domingo, 6 de dezembro de 2015

Até Ano Que Vem!


Que todos tenham um ótimo natal e um maravilhoso começo de ano!

Mesmo que não tenhamos o hábito de estar com pessoas várias vezes ao ano, vale estar no natal, ano novo, aniversário e até em outras datas. O importante é estar.

Não importa a quantidade de dias e sim a qualidade das horas vividas junto com quem se tem apreço ou carinho, amizade, amor...  Sentimentos bons não morrem e nem ficam adormecidos, então, meus queridos, não se culpem por ficarem tanto tempo logo dessa ou daquela pessoa. A vida é assim mesmo.

É pra isso que servem datas comemorativas, pra reunir, conversar, compartilhar, vivenciar momentos bons, colocar o papo em dia, abraçar mais apertado, beijar mais estalado, chorar de emoção...

E que Deus nos abençoe a todos!

Ano que vem eu volto!

Beijos!

domingo, 29 de novembro de 2015

AMOR OU PAVOR?



      Joana chegou à casa de sua mãe logo após o meio dia e encontrou Lucimara chorando, deitada em sua cama. Ficou preocupada, pois nunca havia presenciado um choro da irmã num lugar tão óbvio. Sabia que quando tinha seus sofrimentos, era na hora do banho, debaixo do chuveiro, que desabafava. Sabia disso pois o nariz e os olhos ficavam avermelhados.. Sentou-se na beira da cama, pegou em sua mão e começou a conversar, sem perguntar nada; apenas conversar. Essa atitude fez com que Lucimara desabafasse com a irmã. Joana era muito mais que irmã; era uma amiga, uma mãe para todas as horas. Havia se casado há pouco mais de um ano, o que fez com que Lucimara sofresse pela falta de sua companheira amada..

      Lucimara não combinava com os pais; viviam discutindo por causa das brigas entre os dois. Tinham o hábito de agredirem-se o tempo todo com palavras ofensivas e grosseiras. Era meiga, calma, terna e a atitude dos pais deixava-a infeliz. Ainda bem que tinha um apoio carinhoso de sua irmã mais velha, Joana, que cuidava dela como se fosse uma filha.

      Aos poucos, Lucimara conseguiu se abrir comentando que os pais haviam comprado uma casa, num bairro bem distante daquele em que moravam, e que para ela seria inviável continuar estudando numa cidade próxima, indo e vindo todos os dias, no período noturno. Não teria como voltar para casa se fosse morar num lugar muito longe. E o pior, ela foi a última a saber da mudança. Joana não sabia que os pais não haviam contado para a irmã, pois já era sabido por todos sobre a compra da casa; por isso não comentou nada até aquele dia. Praticamente teria que arrumar as coisas de um dia para outro. Isso deixou-a chateada. Pensava até em morar sozinha, em algum quarto de pensão ou dividir um cômodo com outra amiga, quem sabe? Lucimara tinha um bom trabalho, ganhava razoavelmente bem e teria como se sustentar. Os planos já estavam em andamento e sutilmente comentou sobre eles com Joana.

      Na mesma hora Joana interrompeu-a tranquilizando-a, pois ela poderia arrumar as malas e se mudar para a sua casa. Lucimara relutou, pois não queria incomodar a irmã recém casada. Sabia que o período de adaptação de uma vida a dois não era fácil, e ter uma terceira pessoa, uma intrusa, por perto, atrapalharia o costume que ainda não havia se concretizado.

      Mas, com a insistência de Joana, Lucimara aceitou o convite com a condição de ajudar nas despesas. Feito o acordo, arrumou as malas e mudou-se naquela mesma semana. Os pais pouco se importaram pela atitude da filha mais nova, sempre deixara-a livre para escolher o que lhe fosse melhor. Essa atitude era vista como descaso e indiferença por Lucimara, que muitas vezes se sentia rejeitada e pensava até não ser uma filha legítima. Vez ou outra procurava traços que fizessem com que acreditasse ter o mesmo sangue de seus pais. Na infância chorava escondida, se sentia rejeitada e feia, mas conseguiu superar boa parte desse sentimento. Os pais mudaram-se também, duas semanas depois.

      Lucimara era uma moça linda, que chamava a atenção de todos, mas não por sua beleza, mas por seu modo de agir e suas atitudes firmes e corretas. Seus pais sempre ouviam elogios sobre ela, e alguns até parabenizavam pela boa educação dada à caçula. Joana amava a irmã, mas não escondia de ninguém que tinha uma pontinha de inveja, pois nunca ouvira nenhum elogio a seu respeito, como ouvira tantas vezes sobre a irmã. Gostava de tê-la por perto, mas às vezes gostaria de trancá-la num cômodo e jogar as chaves fora. Enquanto isso, Lucimara ansiava pela inteligência de Joana, que sempre teve facilidade com os números, com a matemática e com os cálculos. Nunca conversaram sobre esse assunto, nunca se elogiaram em nada, apenas uma cuidava da outra e a outra se sentia segura ao seu lado.

      A vida em família caminhava tranquilamente, já que Lucimara ficava pouco em casa, pois trabalhava o dia todo e estudava à noite. Mas nas festas que o casal promovia, era Lucimara quem chamava a atenção de todos, deixando Joana muito intrigada. Seu esposo, Waldir, ficava de olho na cunhada, apesar de sempre respeitá-la.. Numa dessas festas, ouviu um comentário dele com um amigo, que a grama do vizinho era sempre melhor do que a grama de sua própria casa, e olhou para a cunhada e os dois caíram na risada. Isso deixou Joana inconformada! Será que havia colocado uma cobra traiçoeira dentro de casa? Depois desse episódio, começou a olhar Lucimara com outros olhos. Olhos de revolta, de inveja, de ódio, de arrependimento.

      Joana ficava pelos cantos ouvindo conversas e vasculhando as gavetas da irmã, cheirava a roupa do marido e mexia em seu celular para ver se encontrava alguma pista de uma possível traição. Já tinha um discurso pronto para quando chegasse o dia da descoberta. Não havia mais sossego e nem conversa amigável entre as duas. Lucimara não entendia a atitude da irmã, sugerindo até que procurasse ajuda médica. Joana soltou um grito quando ouviu tal insinuação: onde já se viu, querer afastá-la de sua própria casa, para desfrutar de um prazer em sua cama? Isso a incomodava muito e fazia com que imaginasse cenas dos dois nos quatro cantos da casa, escondidos, aos beijos e abraços. Imaginava pega-los no flagrante e cometer uma loucura caso isso acontecesse. Quantas e quantas vezes chegou pé ante pé no quarto da irmã só para verificar se estava mesmo dormindo sozinha, ou se seu marido não teria se infiltrado para tê-la nos braços, escondido dela.

