa, coxa forte e bunda arrebitada. Jesus, o que era aquilo? Tinha idade pra ser nossa mãe, mas ainda bem que não era. E a danada gostava da coisa, de tudo de uma vez...

Quando ela chegava no pasto só soltava um assovio e nós três, em sincronia, olhávamos pra ela e saíamos correndo. Parecia até a mãe chamando, numa sangria desatada! E mesmo assim a gente nem corria quando a mãe chamava! Quem chegasse primeiro ganhava um beijo. Os outros não! Tinham que ficar esperando a vez, mas podiam ver tudo, serviço completo! Depois chamava o outro e depois o outro. Quem não estava na labuta ficava esperando, já em ponto de bala! Adivinha quem sempre ganhava o beijo? Rominho! Muleque comprido, canela fina e corria igual um cavalo. Ninguém ganhava dele! 

Qualquer lugar era lugar, no meio do pasto, na beira do rio, no meio das bananeiras, não importava, Raquel chegava com o lugar já escolhido e nós íamos seguindo em fila indiana, como filhotes de patinha a acompanhar a mãe rígida. Essa era a alegria dos moços da roça!

A gente esperava por esse dia, que às vezes demorava, às vezes eram dois ou três dias seguidos. O bom de ser nós três juntos é que quem ficava olhando, também ficava vigiando se avistava o Benito, o namorado de Raquel. Aquele sim era um armário perigoso. Nem preciso dizer nada dele. Apenas vivíamos a adrenalina do medo seguido de tesão. Mas vem cá, que vida chata de quem não tem aventuras, não é? Que histórias contaria pros filhos e pros netos? Rominho ria enquanto se lembrava de Raquel e do nosso medo do namorado dela, o Benito. 

Será que ela casou com ele? Só sabíamos que ela havia se mudado pra cidade e nunca mais pousou aquela bunda redonda na roça... 

Rominho se formou doutor advogado, família feliz, quase rico, escritório particular, carrão do ano... Eu continuo na mesma, não na roça, mas na cidade, no meu primeiro emprego, numa autoescola. Dando aulas. Quase trinta anos no mesmo lugar. Caramba, como o tempo passou e eu nem percebi! Poderia ter me formado também, ter tido uma casa boa, carro bom, mulher bem cuidada, filhos formados... Mas não, a única aventura de que me lembro era me aliviar com Raquel. 

Tiago, nem eu nem Rominho tínhamos contato mais. O que fez de Tiago?

Na época ele era o come-quieto, sabe? Aquele que surpreendia, que chegava pelas beiradas e fazia um estrago nos corações das moças. Também, loiro de olhos azuis! E era bonito, porque tem loiro de olhos azuis que é feio igual um diabo! 

E Raquel, que fim levou Raquel? E Benito, o noivo dela? 

Saudade daquele tempo, daquela roça com as pastagens verdinhas, os cavalos que a gente galopava sem arreio, na pele mesmo, da cachoeira gelada que fazia a gente encolher tudo, do pé de jatobá, ô fruta difícil de comer, mas a gente comia com gosto, porque era só apanhar e pronto. Do fogão a lenha, da horta verdinha, e do bananal, que maravilha! De manhãzinha, quando a gente acordava, ia na varanda, com a caneca de café, só pra ver o nascer do sol. Visão mais linda nunca vi igual! O céu azul escuro ia clareando, aos poucos o amarelo ia empurrando o azul pra cima, um clarão atingia nossos olhos e lá estava ele, todo imponente, majestoso, grande, quente! E a vida começava, dia após dia... 

Parece que foi ontem! Obrigada, meu amigo Rominho, por me trazer tantas lembranças boas!


Clara Lúcia

quarta-feira, 15 de março de 2017

Marinalva Das Dores



      Fazia um calor infernal na pequena casa sem forração, e o mormaço do fogão com as quatro bocas acesas provocavam suores que escorriam pelo rosto de Marinalva. Vez em quando enxugava as gotas com a manga da blusa, mas mesmo assim não parava de pingar suor em seu colo murcho. Depois de quatro filhos era impossível manter um corpo apresentável, e ainda mais com uma frágil saúde que obrigava Marinalva a se arrastar pelos cantos tentando deixar a casa em ordem.

