segunda-feira, 28 de março de 2016

Minha Doce Fatinha


      Primeira noite de outono, uma ventarola fresca e um buteco movimentado, esse era o cenário perfeito para Vítor desviar do caminho de casa. Queria tudo, menos entrar em casa e encontrar tudo como sempre foi. Mulher, filhos, cheiro de comida invadindo o espaço, rádio ligado no último volume e sua mulher cantarolando num estridente agudo de entupir qualquer tímpano a menos de cem metros. Maria Gorete era a típica dona de casa que nasceu para casar e cuidar dos filhos. Fazia bicos como faxineira nas casas de alguns parentes, mas gostava mesmo era de ficar em casa deixando tudo brilhando e cheiroso. Mas, depois de mais de vinte anos, o amor da vida de Vítor apareceu assim, do nada, com o mesmo sorriso avassalador e os olhos pequenos e castanhos de tirar o prumo de qualquer cidadão decente.

      "O tempo passou muito rápido e a danada continua linda e sedutora...", pensava cabisbaixo e sem vontade para disfarçar sua paixão platônica. Por acaso entrara em uma padaria e, de costas, lá estava Fatinha de cintura fina e coxas grossas, sendo atendida no balcão. Não sabia explicar como tivera coordenação para colocar um pé após o outro e caminhar até ela. O perfume continuava marcante, mas apesar de tudo aquilo que Fatinha tinha, ainda deixava rastro por onde andava. Como era linda e meiga a escolhida para ocupar o podium de seu coração! Tocou seu ombro e, com um sorriso acanhado, esperou pela triunfal virada de pescoço até encontrar seus olhos. "Meu Deus, vou ter um treco aqui", pensava, tremendo dos pés à cabeça ao cumprimentá-la.

      — Vítor, quanto tempo, rapaz, sumido! Como vai? O que faz por aqui? — Fatinha encheu ele de perguntas, segurando sua mão demoradamente.

      — Eu moro aqui neste bairro, logo ali na rua de baixo. E você, o que faz perdida por aqui? Queria ser encontrada por mim? — ao dizer tal ousadia, corou e sorriu acanhado.

      — Vim num cliente aqui do lado e aproveitei pra comprar um lanchinho. — apressadamente guardou a niqueira na bolsa e já se preparou para sair da padaria. — Tchau! Muito bom te encontrar! E aí, está casado, filhos, netos? — perguntava, enquanto caminhava para a saída da padaria.

      — Tudo isso daí, sem netos ainda. — foi o que conseguiu responder sem falar grego e Fatinha não entender nada.

      Vítor apoiou-se no balcão, respirou fundo e uma lágrima escorreu pelo rosto. Era fato que ninguém, ou melhor, ela não sabia de seu amor. Muito tímido para confissões amorosas aos dezoito anos. Trabalharam juntos em um escritório de contabilidade e Vítor fazia questão de adoçar o dia de Fatinha levando balas, chocolates, doces e tudo o que a fizesse sorrir para ele. Não conseguia começar a lida sem antes ouvir o "obrigada, menino" de sua amada. Já havia planejado tudo, arrumaria um emprego melhor, pediria ela em casamento, lua de mel na praia e felizes para sempre. Só não contava que antes da realização do sonho um certo Junior, não se lembrava do primeiro nome e nem fazia questão de saber, cruzar seu caminho e roubar sua amada. Tudo muito rápido, como um príncipe montado em seu cavalo branco que arrancava a donzela de seus braços colocando-a na garupa e sumisse para sempre.

      — Também, loiro de olhos azuis, é muita sacanagem pra mim. — pensava meneando a cabeça ainda inconformado pela brutal perda amorosa.

      Fatinha não se casou com Junior, pois o escolhido foi outro que Vítor preferiu nem se informar.

      O tempo passou e ele se casou com a primeira boa moça que encontrou pela frente. Amava e respeitava Maria, mais respeitava do que amava. Não havia do que reclamar e a vida que tinha era tudo o que sempre planejara. Mas a escolhida era outra mulher, Fatinha, a morena dos seus sonhos, a meiga e doce Fatinha de cintura fina e coxas grossas, que se equilibrava num salto alto e que encaixava perfeitamente o corpo num vestido justo com um rasgado até o meio da coxa. Provocava sem perceber. Só por caminhar já provocava. Era sabido que os homens babavam por aquele andar com jogo de quadris para lá e para cá. Sempre sorridente e atenciosa, não havia sequer alma masculina que não a desejasse. Mas era com Vítor que ela deveria ter se casado e não com outro qualquer. Imagina se esse outro qualquer a fizesse chorar sequer um dia? Com Vítor não aconteceria nada disso. Seria sua rainha e ele seu subordinado. A rotina de adoçar-lhe a vida seria constante. Seria respeitador com ela, pois faria questão de colocá-la numa redoma de cristal só para admirá-la cada vez mais. Sonhava com aqueles lábios e no frescor da juventude ficava horas ensaiando um beijo perfeito, fazendo sua mão de cobaia. E abria os lábios, fechava, mordia a carne da mão que ficava entre o dedão e o indicador, sussurrando palavras ousadas e declarando doçuras eternas.