      A situação estava cada dia mais insuportável, porém o final do ano se aproximava e Lucimara poderia seguir seu rumo, ou naquela cidade, ou em outra, caso conseguisse um bom emprego na área de sua formação.

      Chegado o dia da formatura, Lucimara estava exuberante e Joana num misto de amargura e alívio de se ver livre da irmã o quanto antes, de preferência no dia seguinte. Não lhe desejava o mal, mas queria-a longe de sua casa. Os pais não compareceram à formatura,  pois sendo em outra cidade e por serem idosos, ficariam cansados. Lucimara achou melhor assim, pois estava muito feliz por conseguir concluir uma etapa tão importante e não queria presenciar brigas na frente de todos, num dia em que era para ser comemorado.

      No outro dia, Lucimara feliz agradeceu à irmã e ao cunhado pela hospedagem durante o ano, e disse que na próxima semana se mudaria para um pequeno apartamento que iria dividir com uma amiga do mesmo curso.

      Joana não pensou duas vezes, abraçou a irmã, mas não com aquele amor cuidador, mas com um alívio de que seu casamento estaria a salvo daquela mulher linda que todos admiravam, mas que ofuscavam-na; e estando longe, seu reinado continuaria como era há um ano. Poderia respirar aliviada e já planejava se afastar da irmã. Já estava encaminhada e não necessitaria mais de apoio ou de atenção. Quem sabe até mudaria de cidade e seria feliz bem longe dos olhos de seu Waldir.

      E assim foi feito: Lucimara mudou-se e Joana voltou a ser a esposa dedicada e amada de Waldir. Mas a dúvida de uma provável traição continuou a perturbar-lhe. Nenhuma pista, nenhuma prova, nenhum cheiro ou marca de batom, nem nada! Resolveu deixar para lá. Já estava longe mesmo e Waldir continuava o mesmo de sempre, carinhoso, atencioso e com desejos pela esposa. Mas, se Joana encontrasse uma poeirinha sequer de traição, não mediria esforços para causar um estrago na vida de todos. Começaria pela irmã traidora que, além de perturbar-lhe a paz no lar, ainda roubara-lhe um pouco de Waldir. Brigaria até com os pais, por não ter corrigido a irmã mais nova enquanto era tempo. Deixara-a ao vento, que por sua própria conta levava-a onde bem entendesse e quisesse. Para Joana, Waldir era homem, e homem não resiste. Cabe à mulher conter-se e se portar com bons modos, como manda o figurino.

      A vida como ela é...

      Texto publicado em 18/06/2012 ´Editado

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

MATEMÁTICA PURA


Um causo compartilhado de Eliana Teixeira, amiga querida.

MATEMÁTICA PURA

      O carnaval passou, mas minha paixonite pelo rapaz do sovaco continuou por algum tempo. Descobri que era filho de uma professora de Matemática. C.Q.D.


      Sonhei:- Será o Sir Isaac Newton da Era de Aquário... Imaginando preparar-me para conversar com o gênio da Matemática, comprei a Introdução à Filosofia Matemática, de Bertrand Russel. Ainda tenho o volume. Um curso de Matemática Pura quase terminado, e uma graduação em Engenharia depois, ainda é um livro de difícil compreensão. Pobre moço do sovaco, salvo pela ignorância de mim... 

      Descobri também – o amor nos torna investigadoras pressurosas – que o rapaz costumava ir a uma loja no centro, a caminho de meu colégio. Pronto, que inferno! Não conseguia passar pela porta da loja sem dar uma espiadinha! Aconteceu o pior. Um vendedor, percebendo meus olhares insistentes, pensou que se dirigissem a ele. E era feio feito a fome, com uma horrível cara de macaco... 
Corei, não sabia o que fazer para consertar o mal-entendido... Não havia como!


      Indo ao comércio com mamãe, passamos pela porta da loja e então o mundo desabou: o cara de macaco gritou: Ô minha sogra! Enrubesci e jurei nunca mais olhar pra dentro da maldita loja...

      Contei a Leilinha minha desventura e ela só fez aumentá-la. Passou a me chamar de Lojas Brasil... (era esse o nome da loja do cara de macaco). Meu desespero foi tanto que, por fim, a paixão mostrou-se muito custosa. E aí, como mágica, o encantamento acabou...


      Fim.

@@@@@@@@@@@@@@

Lendo esse causo da Eliana, me lembrei de quando era adolescente e trabalhava como auxiliar de escritório e meu ofício era tirar xerox. Fiz curso em outra cidade e tudo! Uma honra para mim. 

Então, muitos me perguntavam se não tinha namorado. Não tinha e ficavam me empurrando um ou outro. E eu, na inocência, ficava encantada. Como lia muito, já imagina histórias românticas comigo dentro. Tipo, homem lindo vindo me salvar (de quê?), rapaz forte me puxando pela mão e me levando para ser feliz, enfim, imaginação não me faltava.

E haviam muitos homens que vinham tirar xerox. E eram gentis, mas só gentis mesmo, nada além disso. E havia um, adulto já, hoje imagino que naquela época já tinha para lá de trinta, que ficava todo sorrisos comigo. Mas, como disse Eliana aí acima, era feio como a fome. E eu, que não tinha limites nos pensamentos, morria de medo dele ser o homem da minha vida. Imagina, um homem feio assim e eu caída de amores por ele? Amor é cego, não é?

E depois desses pensamentos sem cabimento, nunca mais encarei o rapaz olho no olho. Apenas o atendia e só. Não me lembro do desfecho, mas nunca mais o vi. Depois de mais de trinta anos ele me veio à mente de novo. Culpa da Eliana!