      Aflita, olhava o relógio várias vezes. Não queria atrasar o almoço de Pedro José, o marido, sisudo, tímido, quase não falava e dificilmente sorria. Brincava com as crianças quando estava disposto, o que acontecia raramente. Não tinham diálogo íntimo. Marinalva não tinha disposição para nada a não ser cuidar da casa, dos filhos e reclamar de dores pelo corpo. Era dor que não acabava mais... Dia e noite dolorida... Virava na cama e, dormindo, reclamava. Pedro José nem dava mais ouvidos a ela. Cansou. Cumpria suas obrigações e nada mais. Marinalva ganhou, no último aniversário de casamento, um vestido florido, lindo, um par de sandálias com cristais, um botão de rosa, um perfume adocicado e duzentos reais, que era para ela comprar o que quisesse. Dedicada à família, preferiu comprar coisas para a casa. Isso irritou Pedro José, mas mesmo assim não reclamou. Já havia se acostumado com ela. Quando estava um pouco melhor, Marinalva até procurava por ele debaixo dos lençóis. Ele respondia aos seus carinhos, depois virava para o lado e dormia. Ela dormia tranquila quando tinham intimidade, acordava disposta, sorridente e ele tinha a certeza dela caprichar no almoço.

      Marinalva olhou o relógio e já havia passado dez minutos sem que Pedro José chegasse. Estranhou porque ele nunca se atrasava. Foi até a janela, respirou a brisa fresca, fechou os olhos e ouviu, ao longe, um casal de maritacas no topo de uma árvore, e no fim da rua crianças brincavam na maior gritaria. Se lembrou que seu marido sempre brincava um pouco com esses meninos antes de entrar em sua casa. Ela olhou para um lado, para o outro e nada de Pedro José.

      Serviu seus filhos, todos pequenos, e olhava sem parar as horas que passavam rápido demais. E nada de Pedro José. Não almoçou. Perdeu a fome e começou a ficar preocupada. Nem um recado nem nada!

      À tarde, no costumeiro horário de voltar para casa, Pedro José chegou, olhos vermelhos, cheirando a álcool e cigarro, cabeça baixa e sem falar nada. Marinalva segurou-o pelo braço e insistentemente perguntou o que estava acontecendo. Ele virou a ela e simplesmente disse que estava indo embora de casa. Não tinha explicação, só isso, ia se separar dela. O choque foi tão grande que ela caiu sentada no chão. Ele olhou para aquela cena que para ele era patética, foi para o quarto, arrumou algumas poucas coisas numa sacola velha, deu um beijo em cada filho e saiu pela porta sem olhar para trás. Depois voltou e disse a ela que não a deixaria sem dinheiro para cuidar dos meninos.

      Marinalva não conseguia reagir. Permaneceu sentada por um bom tempo... "Aposto que encontrou outra mulher, só pode, aquele fiii du'a égua!", cochichava, com cuidado para os filhos não ouvirem. Despencou num choro incontrolável... Os meninos, sem entender nada, mas acostumados a ver a mãe choramingar, sentaram ao lado dela e ali permaneceram. Marinalva, que geralmente não tinha forças para se levantar, se arrastou até a cama, apoiou-se na madeira e ficou em pé. Ainda chorando, se arrastou até a janela e soltou um grito.

      A vizinha Zuza, que varria a calçada, correu para acudi-la. Preocupada, entrou na casa dela para saber os detalhes de tanto choro e sofrimento. Marinalva, entre soluços e lamentações, contou o acontecido. Zuza, inconformada, começou a xingar Pedro José de todos os nomes possíveis, rogando-lhe praga e mais praga. Também deu sua opinião dizendo certeza ter sido alguma quenga que virou a cabeça dele. Marinalva ouvia e chorava aos soluços.

      Zuza se prontificou a ajudá-la no que fosse preciso, afinal tinha quatro filhos pequenos para cuidar e agora estava sozinha e tal. Já era noite, Zuza arrumou o que comer para os meninos, arrumou um prato para Marinalva e outro para si, e comeram em silêncio. Depois se despediu dela e foi tomar conta de sua casa.

