quarta-feira, 15 de março de 2017

Marinalva Das Dores



      Fazia um calor infernal na pequena casa sem forração, e o mormaço do fogão com as quatro bocas acesas provocavam suores que escorriam pelo rosto de Marinalva. Vez em quando enxugava as gotas com a manga da blusa, mas mesmo assim não parava de pingar suor em seu colo murcho. Depois de quatro filhos era impossível manter um corpo apresentável, e ainda mais com uma frágil saúde que obrigava Marinalva a se arrastar pelos cantos tentando deixar a casa em ordem.

      Aflita, olhava o relógio várias vezes. Não queria atrasar o almoço de Pedro José, o marido, sisudo, tímido, quase não falava e dificilmente sorria. Brincava com as crianças quando estava disposto, o que acontecia raramente. Não tinham diálogo íntimo. Marinalva não tinha disposição para nada a não ser cuidar da casa, dos filhos e reclamar de dores pelo corpo. Era dor que não acabava mais... Dia e noite dolorida... Virava na cama e, dormindo, reclamava. Pedro José nem dava mais ouvidos a ela. Cansou. Cumpria suas obrigações e nada mais. Marinalva ganhou, no último aniversário de casamento, um vestido florido, lindo, um par de sandálias com cristais, um botão de rosa, um perfume adocicado e duzentos reais, que era para ela comprar o que quisesse. Dedicada à família, preferiu comprar coisas para a casa. Isso irritou Pedro José, mas mesmo assim não reclamou. Já havia se acostumado com ela. Quando estava um pouco melhor, Marinalva até procurava por ele debaixo dos lençóis. Ele respondia aos seus carinhos, depois virava para o lado e dormia. Ela dormia tranquila quando tinham intimidade, acordava disposta, sorridente e ele tinha a certeza dela caprichar no almoço.

      Marinalva olhou o relógio e já havia passado dez minutos sem que Pedro José chegasse. Estranhou porque ele nunca se atrasava. Foi até a janela, respirou a brisa fresca, fechou os olhos e ouviu, ao longe, um casal de maritacas no topo de uma árvore, e no fim da rua crianças brincavam na maior gritaria. Se lembrou que seu marido sempre brincava um pouco com esses meninos antes de entrar em sua casa. Ela olhou para um lado, para o outro e nada de Pedro José.

      Serviu seus filhos, todos pequenos, e olhava sem parar as horas que passavam rápido demais. E nada de Pedro José. Não almoçou. Perdeu a fome e começou a ficar preocupada. Nem um recado nem nada!

      À tarde, no costumeiro horário de voltar para casa, Pedro José chegou, olhos vermelhos, cheirando a álcool e cigarro, cabeça baixa e sem falar nada. Marinalva segurou-o pelo braço e insistentemente perguntou o que estava acontecendo. Ele virou a ela e simplesmente disse que estava indo embora de casa. Não tinha explicação, só isso, ia se separar dela. O choque foi tão grande que ela caiu sentada no chão. Ele olhou para aquela cena que para ele era patética, foi para o quarto, arrumou algumas poucas coisas numa sacola velha, deu um beijo em cada filho e saiu pela porta sem olhar para trás. Depois voltou e disse a ela que não a deixaria sem dinheiro para cuidar dos meninos.

      Marinalva não conseguia reagir. Permaneceu sentada por um bom tempo... "Aposto que encontrou outra mulher, só pode, aquele fiii du'a égua!", cochichava, com cuidado para os filhos não ouvirem. Despencou num choro incontrolável... Os meninos, sem entender nada, mas acostumados a ver a mãe choramingar, sentaram ao lado dela e ali permaneceram. Marinalva, que geralmente não tinha forças para se levantar, se arrastou até a cama, apoiou-se na madeira e ficou em pé. Ainda chorando, se arrastou até a janela e soltou um grito.

      A vizinha Zuza, que varria a calçada, correu para acudi-la. Preocupada, entrou na casa dela para saber os detalhes de tanto choro e sofrimento. Marinalva, entre soluços e lamentações, contou o acontecido. Zuza, inconformada, começou a xingar Pedro José de todos os nomes possíveis, rogando-lhe praga e mais praga. Também deu sua opinião dizendo certeza ter sido alguma quenga que virou a cabeça dele. Marinalva ouvia e chorava aos soluços.

      Zuza se prontificou a ajudá-la no que fosse preciso, afinal tinha quatro filhos pequenos para cuidar e agora estava sozinha e tal. Já era noite, Zuza arrumou o que comer para os meninos, arrumou um prato para Marinalva e outro para si, e comeram em silêncio. Depois se despediu dela e foi tomar conta de sua casa.