Clara Lúcia

domingo, 15 de novembro de 2015

Xico Sá


Para Entender as Mulheres
Xico Sá

Essa historinha de que não sabemos o que querem as mulheres não é bem do jeito que alardeiam. Pera lá. Não sabemos tudo, óbvio, não deciframos todos os mistérios, mas conhecemos muitos modos de agradá-las e cumprir parte da demanda.
Elas merecem e este, afinal, é o grande desafio na terra de um homem de boa vontade. Só por esta causa já valeria a pena a existência. O que querem as mulheres? Entendemos a complexidade da clássica pergunta de Freud.
As mulheres querem que os homens adivinhem, sintam, farejem os seus desejos – e vontades avulsas – e antecipem essas realizações. Bem-aventurados os que descobrem que elas estão a fim de uma viagem à montanha e levam-nas à montanha; bem-aventurados os que sabem que elas não aguentam mais aquele velho boteco sujo e levam-nas a um restaurante decente, dentro das posses, claro.
Bem-aventurados os que sabem que elas gostam de novidades e detestam quando os garçons nos dizem “o de sempre, amigo?” Essa confortável rotina é coisa de macho, ora bolas.
As nossas mulheres querem que tenhamos olhos só para elas. No que, aliás, foram contempladas biblicamente pelo décimo mandamento das tábuas da lei entregues por Deus a Moisés: não cobiçarás a mulher do próximo.
As mulheres querem que alternemos momentos de homens sensíveis e momentos de selvagens lenhadores. Pena é que costumamos inverter as coisas. Na gana da obediência e do agrado, somos lenhadores quando nos queriam sensíveis e vice-versa. Comédia de erros. Onde queres Leblon sou Pernambuco… Onde queres romance, rock’n’roll…
As mulheres querem que reparemos no novo corte de cabelo, mesmo que a alteração tenha sido mínima, tipo só uma aparada nas pontas. O radar capilar tem de acender a luzinha, sem falha, na hora, se liga! Se for luzes, entonces, cruzes!!!
As mulheres não toleram que viremos de lado e já nos braços de Morpheu depois da saudável prática da conjunção carnal. As mulheres querem carinho e entusiasmo, embora saibam que o único animal que canta e se anima depois do gozo é o galo, esse tarado pernalta incorrigível, incomparável.
As mulheres querem… massagem. Muita massagem. Primeiro nas costas, depois nos pés e sempre no ego.
As mulheres querem… molhinhos agridoces. Como elas se lambuzam lindamente!
As mulheres querem… flores e presentes. Não caia, jovem mancebo, nesse conto de que mulher gosta é de dinheiro. Se assim o fosse, amigo, os lascados de tudo não teriam nenhuma, nunca, jamé. Repare que até debaixo do viaduto está lá a brava fêmea na companhia do desalmado. Ela e o cachorrinho magro, só o couro, o osso e a fidelidade. O que vale é a devoção.
Mesmo que você seja mais liso que os mussuns do brejo, pobre de marre-marré, pode muito bem presentear uma bijuteria com a dramaturgia de uma joia da Tiffany’s – vide “Bonequinha de Luxo”, o filme.
A lista continua… ad infinitum.
Fonte DAQUI.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Um Possível Reencontro


      Algum dia tinha que acontecer. Então seria hoje que Cecília encararia sua dor pegando forças num lugar onde nem imaginava que existia, mas precisava ser forte. Um ano sem o filho Thiago, chorando praticamente todos os dias, vivendo por viver, e hoje, acompanhada do marido, iria ao seu túmulo.

      Acordou disposta, sem chorar, acendeu uma vela para Nossa Senhora das Dores lhe dar forças, orou e por uns bons minutos ficou sem pensar em nada. Um vazio enorme rondava sua alma... O silêncio era tanto que Cecília ouvia as batidas de seu coração, baixas, lentas... Que teimava em não parar por todo esse tempo. Morrera naquele dia em que tivera a certeza de nunca mais ver o filho entrando pela porta, com aquele sorriso largo no rosto, indo direto à geladeira beliscar alguma coisa, depois encher a caneca de alumínio com água gelada e virá-la, de uma vez, goela abaixo. Nunca mais!

      O quarto de Thiago ainda estava intacto, tudo no lugar, inclusive as correspondências que chegaram até meses após, todas em cima do criado-mudo, lacradas. Uma peça para o carro que comprara pela internet ainda estava na caixa, também lacrada. Nada mudaria, ordenou a todos. O quarto era dele e sempre será. Repetia isso insistentemente na esperança de um dia acordar e saber que tudo não passava de um pesadelo. Que Thiago entraria pela porta, abriria a geladeira, beberia água gelada e ficaria em seu quarto, ouvindo música no último volume. Bate-estaca, como ela sempre reclamava. Por que reclamava tanto, meu Deus? Ele só estava vivendo e Cecília reclamava! Como queria ouvir esse bate-estaca no último volume todos os dias!

      Colocou uma roupa discreta, um sapato confortável, amarrou os cabelos num rabo de cavalo e sem dizer uma palavra entrou no carro e ficou esperando Roberval levá-la. Antes passaria numa floricultura para comprar cravos. Sempre achou que cravo era flor de homem, apesar de não gostar de seu perfume. Tinha cheiro de morte...

      Chegando ao cemitério, Roberval estacionou bem em frente. Cecília, de cabeça baixa, desceu, esperou o marido lhe dar o braço e entraram. Continuou de cabeça baixa por todo o trajeto. Roberval já sabia o caminho pois sempre visitava o túmulo do filho. Sempre lhe pedia perdão por não levar sua mãe que não tinha condições de ir vê-lo. Chorava pouco, mas chorava no túmulo, como uma criança, soluçava, tapando os olhos com as mãos, sem se importar ser visto por alguém.

      No meio do trajeto Cecília parou. Roberval olha para a mulher e perguntou se estava tudo bem. Ela disse que sim mas temia não suportar e desmaiar. Melhor seria morrer logo de uma vez e acabar com essa tortura. Já estava morta por dentro, então não sofreria tanto com a passagem. Imaginava a alma lhe abandonando o corpo e Thiago a lhe esperar, com a mão estendida, puxando-a num apertado abraço.

      Mesmo com toda a dor no coração Cecília não chorou. Nem ela entendia porque não chorava naquela hora. Todos esses dias as lágrimas caiam... E agora num momento de profunda tristeza se surpreendeu com a força adquirida repentinamente. Foi Nossa Senhora, tinha certeza disso. Chegaram ao túmulo.

      Ainda segurando no braço do marido, ficou parada olhando para aquele concreto que separava-a de seu Thiago. Nem uma palavra, nem uma lágrima. Calmamente soltou o braço de Roberval e se aproximou colocando os cravos nm vaso de cobre, e acariciou a foto do filho. Não pensava em nada. Apenas olhava a foto, fechava os olhos e imaginava suas mãos tocando o rosto do menino Thiago, que dormia tranquilamente em sua cama. Cresceu rápido demais... Viveu... E se foi...

      Abriu os olhos e continuou com o carinho na foto. Roberval só observava, atrás dela, pronto para segurá-la caso desmaiasse. Também ficou surpreso com a força da mulher. Um ano sem o filho e tinha apenas um corpo da mulher. A sua Cecília nunca mais foi a mesma. Agradeceu a Deus por tê-la sempre ao lado, nos momentos bons e ruins e entendeu essa morte em vida e esse tempo para poder ir ao túmulo do filho. Também não chorava.

      Ficaram um bom tempo, em silêncio, sem choro, sentindo a brisa a lhes tocar a face, imaginando ser um sinal de Thiago a beijar-lhes. A dor continuava imensa, mas agora Cecília tinha certeza de que não era um pesadelo. Sabia onde seu filho estava e que não haveria volta. Nunca mais!

      Se despediram, voltaram como vieram, em silêncio e sem lágrimas, continuariam vivendo até quando Deus quisesse.