      Zuza passou pelo seu portão e não entrou na sua casa. Foi para a casa da outra vizinha. Renata, que era um pouco mais velha e que não tinha filhos. Era só ela e o marido, outro com fama de mulherengo da vila. Pediu para entrar para conversarem e imediatamente contou tudo o que aconteceu com Marinalva. E emendou dizendo que foi bem feito, mulher que não se cuida, que vive reclamando, choramingando pelos cantos, que não penteava nem os cabelos, imagina que um homem iria aguentar uma vida dessa? Repetia várias vezes até espumar o canto da boca. Renata concordava e aumentava mais um conto, lembrando de algum causo em que viram o marido de Marinalva entrando em uma casa na rua de baixo de onde morava, onde sabiam que morava uma mulher que não era bem vista pelo bairro. "Aposto que ele foi morar lá!". Repetia. As horas passavam e Renata convidou Zuza a ir embora, pois já estava tarde e o marido dela já devia estar preocupado com sua ausência. "Que nada, aquele lá só sabe dormir quando chega de tarde!".

      Marinalva, com todos os problemas enfrentados e tendo que conviver com a fibromialgia, teve ajuda de parentes e alguns amigos para seguir em frente. Cada um ajudava um pouco e nada lhe faltava em casa. Pedro José visitava os filhos de vez em quando e sempre levava um pouco de dinheiro e mais algumas coisas para a casa. Nunca disse onde estava vivendo e nem com quem. Desconversava, e se Marinalva insistisse, dava um jeito de ir embora na mesma hora.

      E assim Marinalva foi vivendo, com a mesma feição de coitada, cabeça meio baixa, triste e insatisfeita, como Deus quisesse, ela repetia a quem perguntasse como estava.

      Zuza e Renata eram as vizinhas que mais ajudavam com a limpeza da casa e algum outro trabalho pesado que ela precisasse, mas a língua corria solta quando viravam as costas.

      Coisas da vida.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Bicho Mulher



Participo de um grupo fechado em uma rede social, só de mulheres. É um grupo grande, imenso! Conseguem imaginar controlar centenas de mulheres? Não tem como, mas ninguém sai de lá a não ser quando é convidada a sair, ou seja, quando é deletada. Tem regras e tudo o mais, mas pergunta se todas têm a paciência de ler regras? E ao contrário deste, existe um outro grupo ao qual não participo, o das deletadas desse primeiro grupo. Eita!

Falando deste grupo, engraçado como é mulher... A intenção do grupo é de união, diversão, troca de informações, atenção, carinho etc. Mas o que menos tem é a união, quer dizer, tem também, mas tem o outro lado, que é a agressão gratuita, os xingamentos, deboches... Ô, bicho pra ser desunido, viu?

Algumas parecem que estão lá só pra fiscalizar as postagens para ir na página pessoal da pessoa e descobrir coisas, enviar solicitações para a família, namorado, marido... Pra desmascarar... Coisas que eu não consigo entender. O que ganha uma mulher ao ir na página pessoal de outra só pra falar abobrinhas? E são muitas que têm esse tipo de comportamento. E mimimi, tretas, conflitos, divergências... Politicamente correto, ou incorreto. Infinitamente sobre qualquer assunto.

Claro que existem as mulheres com bom senso, que sempre têm uma palavra de carinho pra ofertar...

Mulher é esse turbilhão de hormônios em conflito o tempo todo, incompreendida, odiada e amada ao extremo, necessária e apimentada... Mulher chora até desidratar, larga o marido, o namorado e se arrepende... Volta e joga na cara dele pra sempre aquele dia em que ele fez o que não deveria ter feito... Engole o choro e vive em função da família... Vive só e é discriminada... Trabalha muito, ou não trabalha nada... Tem filhos e vê seu corpo modificado em questão de meses... Não tem filhos e é eternamente cobrada por não tê-los... Se cuida, se acomoda, se vinga, ama intensamente, despreza com primor, ajuda, atrapalha, tem medo de tudo e tem coragem de tudo, menos deixar de amar mesmo quem não mereça esse amor, espera retorno e nem sempre dá o retorno esperado, cuida, bagunça, vai atrás e fica atrás... Morre de cansaço e morre de preguiça... Abre mão de se olhar no espelho e coloca um espelho na frente de quem ela ama... É filha, é mãe, é tia, é madrinha, é amiga, é avó, bisavó, é morta... Em vida. É viva numa casa morta, e permanece nela só pra ver como vai ser... E é. E foi. E será sempre.