      Ninguém sabia de seus sentimentos, só Deus, que não se sabe porquê, não atendeu seu pedido. Só queria Fatinha e ninguém mais. Ainda doía esse amor, ainda o coração palpitava e o tremor invadia suas pernas, ainda sua boca ficava seca e seus olhos vidrados no rosto da amada. Ainda sabia disfarçar seu olhar quando descia aos seios e rapidamente ao ventre. Ainda amava Fatinha mais do que a própria vida...

      Sentado na mesa do bar e acompanhado por desconhecidos, confessou sua paixão por uma rainha inatingível: Coçava a cabeça bagunçando os cabelos e dando tapas, como modo de extravasar a tortura de tê-la mais uma vez tão perto e continuar tão distante. A verdade era que ficava paralisado diante de Fatinha. Seu sorriso era como um punhal a cortar-lhe os ligamentos nervosos e tirar-lhe toda a coragem de macho que deseja sua presa. "Por que, meu Deus, o Senhor colocou ela na minha frente de novo? É pra humilhar, né? Provocar e me fazer o mais frouxo dos homens, é isso, Deus?". Indagava inconformado.

      — Mas caso de que cê não garrou ela de vez, hoje mesmo? Quem sabe ela gostava? Tinha que segurar no pescoço dela e tascar um beijo na boca, uai! — esbravejou um.

      — Cê nem perguntou onde ela mora pra mandar presente pra ela, meu amigo? — tentava consolar outro, que mal enxergava o copo em que estava a sua frente.

      Depois de beber bastante, Vítor chorou como uma criança, jogou algumas notas na mesa e saiu. Voltou para casa, se trancou no quarto, fechou os olhos e dormiu. Maria nem quis incomodá-lo. Apenas jogou um cobertor por cima, beijou-lhe a testa e sorriu.

      No outro dia tudo recomeçaria, voltaria ao trabalho, passaria na padaria para ver se teria a sorte de se encontrar com Fatinha mais uma vez e quem sabe se declarar a ela.

      Talvez esse encontro se tornaria uma rotina, talvez nunca mais a veria, mas Vítor sabia que esse amor morreria com ele.

                                                                                                                                                             Fim



   

12 comentários:

  1. Que fraco esse Vitor... Não soube enfrentar, não sube se declarar e depois quer massagem?rs... Tenho nojo de frouxos! Credo! Faz a burrice, depois fica chorando pelo leite derramado e pior, de quem tenho pena não é dele e sim da Maria, burra que ainda o cobre na cama... Vá te catar, Vitor ,eu diria! ,rs(isso em dias bons, senão outras palavrinhas sairiam) Encarnei na tua história! Lindo te ler! bjs, chica

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    1. Chica, você percebeu que ele chegou bêbado e deitou na cama sem tomar banho e muito menos sem escovar os dentes? Que coisa deplorável! E a mulher dele é a ideal pra homem como ele. rsrs
      Beijos, querida!

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  2. Ler teu contos é muito bom, você faz com que vivamos cada momento da história.
    Pena a timidez do Vitor...
    Beijos, Élys.

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    1. Existem homens assim, e mulheres também. E talvez nem seja o amor que eles esperam, pois nunca o viveram, mas sonham com ele como gostariam que ele fosse. Eu acho triste...
      Beijos, amigo!

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  3. Como o seu Vitor, há pessoas que por não concretizarem um sonho, uma "ilusão", carregam consigo e ideia de manter o amor.
    bjs

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    1. Tratam o amor platônico como se fosse algo muito precioso e temem quebrar ou perder pra sempre. Talvez esse seja o motivo de nunca se declararem....
      Beijos!

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  4. Olá, Clara, como vai? como ele pode saber o que ela sente, se guarda para si seu sentimento? Vivi história similar, uma história de desencontros, onde um não sabia o que o outro sentia e isso se perpetuou em tantos erros e infelicidades... hoje estamos próximos e isso faz tanta diferença...
    Achei interessante o que diz acima, "tratam o amor platônico como se fosse algo muito precioso e temem quebrar ou perder pra sempre"... temo ser por esse motivo que muitos evitam tirar os sonhos do plano do imaginário.
    Abraços!

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    1. Oi, Bia, estou bem, e vc?
      Há um certo receio em se declarar e não aguentar uma resposta negativa. Isso acontece... Já passei por isso também e só fui descobrir depois de anos.
      Tem gente que cultiva um sentimento e vive dele. Estranho, mas parece que se alimenta do que poderia ter sido em vez de viver a realidade.
      Coisas do ser humano.
      Beijos, boa semana!

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  5. Que triste ser assim, carregar um amor pela vida inteira...Tenho pena é dessas Marias. Mas bom é quando elas não se ligam em detalhes, pelo menos vivem felizes, as Marias que nasceram para ser mães e donas de cassa. Que pelo menos ele seja um bom marido, é o que se pode querer.
    rs (No sentido de pelo menos respeitar a sua Maria e ser um bom pai. Para ela, parece, é o mais importante).
    Beijo, Clara.

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  6. Olha, se o Vítor se tivesse casado com essa Fatinha, provavelmente iria sofrer horrores. Acho que é apenas a idealização de alguém, não é amor.
    Como vívidas as suas descrições.
    Beijinhos, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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