      Aos poucos e com o passar do tempo a dor daria lugar ao conformismo e à saudade. Doía, doía... Mas não tinha outro jeito. Esperar, viver, respirar... Morrer, assim como tem que ser. A morte em vida.

      Fim.

      Texto publicado em 02 de novembro de 2014

domingo, 25 de outubro de 2015

Além do Tempo

Rede Globo, 18:00h

Elizabeth Jhin, com toda sensibilidade, nos mostra uma história romântica que atravessa séculos, com personagens marcantes e unidos entre si por erros que teimam em repetir a cada nova reencarnação.

Quem acompanha percebe a delicadeza do texto, o primor da fotografia e o figurino da primeira temporada que é uma maravilha.

História de amor entre Felipe e Lívia que se repete por séculos e séculos e que esperamos que tenha um final feliz nessa segunda temporada.

Fico aqui pensando, será que já encontrei com algum amor que não deu certo mas que se tornou inesquecível, que é da encarnação passada? Gente que temos a sensação de já ter conhecido há anos, que nos apresenta tão familiares que somos capazes até de "adivinhar" seus gostos, seu modo de viver e tudo o mais. Como explicar essa empatia imediata que temos por algumas pessoas e a antipatia relâmpago por outras que nem sequer conhecemos?

E os lugares que nunca estivemos mas que temos a sensação de já conhecer? E alguns momentos vividos que temos a sensação de já ter acontecido antes?

E os anjos? Será que já cruzamos com algum nessa vida? E demônios? Sim, porque se há anjos, certamente há demônios também.

Mesmo sendo e gostando de ser católica, acredito no espiritismo e nesse reencontro de almas por várias vidas. Isso explica tudo.

Acredito que nossa passagem pela Terra tem um propósito e não é por acaso que caímos aqui pra viver por uns anos. Creio que coincidências não existem e apesar de nosso livre arbítrio, nossa trajetória já está escrita e com o tempo evoluímos até não precisarmos mais da reencarnação. Quando será isso, é a pergunta que não quer calar? Como temos que ser e o que devemos sentir ou não sentir pra não sofrermos mais?


Essa cena ficou linda demais! O amor sempre vale a pena, quando é recíproco. Limpar o coração de toda a amargura, ódio, revolta, não reclamar tanto, agradecer, agradecer, agradecer, amar, amar, amar.... Não só o amor entre dois, mais ao próximo como a si mesmo. Foi o que Jesus nos ensinou.

Uma ótima semana a todos!


domingo, 18 de outubro de 2015

Flávio Gikovate



Com Medo de Ser Feliz


"Reconhecer em si forças suficientes para suportar a queda e ter energias para se reerguer mostra coragem e serenidade. Uma pessoa é forte quando sabe vencer a dor.
Trata-se de um requisito básico para o sucesso em todas as áreas da vida, inclusive no amor. Ninguém gosta de sofrer, mas não é moralismo religioso dizer que superar as frustrações é a conquista mais importante para quem quer ser feliz."

Um belo texto do Dr. Flávio Gikovate, que você poderá ler na íntegra AQUI!

domingo, 11 de outubro de 2015

Criança É Sempre Feliz


Lembrando de minha infância, com poucos brinquedos, muitos amigos vizinhos, pais rígidos, mas apesar tudo, muito feliz.

Criança é sempre feliz, sempre dá um jeito de sorrir de algo, mesmo que seja numa fração de segundos, sempre encontra uma outra criança pros olhares se cruzarem e logo a amizade vem fácil. Nem precisa ter brinquedo, elas são os brinquedos. Nem precisa ter dinheiro, o sorriso, a brincadeira, a alegria, tudo de graça.

Me lembro dos brinquedos que eu mesma produzia: bebês de chuchu, bonecas de espiga de milho, panelinhas de latinhas vazias, roupinhas de papel grudadas com sabonete, pois não podia brincar com cola, bola de meia velha, casinhas de caixa de sapato, e tantos outros. Me lembro que queria muito uma bicicleta, mas nunca a tive. Mas queria aprender a andar. E aprendi. Sozinha, na rua, com a "magrela" de uma amiguinha, sem rodinhas, caindo várias vezes e esfolando os joelhos que ainda sustentam cicatrizes. E o Merthiolate ardido, e as chineladas nas coxas, e os sapatos Buzolin, os únicos que me aguentavam o ano todo, por ter solado de borracha... E a lancheira cor de rosa, suco Ki Suco vermelho e pão com ovo, de merenda... Saudades... Bons tempos, outros tempos, felizes.

Criança sem malícia, sem maldade, sem agonia, sem rancor... Que bom se pudéssemos conservar esses sentimentos e sermos um pouco mais feliz...

Sorte de quem aprendeu, na fase adulta, ou seja, conservou a criança que existe dentro de si. A vida endurece nossos sentimentos e nos causa rancores, dores, lágrimas...

E no Dia das Crianças, que possamos esquecer um pouco as amarguras da vida e sorrir pra ela, com a mesma intensidade com que sorríamos quando éramos pequenos e felizes, assim, de graça.

E que Nossa Senhora Aparecida, minha mãe espiritual desde que me entendo por gente, mesmo antes de saber sobre igreja, santos, religião, já percebia e sabia que por ela seria protegida por toda a vida. Respeitos à mãe de Jesus, nosso grande salvador.

Amém!

domingo, 4 de outubro de 2015

Família


      - Amor, olha o celular tocando... - disse Rose, para o marido que estava no banho.

      Ele não ouviu e a insistência incomodou-a muito. Num gesto automático atendeu e não disse nada.

      - Ti, tô te esperando, cadê você? - disse uma voz meiga do outro lado da linha.

      - Oi? - perguntou Rose, assustada e sem acreditar no que acabara de ouvir.

      Celular mudo e depois a pessoa desligou. Rose ficou branca e o coração acelerou. O que era aquilo que acabara de presenciar?

      Tiago e Rose estavam casados há vinte anos. Amor à primeira vista, jovens ainda, amavam-se ternamente. Uma família completa, feliz, muito respeito, amor, companheirismo, filhos lindos, tudo perfeito. Sempre agradecia pela sorte de ter Tiago em sua vida. Na verdade não se imaginava sem ele, sem sua família e muito menos Tiago olhando para uma outra mulher.

      Rose era linda, vaidosa, boa esposa, ótima mãe... Tinha seus defeitos, claro, era bagunceira, mas com o progresso dos negócios do marido, podia ter o luxo de uma faxineira duas vezes por semana. Cuidava de tudo, ia à academia, salão de beleza, manicure, massagista, enfim, se cuidava. Nunca trabalhara fora, acordo feito desde o namoro e aceito prontamente por ela. Para todos era o casal perfeito, exemplo de amor e dedicação, carinho... Ah se todos fossem como eles, o mundo seria bem melhor, comentavam os amigos.