Besteira querer nos entender se nem mesmo nós mesmas nos entendemos! Apenas nos ame e nos respeite, assim como merecemos. Cada mulher deve saber como quer ser amada, como deve ser respeitada, e isso é o que importa. Sem migalhas.

Só não pode aceitar agressões de nenhuma espécie. Isso nunca mais!

Que o Dia da Mulher seja também pra refletir como estamos vivendo e como gostaríamos de viver. Será que estamos acomodadas sonhando com um dia melhor e que, talvez, o outro mude pra nos agradar? Vale a pena?

Seja mulher do seu jeito, sem rótulos ou dicas de profissionais. Não se compare a nenhuma outra, afinal Deus nos fez únicas no mundo! E especiais! E tudo o que quisermos ser!

Que Deus nos abençoe!

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Trilogia 50 Tons... - Comentado por um Homem



Por Ricardo Jordão Magalhães

"A não ser que você tenha tirado umas férias em Marte, não tenha nenhuma amiga mulher na sua vida, ou faça parte do Clube do Bolinha, você provavelmente já ouviu falar do livro 50 Tons de Cinza.
50 Tons de Cinza é o conto de fadas do Século 21. O livro conta a história de Christian Grey,
um jovem bilionário, brilhante, maravilhoso, ultra lindo, intimidador,... Super bem sucedido, um líder nato dos seus funcionários que ainda ajuda os pobres, piloto do próprio avião, fiel, super atencioso com as mulheres, um cara super bom de cama que se apaixona por uma menina de 22 anos totalmente tapada, virgem e que nem é o supra sumo da beleza feminina.
Eu prefiro acreditar que o livro vai salvar o casamento de muita gente que precisa ler o livro do jeito que foi escrito para aprender alguma coisa.
Quem sabe?
Agora, por que o livro é um sucesso?
50 Tons de Cinza foi escrito por uma mulher, inglesa, esposa, mãe de dois filhos.
85% das leitoras que se dizem apaixonadas pelo Christian Grey são mulheres, casadas e mães.
O que isso diz a você?
Para mim só tem uma resposta, existem milhões de mulheres em todo o mundo sendo super mal-tratadas, mal-entendidas e mal-amadas por milhões de homens modernos e toscos tipo Fred Flintstones 2.0.
O sucesso do livro 50 Tons de Cinza deve ser visto como mais um alerta para os homens.
Meses atrás eu fiz uma palestra em um evento fechado para 6 mil homens. O evento, bolado pelas mulheres da comunidade, reuniu seus maridos, filhos, cunhados, pais, sogros etc.
As mulheres da comunidade levantaram os temas que os homens deveriam se aperfeiçoar e convidaram palestrantes para falar a respeito. Eu fui até lá para falar sobre empreendedorismo, e o psicólogo que subiu ao palco depois de mim foi até lá para ensinar os homens como tratar uma mulher. O cara falou sobre como conversar com uma mulher, como fazer carinho em uma mulher, como beijar uma mulher, como tocar uma mulher, como inspirar uma mulher etc etc etc.
Na hora eu achei meio bizarro aquele monte de marmanjo metido a besta não saber nem como beijar uma mulher, mas a grande verdade é: os relacionamentos entre as pessoas hoje estão uma tristeza. Tudo joga contra para detonar as coisas. É preciso muita boa vontade de ambos os lados para fazer a coisa dar certo.
Como homem que sou, eu entendo um pouco da minha raça e imagino que a galera até sabe o que precisa fazer pelas mulheres, o que eles se perguntam é, “E vale a pena fazer todo o esforço para conquistar a mulher?”.
Bom, cabe a cada um descobrir essa resposta por si mesmo, mas uma coisa eu digo, se você não tratar bem o seu cliente, o concorrente vai encontrar uma maneira de tratá-lo bem.
Já que os homens não vão ler o livro, eu vou facilitar a vida de vocês e listar por aqui as razões porque as mulheres amam o Christian Grey:
1. Porque o Grey elogia a mulherada o tempo todo. Toda mulher quer se sentir sexy e maravilhosa. Os homens de hoje elogiam tão pouco as mulheres que ao fazê-lo, a mulherada já acha que o cara fez algo de errado. Então, coloca na cabeça a meta de crescer em 500% o número de elogios que você faz para a mulher que você ama. Diga à ela que você admira a atenção e dedicação que ela coloca na educação dos filhos mesmo ela tendo que dividir o seu dia entre trabalhar fora e cuidar da casa. A maioria das mulheres vivem preocupadas com a falta de feedback que recebem dos homens. Tire esse peso das costas da mulher, dê feedback! Para elas nós somos um mistério porque falamos muito pouco. A mulher precisa e quer saber a sua opinião sobre as coisas. Todo mundo precisa ouvir elogios, capricha nessa parte!
2. Porque o Grey faz a coisa acontecer. O FDP do Christian Grey além de pilotar um avião ainda sabe como consertar um ar condicionado. Mulher gosta de cara que resolve as coisas, tipo “Pode deixar que eu vou resolver isso em 2 horas” e “Pode deixar que hoje eu dou banho nos filhos, e coloco a turma para dormir”. O cara que só sabe encontrar a seção de batata frita em um supermercado e sintonizar o canal de esportes na televisão, tá danado. O homem precisa assumir a gerência de manutenção da casa e da família e fazer a coisa acontecer. Sim, todo mundo tem no mínimo dois empregos, aquele que traz o dinheiro para casa e aquele que traz o amor para dentro do seu lar.
3. Porque o Grey cria momentos de romance. Antes do sexo a mulher precisa de amor, antes do amor a mulher precisa de romance. Todo relacionamento esfria com o tempo, mas ninguém deseja para si um relacionamento frio onde as coisas são entediantes e sem paixão. Para mudar isso, o cara precisa dar 100% de atenção quando estiver presente. Ouvir mesmo, elogiar mesmo, dar a entender que qualquer pequeno gesto da mulher é a coisa mais maravilhosa do mundo. Uma das coisas mais irritantes do livro é a quantidade de vezes que o cara elogia a menina porque ela morde os lábios quando ela está envergonhada ou qualquer coisa do tipo. No primeiro livro isso acontece 46 vezes. Mas é isso, todas as pequenas coisas contam.
4. Porque o Grey se importa com a mulher. A verdade é que a grande maioria dos Fred Flintstones que tem por ai procuram uma mulher para substituir a mãe deles. O cara acha que a mulher tem que servi-lo e fazer tudo do jeito que a mamãe dele fazia quando era criança. BANDO DE BABACAS!!! O papel do cara é empurrar a mulher para frente. Incentivá-la a malhar, fazer o cabelo, comprar roupas novas, se alimentar direito, se preocupar com a sua saúde, e, claro, a satisfazer sexualmente e não apenas a si mesmo. E MAIS, o cara tem que fazer tudo isso sem que a mulher DIGA QUE ELE TEM QUE FAZER. Sim, é isso mesmo, o homem tem que ler a mente das mulheres. Fácil, né?
5. Porque o Grey tem seus problemas. Apesar das inúmeras virtudes, características e clichês de príncipe encantado, o cara não é perfeito - longe disso. Ele sofreu trocentos abusos quando era criança que afetaram drasticamente a maneira que ele se relaciona com as pessoas - nada muito diferente de qualquer homem que eu conheço. A heroína da história, por sua vez, apaixonada pelo cara que sempre faz a coisa acontecer, a elogia sempre, cria momentos de romance a todo momento e se importa com ela como mulher, acaba se vendo na responsabilidade de consertar o cara. Toda mulher que se preza acha que vai consertar os homens. É por isso que a mulherada se mete em relacionamentos furados, elas acham que podem mudar o homem. Kkk. Não rola. O ponto aqui é que ninguém precisa ser perfeito, mas todo mundo precisa se importar um pouco mais, ou muito mais, com aqueles que estão próximos da gente para que possamos pedir o mesmo em retorno.
Os relacionamentos no Século 21 estão quebrando ou se quebrando e cabe a VOCÊ consertar isso.
A sociedade que queremos deixar para os nossos filhos e netos DEPENDE da qualidade dos relacionamentos que estamos construindo hoje. Se estivermos de bem com quem está próximo de nós, vamos conseguir tratar com amor as pessoas que encontramos nas ruas, nas empresas, nos clientes, em todo lugar." 