      Zuza passou pelo seu portão e não entrou na sua casa. Foi para a casa da outra vizinha. Renata, que era um pouco mais velha e que não tinha filhos. Era só ela e o marido, outro com fama de mulherengo da vila. Pediu para entrar para conversarem e imediatamente contou tudo o que aconteceu com Marinalva. E emendou dizendo que foi bem feito, mulher que não se cuida, que vive reclamando, choramingando pelos cantos, que não penteava nem os cabelos, imagina que um homem iria aguentar uma vida dessa? Repetia várias vezes até espumar o canto da boca. Renata concordava e aumentava mais um conto, lembrando de algum causo em que viram o marido de Marinalva entrando em uma casa na rua de baixo de onde morava, onde sabiam que morava uma mulher que não era bem vista pelo bairro. "Aposto que ele foi morar lá!". Repetia. As horas passavam e Renata convidou Zuza a ir embora, pois já estava tarde e o marido dela já devia estar preocupado com sua ausência. "Que nada, aquele lá só sabe dormir quando chega de tarde!".

      Marinalva, com todos os problemas enfrentados e tendo que conviver com a fibromialgia, teve ajuda de parentes e alguns amigos para seguir em frente. Cada um ajudava um pouco e nada lhe faltava em casa. Pedro José visitava os filhos de vez em quando e sempre levava um pouco de dinheiro e mais algumas coisas para a casa. Nunca disse onde estava vivendo e nem com quem. Desconversava, e se Marinalva insistisse, dava um jeito de ir embora na mesma hora.

      E assim Marinalva foi vivendo, com a mesma feição de coitada, cabeça meio baixa, triste e insatisfeita, como Deus quisesse, ela repetia a quem perguntasse como estava.

      Zuza e Renata eram as vizinhas que mais ajudavam com a limpeza da casa e algum outro trabalho pesado que ela precisasse, mas a língua corria solta quando viravam as costas.

      Coisas da vida.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Bicho Mulher



Participo de um grupo fechado em uma rede social, só de mulheres. É um grupo grande, imenso! Conseguem imaginar controlar centenas de mulheres? Não tem como, mas ninguém sai de lá a não ser quando é convidada a sair, ou seja, quando é deletada. Tem regras e tudo o mais, mas pergunta se todas têm a paciência de ler regras? E ao contrário deste, existe um outro grupo ao qual não participo, o das deletadas desse primeiro grupo. Eita!

Falando deste grupo, engraçado como é mulher... A intenção do grupo é de união, diversão, troca de informações, atenção, carinho etc. Mas o que menos tem é a união, quer dizer, tem também, mas tem o outro lado, que é a agressão gratuita, os xingamentos, deboches... Ô, bicho pra ser desunido, viu?

Algumas parecem que estão lá só pra fiscalizar as postagens para ir na página pessoal da pessoa e descobrir coisas, enviar solicitações para a família, namorado, marido... Pra desmascarar... Coisas que eu não consigo entender. O que ganha uma mulher ao ir na página pessoal de outra só pra falar abobrinhas? E são muitas que têm esse tipo de comportamento. E mimimi, tretas, conflitos, divergências... Politicamente correto, ou incorreto. Infinitamente sobre qualquer assunto.

Claro que existem as mulheres com bom senso, que sempre têm uma palavra de carinho pra ofertar...

Mulher é esse turbilhão de hormônios em conflito o tempo todo, incompreendida, odiada e amada ao extremo, necessária e apimentada... Mulher chora até desidratar, larga o marido, o namorado e se arrepende... Volta e joga na cara dele pra sempre aquele dia em que ele fez o que não deveria ter feito... Engole o choro e vive em função da família... Vive só e é discriminada... Trabalha muito, ou não trabalha nada... Tem filhos e vê seu corpo modificado em questão de meses... Não tem filhos e é eternamente cobrada por não tê-los... Se cuida, se acomoda, se vinga, ama intensamente, despreza com primor, ajuda, atrapalha, tem medo de tudo e tem coragem de tudo, menos deixar de amar mesmo quem não mereça esse amor, espera retorno e nem sempre dá o retorno esperado, cuida, bagunça, vai atrás e fica atrás... Morre de cansaço e morre de preguiça... Abre mão de se olhar no espelho e coloca um espelho na frente de quem ela ama... É filha, é mãe, é tia, é madrinha, é amiga, é avó, bisavó, é morta... Em vida. É viva numa casa morta, e permanece nela só pra ver como vai ser... E é. E foi. E será sempre.

Besteira querer nos entender se nem mesmo nós mesmas nos entendemos! Apenas nos ame e nos respeite, assim como merecemos. Cada mulher deve saber como quer ser amada, como deve ser respeitada, e isso é o que importa. Sem migalhas.

Só não pode aceitar agressões de nenhuma espécie. Isso nunca mais!

Que o Dia da Mulher seja também pra refletir como estamos vivendo e como gostaríamos de viver. Será que estamos acomodadas sonhando com um dia melhor e que, talvez, o outro mude pra nos agradar? Vale a pena?

Seja mulher do seu jeito, sem rótulos ou dicas de profissionais. Não se compare a nenhuma outra, afinal Deus nos fez únicas no mundo! E especiais! E tudo o que quisermos ser!

Que Deus nos abençoe!