      Tiago era caseiro, competente nos negócios, lindo, másculo, também vaidoso e nunca dera motivos para Rose duvidar de sua palavra.

      Mas naquele dia algo havia mudado. Quem era a tal que ligara de manhã para o celular de Tiago, Ti, como chamava a moça. Que intimidade era aquela com seu homem? Nunca ouvira ninguém chamá-lo de Ti. Ti, que Ti o quê? Como assim, meu Deus, pensava.

      Ainda pálida e sentada na cama, colocou o celular no criado-mudo, do jeito que estava e levantou-se. Foi fazer o café. O que falaria, o que perguntaria?

      Rose, em questão de segundos, desmoronara. O chão se abriu e ela se jogou. Não queria nunca mais olhar para a cara de Tiago. Ti...

      Mas, por outro lado, poderia muito bem ser engano. Por que não? - pensava.

      Tiago apareceu na cozinha, como todos os dias, abraçou Rose pelas costas, beijou seu pescoço e ficou olhando o que ela estava fazendo, por cima de seu ombro.

      - Ti- chamou-o, sem pensar duas vezes.

      Tiago afastou-se e gaguejando perguntou:

      -Ti? Que Ti? O que é isso agora? Vai me botar apelido, amor? Sabe que eu não gosto!

      - Eu atendi seu celular. Alguém te chamou de Ti. Quem era? - Rose virou-se, cruzou os braços e ficou esperando a reação de Tiago.

      - Nnnnnão sei... Quem era? Disse o nome?

      Rose, não aguentando começou a chorar e voltou ao quarto. Jogou-se na cama e ali permaneceu. de bruços, aos prantos. Tiago aproximou-se, sentou-se ao seu lado, alisou seus cabelos e com voz embargada pediu perdão.

      - Não posso mentir pra você... Não consigo mentir pra você. Mas te garanto que não teve importância nenhuma! Foi só uma...

      Rose levantou-se e começou a estapeá-lo e xingá-lo de vários nomes que ela jamais imaginaria que saísse de sua boca. Mandou-o pegar suas coisas e sumir de sua vida. Tiago apenas afastou-se e saiu. Achou melhor deixar passar a raiva. Conhecia muito bem Rose e sabia que num momento de fúria ela não ouviria nada.

      Amava Rose, venerava sua família e não queria que uma aventura sem nenhum significado acabasse com o castelo construído por anos. Mas tinha medo de desmoronar. Rose sempre foi a mulher de seus sonhos, de sua vida, e estava constrangido por tê-la feito passar por situação dolorosa. Se perdesse sua mulher, não saberia mais viver. Eram unha e carne, e a outra era apenas um relaxamento, um momento de descontração, uma novidade casual, nada além disso. Como explicar tudo isso para Rose, sua amada?

      Ao voltar para casa, Tiago entrou devagar, calmamente, e encontrou Rose com os olhos inchados e vermelhos. Chorara o dia todo. O remorso corroeu Tiago, que num ímpeto, ajoelhou aos seus pés e pediu perdão. Estava arrependido e jurou que isso nunca mais iria se repetir. Rose chorava, soluçando, com o rosto desfigurado, como Tiago nunca havia visto. Levantou-se e abraçou a mulher. Ela ficou paralisada, mas não relutou pelo abraço.

      - Hoje foi o pior dia de minha vida, e você, Ti, foi o responsável, seu ingrato, insensível, mulherengo barato. Você acabou comigo e com nosso casamento. Não quero te ver tão cedo. Saia do meu quarto, agora!

      Tiago obedeceu, e assim como foi o pior dia na vida de Rose, também foi de Tiago. Mas mesmo tendo magoado a esposa, não conseguia ver motivos para tanto. Foi só um relaxamento, nada mais que isso. Mas como fazer Rose entender?

      Os dias se passaram e Rose já não chorava mais. Tiago entrava mudo e saía calado de casa. Preferiu deixar a iniciativa para Rose, talvez com o tempo ela entendesse que era e sempre será a mulher de sua vida.

      E aconteceu o que Tiago tanto queria, não como ele imaginava, mas já era um começo.

      Rose, depois de pensar muito, depois de colocar na balança uma vida inteira de harmonia, família unida, amor na relação, resolveu perdoar Tiago. Mas com ressalvas: se acontecesse de novo, seria o fim. Ele concordou com tudo e aceitou todos os castigos impostos por ela.

      Aquela confiança, o amor compartilhado, o companheirismo, claro que nunca mais foi o mesmo. O cristal trincou e dificilmente retornaria como era antes. Mas Rose amava Tiago e praticamente vivia a vida dele. Não totalmente, mas concordou em abrir mão de uma carreira profissional para dedicar-se à família, à união, educação dos filhos e casa em ordem. Na verdade a partir daquele dia, confiava desconfiando, mas também não ficava procurando por algum outro deslize. Sabia que se acontecesse, ficaria sabendo, mais cedo ou mais tarde.

      E assim a família se preservou, apesar dos pesares, o amor venceu.

       Fim.


   

domingo, 27 de setembro de 2015

Rock in Rio 2015



Queen voltando, uns gostando e outros inconformados, mas é bom ouvir ao vivo. Eu gostei. Fred Mercury faz muita falta e, claro, é insubstituível.


A música com toda sua magia une pessoas, une culturas, mundos...


E o reencontro emocionante...


E Lulu Santos... ai, ai...



Música é vida! Ouça música, sempre, se possível o tempo todo, cante baixinho, cante em pensamento, chore, divirta-se!

E uma ótima semana a todos!

domingo, 13 de setembro de 2015

A Vida é Muito Curta


De repente nos deparamos com gente querida morrendo... Como se não soubéssemos que existe a morte.

E quando envelhecemos, é um dia a menos que temos e a certeza de que a morte está próxima.

Quantas coisas deixamos pra trás, e que agora não temos certeza de que ainda nos resta tempo pra fazê-las?

"Viva como se não houvesse amanhã", disse alguém. Mas não somos assim. Vivemos como sempre vivemos, um dia de cada vez, ou pensando no passado, ou no futuro.

E a vida realmente é muito curta, quando pensamos nela.

Não bate um desespero? Ou uma vontade de mudar de tudo? Ou correr atrás? Ou lamentar? Ou seguir em frente, enfrentando tudo? Correndo? Meu Deus, não vai dar tempo!

E a vida continua... A passos lentos, mas tão rápidos que nem percebemos.

O que levamos daqui? Quem amamos? Quem perdoamos? Quem ignoramos?

Meu Deus, será que ainda dá tempo?