Então, eu não li os livros, mas assisti ao 50 Tons... Não concluí o filme todo de primeira, depois, noutro dia, assisti tudo até o final. Livro é diferente de filme, e creio que o livro deve ser bem mais detalhados, não é?
Quem sabe eu mude de ideia e vá assistir 50 Tons Mais Escuros? Aí farei um texto com meu parecer. Só sei que a mulherada fica em pavorosa com esse tal de Sr.Grey... E por que não ficaria?

Texto publicado em 14 de junho de 2013.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Barulhinho


      - Me diga, Dra Camila, não existe um aparelho sem esse barulhinho medonho não?

      - Existe, só que é três vezes mais caro, e ainda não tenho previsão pra comprá-lo.

      Tá bom então. Mais uma vez me deito na poltrona, mais parecida como uma cadeira erótica daqueles vídeos... Bem, isso não importa. Respiro fundo e cruzo os braços. Dra Camila se prepara, como se fosse a um desfile da paz, toda de branco, com luvas, máscara e óculos. Num piscar de olhos já está sobre mim com aquele espelhinho que não sei qual o mistério que há nele que não embaça de jeito nenhum. Se embaça, creio eu que ela enxerga muito bem. Logo depois vem os palitinhos a cutucar meu dente. Dessa vez foi o lá de trás. Ainda se sentindo desconfortável ao me manipular, aperta um botão, depois outro e outro e estou praticamente de cabeça pra baixo na cadeira. Sinto meu estômago empurrar meus pulmões, mas vamos em frente.

      Mais um suspiro e Dra Camila se distrai com a secretária que lhe conta algo que não entendo. Piadas internas de consultório. Elas riem e imediatamente a doutora se concentra em minha boca aberta.

      A secretária Valéria, também com a máscara, liga o sugador e coloca no canto de minha boca. Sinto que minha bochecha, pelo lado de dentro, é sugada até fazer um côncavo do lado de fora. Imediatamente ela ajeita e o aparelho volta a chiar normalmente. Fecho os olhos e clamo por Jesus, pra que não me abandone nessa hora de angústia. Sei que Ele está por perto segurando minhas mãos, que nesse momento estão grudadas nos meus antebraços, como se eu estivesse pendurada num penhasco e eu mesma me segurando pelo braço pra não despencar. Aperto tanto as mãos que parecem estar hermeticamente presas aos meus braços.

      Dra Camila liga o tal aparelho barulhento e começa a tortura. Ah, mas antes ela enfiou uma agulha com anestesia na raiz do dente danificado. Vontade de morder a bochecha e não sentir nada, mas como a boca está aberta, isso nunca é possível fazer. Ela me pergunta se está tudo bem, eu afirmo que sim, mas é só um gesto involuntário da cabeça, por dentro estou numa angústia sem fim. Então, com o aparelho ligado começa a cutucar meu dente. Gente, pra quê ter dente se com o tempo temos que passar por tortura? Por que o dente não é como uma unha, que estraga, cai e nasce outro, infinitamente, até a morte? Mas, quem sou eu pra questionar a obra de arte do Altíssimo, né? Continuando com aquele barulhinho, fecho os olhos de novo e tento não pensar onde estou. Penso em quem numa hora dessa? Vou pensar em comida, que é um grande prazer que eu tenho. Não dá! Penso... Melhor continuar respirando e contar os minutos pra tudo acabar bem.