E aquele amor de anos e anos, que não vivemos, que nos afastamos por simplesmente amar? Amor que nos permitimos terminar, mesmo amando muito, mesmo fazendo parte de nossa vida por todos esses anos... E que as lembranças nos alimentam e nos dão a certeza de que um dia sim, amamos alguém, que não está ao nosso lado, mas que existe. Amamos e deixamos livre... Amamos e sempre amaremos. E é esse amor que levaremos...

Respirar fundo e viver, como se a qualquer momento tudo por aqui se acabar.

Espalhe o amor, o harmonia, por onde for. E tudo isso nos acompanhará por onde formos.

Boa semana a todos!

domingo, 6 de setembro de 2015

Podemos Escolher


Ouvindo Padre Fábio de Melo, ele falava de Jesus e das escolhas que Ele fez sobre os doze discípulos.

Jesus vivia rodeado de pessoas, mas escolheu doze para acompanhá-lo, sem necessariamente serem os doze melhores, ou os doze bonzinhos e corretos. Nas palavras do Padre, Jesus sentiu medo de ficar sozinho e pediu que durante a noite, enquanto dormiam, um ficasse vigiando, e revezariam até o dia clarear.

Bem, tudo isso chegamos à conclusão de que podemos escolher quem queremos para conviver.

Existem pessoas agressivas, que se sentem no direito de humilhar, agredir, enfim, pessoas que não têm tolerância de convivência. Precisamos tolerar quem nos agride? Não!

Do mesmo modo que não temos o direito de agredir e querermos ser tolerados pelos outros.

O grande segredo dessa vida não é tolerar quem nos faz mal, e sim perdoar, apesar das agressões, quem nos faz mal. Não sentir ódio, raiva e nem desejar o mal da pessoa. Perdoar é um dos gestos mais difíceis que temos que ter, mas possível sim. E mesmo tendo agressores no nosso convívio, não significa que temos que aceitar e colocar nas costas todo o lixo que nos é imposto. Perdoar e ignorar. Difícil!

Não absorver o que de mau nos falam. Não pegar para si as culpas que jogam na nossa vida. Não permitir que palavras mal-ditas nos atrapalhem o dia a dia. E mesmo convivendo com as amarguras de outras pessoas mesmo sendo as que não podemos simplesmente descartar, como pais, avós, filhos, não revidar. Perdoe assim mesmo. Para outras pessoas sem nenhum vínculo, melhor é se afastar. Perdoe, o que não significa continuar convivendo com ela. Não cultive mágoa... Isso só atinge quem sente a mágoa.

Ninguém é obrigada a ouvir desaforos ou "verdades", mas também não é louvável devolver com a mesma moeda as agressões. É como jogar lenha na fogueira e é justamente essa atitude que o agressor espera de nós.

Ter paciência, tolerância, saber relevar e perdoar... Calar-se na hora da raiva, contar até dez, deixar pra lá, ignorar... Como é difícil tudo isso!

O mundo está tão sangrento, tão cruel e violento, que se fizermos nossa parte distribuindo paz e tolerância, pelo menos ao nosso redor há de melhorar. Não temos o poder de mudar as atitudes alheias, mas podemos nos mudar e fazer do nosso espaço um ambiente tranquilo.

Uma ótima semana a todos!

domingo, 30 de agosto de 2015

Olhos Embaçados


      Inverno com cara de verão, calor seco e insuportável, dando a sensação de estar respirando poeira, Augusta olhou para o batente da porta e viu marcas de mãos. Levantou-se, pegou um balde com água e sabão, uma bucha de cerdas macias e começou a limpeza. A cor antigamente era branca, mas com a sujeira e o pó tornou-se bege. Como não havia prestado atenção antes? Por quanto tempo o batente estava sujo?

      Terminado, olhou para as janelas e viu-as empoeiradas. Olhou para o chão e não estava limpo como costumava ser. Sentou-se no sofá, recostou a cabeça, fechou os olhos e, mentalmente, começou as lamúrias e reclamações. Tantas pessoas lhe vinham à mente que até perdia as contas. Lembrou-se de uma prima, um desafeto antigo que nunca mais ouvira falar, e uma sensação de vazio tomou-lhe o coração. O que ela havia feito mesmo? Faz tanto tempo que nem se lembrava. Como será que está?

      Aos poucos Augusta foi deletando todas as pessoas que um dia a magoaram. Pensou em si e como estava inerte na vida, perdendo tempo com o que não havia mudança de sua parte. Por onde andariam as pessoas traiçoeiras e mentirosas que um dia cruzaram sua vida? Sumiram? Ou será que Augusta que se afastou do mundo?

      Levantou-se e sintonizou Mozart no pendrive. Sentou-se novamente, fechou os olhos e apenas ouviu as sinfonias. Que maravilha! Instrumento por instrumento, todos ritmados, em sintonia formando a harmonia perfeita da obra-prima de Mozart. Wolfgang Amadeus Mozart, estupendo! Há anos não se deliciava com tamanha perfeição.

      Em meio às notas executadas com perfeição, Augusta se recordava de palavras duras e grosseiras lançadas a algumas pessoas queridas. Elas também se afastaram e ela nunca teve coragem de se redimir pedindo perdão. Foram várias, inclusive sua mãe. Mas mãe é mãe e ela estava sempre por perto cuidando da filha apesar de sua indiferença. Mesmo adulta ainda necessitava da atenção de dona Vera.

      Abriu os olhos e viu os livros enfileirados na estante, todos empoeirados. De longe via-se a poeira escondendo o filete dourado da capa-dura, de várias cores, vermelhas, pretas, verdes, azuis, todas em tons fortes e brilhantes, terminando com um filete dourado em toda a volta e no título. Coleção linda que comprara um a um, pois na época lhe era muito cara para tanta ousadia. Mais de trinta livros, comprados um por mês. Lera somente alguns. O que lhe encantava era olhá-los enfileirados e arrumados. Pegou uma flanela limpa e um a um foi retirando da estante e limpando com cuidado. A estante antiga, em mogno, foi lustrada com óleo de peroba. Mozart reinava absoluto e os livros voltaram a ser os reis da estante.

      Sentou-se novamente no sofá e admirou-os. Sorriu.

      Ouvindo somente Mozart e nada mais, limpou as janelas, tirou teias de aranha dos cantos do teto, mudou o sofá de lugar, colocou um tapete que estava esquecido num cômodo onde só haviam quinquilharias, e neste mesmo cômodo, porta-retratos com fotos antigas da família voltaram à estante, logo abaixo dos livros. Faltava algo na sala, um vaso com flores. Queria rosas verdadeiras, mas não se animara a sair para comprá-las. Buscou naquele cômodo esquecido algum vaso antigo. Encontrou um que era de sua avó, branco com desenhos azuis, português. Estava com flores artificiais, mas não gostou delas, então colocou somente o vaso sobre a mesa de centro, também em mogno e com tampo em vidro temperado.

      Aumentou o som e Mozart invadiu os outros cômodos. O Sol já estava se pondo e seus raios entraram triunfantes pela janela da sala, que antes só haviam sombras. Olhando-o majestoso se despedir, Augusta chorou. Quanto tempo havia perdido com pensamentos destruidores? Sentiu-se leve e à medida em que as lágrimas lhe escorriam pela face, mais a música lhe invadia a alma dando-lhe leveza e fazendo-a retornar à vida.

      Não importaria por quanto tempo cultivou amargura, a partir de agora o cultivo seria outro. Tudo novo, mesmo tudo sendo como sempre foi. Augusta ainda teria uma longa jornada a cumprir e queria esquecer o passado, ou pelo menos tentar esquecer. O presente estava em sua casa, naquela sala com seus livros maravilhosos, Mozart desfilando imponente pelo ar, o Sol a brilhar todos os dias e um coração em processo de limpeza. Não lhe restava nada melhor do que aquele momento que se estenderia pelo resto de sua vida.

      Augusta, enfim, renasceu. Foi até a cozinha, avistou várias sujeiras que seriam retiradas no outro dia, fez um chá, ajeitou torradas numa cumbuca de vime, forrou a mesa com uma toalha de chita estampada com flores amarelas e vermelhas, xícaras novas que eram usadas apenas em ocasiões especiais, brancas com desenhos portugueses em azuis, combinando com o vaso da sala. Lembrou-se do jogo completo com pratos, xícaras e sopeira, tudo portugueses. Usaria diariamente desde então. Foi até a casa ao lado, onde morava sua mãe e convidou-a a acompanhar num chá. Dona Vera estranhou, mas sorriu largamente e aceitou de pronto o convite. Pediu para a filha esperar alguns minutos, ajeitou-se no espelho do quarto e foi tomar o chá da tarde com a filha Augusta.

      Fim.

domingo, 23 de agosto de 2015

Nelson Rodrigues


A Vida Como Ela É

O Canalha

Quando soube que a noiva tinha viajado de lotação com o Dudu, sentada no mesmo banco, pôs as mãos na cabeça:
— Com o Dudu?
E ela:
— Com o Dudu, sim.
As duas mãos enfiadas nos bolsos, andando de um lado pa­ra outro, ele estaca, finalmente, diante da pequena:
— Olha, Cleonice, vou te pedir um favor de mãe pra fi­lho. Pode ser?
— Claro.
Puxa um cigarro:
— É o seguinte: de hoje em diante, ouviu?, de hoje em diante, tu vais negar o cumprimento ao Dudu.
Admirou-se:
— Por que, meu anjo?
Ele explicou:
— Porque o Dudu é um cínico, um crápula, um canalha abjeto. Um sujeito que não respeita nem poste e que é capaz até de dar em cima de uma cunhada. O simples cumprimento de Dudu basta para contaminar uma mulher. Percebeste?
— Percebi.
Ainda excitado, ele enxuga com o lenço o suor da testa:
— Pois é.
Passou. Mas a verdade é que Cleonice ficou impressionadíssima. Dava-se com o Dudu, sem intimidade, mas cordialmen­te. Dançara com ele umas duas ou três vezes. Mas como o Du­du fosse fisicamente simpático e educadíssimo, Cleonice guar­dara dos seus contatos acidentais uma boa impressão. Caiu das nuvens ao saber que ele era capaz de “dar em cima de uma cunhada”. Teria, porém, esquecido. Voltando à carga, sentado com a noiva num banco de jardim público, ele começa:
— Meu anjo, tu sabes que eu não tenho ciúmes. Não sabes?
— Sei.
Pigarreia:
— Só tenho ciúmes de uma pessoa: o Dudu. E nunca te es­queças: é um canalha, talvez o único canalha vivo do Brasil. To­do mundo tem defeitos e qualidades. Mas o Dudu só tem defeitos.
Inexperiente da vida e dos homens, ela fazia espanto:
— Mas isso é verdade? Batata?
Exagerou:
— Batatíssima! Quero ser mico de circo se estou mentin­do! — E repetia, num furor terrível e inofensivo: — Indigno de entrar numa casa de família!
OBSESSÃO
Então, sem querer, sem sentir, Lima foi fazendo do Dudu o grande e absorvente personagem de suas conversas. Argumen­tava:
— Você é muito boba, muito inocente, nunca teve outro namorado senão eu. Queres um exemplo? Sou teu noivo, vou casar contigo. Muito bem. O que é que houve entre nós dois? Uns beijinhos, só. É ou não é?
Impressionada, admitiu:
— Lógico!
Lima continua:
— Figuremos a seguinte hipótese: que, em vez de mim, fos­se teu namorado o Dudu. Tu pensas que ele ia te respeitar co­mo eu te respeito? Duvido! Duvido! Dudu não tem sentimento de família, de nada! É uma besta-fera, uma hiena, um chacal!
Crispando-se, Cleonice suspira: “Parece impossível que existam homens assim”. Lima prossegue: “Vou te dizer uma coi­sa mais: o Dudu olha para uma mulher como se a despisse men­talmente!”.
A FESTA
Dias depois, Cleonice está conversando com umas coleguinhas quando alguém fala do Dudu. Então, ela olha para os lados e baixa a voz: “Ouvi dizer que o Dudu deu em cima de uma cunhada!”. Uma das presentes, que conhecia o rapaz, a família do rapaz, protesta: “Mas o Dudu nem tem cunhada!”. Mais tar­de a espantadíssima Cleonice interpela o Lima. Ele não se dá por achado:
— Eu não disse que o Dudu deu em cima de uma cunha­da. Eu disse que “daria” caso tivesse. Você entendeu mal.
Mais alguns dias e os dois vão a uma festa, em casa de famí­lia. Entram e têm, imediatamente, o choque: Dudu estava lá! Jun­to de uma janela, com o seu bonito perfil, fumando de piteira, pálido e fatal, atraía todas as atenções. Lima aperta o braço da noiva. Diz, entredentes: “Vamos embora”. Ela, espantada, per­gunta: “Por quê?”. O noivo a arrasta:
— O Dudu está aí. E não convém, ouviu? Não convém! Imagina se ele tem o atrevimento de te tirar para dançar. Deus me livre!
O MEDO
Na volta da festa, Cleonice faz, pela primeira vez, um co­mentário irritado:
— Fala menos nesse Dudu! Sabe que eu só penso nele? Te digo mais: tenho medo!
Lima estaca: “Medo de que e por que, ora essa?”. Ela pare­ce confusa:
— Essas coisas impressionam uma mulher. — E repete o apelo: — Não fala mais nesse cara! É um favor que te peço!
Ele obstinou-se: “Falo, sim, como não? Você precisa olhar o Dudu como um verme!”. Cleonice suspirou:
— Você sabe o que faz!
ÓDIO
Corria o tempo. Todos os dias, o Lima aparecia com uma novidade: “Vi aquela besta com outra!”. E se havia uma coisa que doesse nele, como uma ofensa pessoal, era a escandalosa sorte do “canalha” com as outras mulheres. Nos seus desaba­fos com a noiva, Lima exagerava: “Cheio de pequenas! Tem na­moradas em todos os bairros!”. Um dia, explodiu:
— Vocês, mulheres, parece que gostam dos canalhas! Por exemplo: o meu caso. Sem falsa modéstia, sou um sujeito decente, respeitador e outros bichos. Pois bem. Não arranjava pe­quena nenhuma. Até hoje não compreendo como você gostou de mim, fez fé comigo e me preferiu ao Dudu. — Pausa e baixa a voz, na confissão envergonhada: — Porque o Dudu me tirou todas as outras namoradas, uma por uma.
Era essa, com efeito, a origem do seu ódio por Dudu, do despeito que o envenenava.
AS BODAS
Chega o dia do casamento. Poucos minutos antes da ceri­mônia civil, Lima, transfigurado, ainda diz ao ouvido da noiva: “O Dudu roubou todas as minhas pequenas, menos você!”. Pois bem. Casam-se no civil e, mais tarde, no religioso. Quase à meia-noite, estão os dois sozinhos, face a face, no apartamento que seria a nova residência. Ele, nervosíssimo, baixa a voz e pede: “Um beijo!”. Ela, porém, foge com o rosto: “Não!”. Lima não entende. Cleonice continua:
— Falas te tanto e tão mal do Dudu que eu me apaixonei por ele. Eu não trairei o homem que eu amo nem com o meu marido.
Lima compreendeu que a perdera. Sem uma palavra deixa o quarto nupcial. De pijama e chinelos veio para a porta da rua. Senta-se no meio-fio e põe-se a chorar.
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domingo, 9 de agosto de 2015