      Nossa Senhora, onde está a Senhora que não vem cuidar dessa sua filha que só tem tamanho? É claro que ela está por perto, caso aconteça a passagem já estará ali me esperando de braços abertos. Não, melhor pensar em trabalho, em planos, em contas...

      Fico de olhos fechados na esperança de tirar um cochilo e acordar quando tudo estiver acabado, mas que nada! O aparelho britadeira continua a percorrer o assoalho do meu dente, cavucando até chegar na China do meu queixo. Bendita anestesia que me dá tranquilidade de não sentir dor nenhuma, mas o que incomoda é o barulho, esse sim, não é de Deus. Nem dá pra dar uma olhada nas horas pra saber se já passou muito tempo ou se ainda falta muito tempo pra acabar...

      Num minuto relaxo e a imagem daquele homem lindo, amigo querido, tudo de bom aparece na minha mente... Ele me olha e sorri, consigo relaxar as bochechas parece que as duas mãos de Dra Camila estão dentro de minha boca. Volto pro rapaz que continua sorrindo pra mim, olhos brilhando... Aquele sorriso lindo... E me animo a continuar o tratamento sem reclamar pra poder beijar aquela boca carnuda e deliciosa... opa, isso é história pra um outro texto.

      Percebo que Dra Camila começa a encher minha bochecha de algodão. Sinal que o aparelhinho terminou seu serviço. Um jato de ar, uma cutucada aqui, outra li, uma mini pá pra misturar o reboco e pronto, tudo colocado dentro do buraco do dente. Respiro quase aliviada. Depois ela coloca um aparelho roxo em cima de mim, liga uma luz intensa, soa três sinais e pronto. Retira os algodões, enche minha boca de água e o sugador é percorrido por todo o lado. Não fica nenhuma gota. Vez ou outra é encostado na garganta. Fico com medo da secretária querer enfiá-lo guela abaixo, só pra ter certeza que não ficou nenhuma gotinha de água por lá. Pior, e se me der ânsia nessa hora? Enfim, nada aconteceu.

      O sugador é desligado. Sinal que a tortura acabou. Abro os olhos e Dra Camila diz que está prontinho, que acabou, que talvez o dente doa no outro dia, mas que tudo ficou perfeito. Que bom! Imagina ter que cutucar ele de novo, noutro dia? Imagina ter que arrancá-lo e ficar com aquele espaço vazio? Nem poderia sorrir mais! Tento desgrudar minhas mãos dos antebraços e imagino que tenha até feito aquele barulho de destampar algo com sucção. A cadeira volta ao seu lugar normal, a luminária é apagada e tenho certeza que irei embora.

      Primeira coisa, morder a bochecha do lado onde foi anestesiado. Será que só eu faço isso? É claro que ela vai doer quando acabar a anestesia... Mas é a bochecha e não o dente.

      Como é que um aparelhinho tão pequenininho, tão indefeso pode mexer tanto com a gente? O problema não é o aparelho e sim o barulhinho medonho que ele faz. Às vezes tenho a impressão que a anestesia vai acabar assim, do nada, e ele, com vida própria, vai enfiar fundo no nervo do dente me levando ao desmaio ou coisa pior. Bem, pra isso Nossa Senhora fica ali de guarda. Imagine então que a Dra espirre e não dê tempo de desligar o aparelho e com isso ela perfure toda minha língua e estrague todos os dentes ao redor. Imagina?

      Pra quem acha que tudo isso é exagero, é sim, exagero. Pessoa ansiosa pensa exatamente assim, mesmo quando a gente tenta se controlar ao máximo. Eu nem sabia que era ansiosa até ler sobre o assunto. Esquisito, mas nossa mente não para nunca e uma coisa puxa a outra e no fim acontece só o primeiro ato, a primeira cena e acaba ali mesmo.

      Algum leitor é ansioso também?

      Me lembrando aqui que meu primeiro emprego foi como secretária de um dentista... tsc, tsc, tsc...