Antes de Morrer


      A campainha tocou quebrando o silêncio da casa de seu Ernesto, Arnesto, como era chamado, em homenagem a Adoniram. Cecília chegou sozinha, depois de anos, à casa de seu pai. Ainda tinham contato por telefone ou por vez ou outra ele ir à sua casa. Mas o vazio daquela casa antiga, com móveis rústicos e antigos, anunciava uma morte em doses homeopáticas e insuportável. Era uma contagem regressiva para partir e deixar tudo para trás.

      Com alegria. seu Arnesto abraçou a filha, que retribuiu prontamente, beijando-lhe a bochecha.

      - Que Deus te abençoe... - disse apenas.

      -Amém! - respondeu com um sorriso meia-boca.

      Ana Dorotéia, sua mãe, já estava no fogão preparando um belo almoço para a única filha viva, amada, mas em seu coração uma culpa a acompanhava desde seu nascimento. Já cansara de se ajoelhar e pedir perdão a Deus, mas a culpa já havia se infiltrado em seus poros e não sairia nunca mais. Preparava seu prato favorito: lasanha. E de sobremesa, sorvete.

      - Cadê os meninos? - perguntou-lhe o pai.

      - Daqui a pouco eles chegam.

      Seu Arnesto, desde a garagem, começou a contar sobre o que havia feito de diferente, a nova cor do ambiente, o sofá reformado por ele mesmo, os livros arrumados na estante, como Cecília sempre implicava pela bagunça, o quadro se destacando na parede azul da sala, pintado quando ainda era criança e que fora desprezado por todos, enfim, o entusiasmo não cabia no peito de seu Arnesto.

      Abraçou a mãe longamente e depois ouviu-a contar sobre a vizinhança. Não tinha muito o que falar sobre si, mesmo as dores agonizantes em sua coluna, não reclamava. Sua distração era a vida dos outros, dos vizinhos, da família, e pouco perguntava à filha sobre sua vida.

      Cecília se divertia ouvindo os causos. Olhou para a varanda e viu a mesa enorme, de madeira, que era de sua avó, toda empoeirada e cheia de quinquilharias. Lembrou-se de como eram animados os domingos em família, com todos os filhos jovens e muita falação durante a refeição. E das broncas de dona Ana, mandando-os lavar as mãos antes de enfiá-las na comida. Uma angústia abateu-lhe e disfarçadamente enxugou uma lágrima que escorria pela sua bochecha rosada. Aqueles momentos de outrora não mais se repetiriam. Faltavam os dois irmãos, que já não estavam mais presentes. Se deu conta de que a qualquer hora um dos pais ficaria sozinho e que era de sua responsabilidade cuidar deles até o fim.

      Olhou para a sala e viu seu pai sentado na poltrona grená preferida, com o olhar perdido, olhos embaçados pela catarata, boca semiaberta e murcha, barba por fazer e um pequeno tremor nas mãos. Outra lágrima escorreu. Disfarçou e foi até a mesa bagunçada e empoeirada e começou a tirar os objetos e a acomodá-los num canto da varanda.

      Dona Ana observava e preferiu não comentar nada. Sempre gostou de ditar ordens, mas hoje calou-se. Cecília ajeitou tudo e colocou uma toalha branca, depois os pratos, cada um de uma cor, restos de vários jogos antigos, presente de casamento dos pais, talheres novos e copos de requeijão. Tudo muito bem arrumado. Ao centro, ajeitou um vaso de plástico transparente com flores artificiais, empoeiradas e sem viço, que ficava na estante onde estavam os livros, agora organizados.

      Seu Arnesto continuava a pensar, sentado na poltrona. Não tinha muito assunto com a filha. Não esta filha, que fora distanciada por ele mesmo. Sempre deixou claro que os outros dois eram os preferidos, mas agora só Cecília estava presente em sua vida. Ela olhou o pai idoso e agradeceu a Deus por tê-lo perdoado. Não sentia mais rancor e nem desprezo, Compaixão e respeito eram as palavras ideais para descrever seu sentimento. A qualquer momento ele também iria embora, e poderia ir tranquilo e em paz.

      A campainha soou insistentemente, assustando seu Arnesto. Eram os netos, filhos de Cecília. Jovens alegres e de bem com a vida que iluminaram a casa dos avós. Dona Ana alegrou-se a abraçou-os apertado. Seu Arnesto, tímido e calado, abençoou-os e retornou à sua poltrona. Queria ficar quieto e absorver toda aquele momento de alegria, não tinha mais idade para ter estripulias de sorrir e quem sabe gargalhar. Observava tudo e em pensamentos agradecia por essa confraternização, talvez a última em sua casa. Não morreria em paz, pois a consciência não o deixaria, mas levaria consigo a imagem de uma mesa posta com carinho, cuidado e com a família novamente reunida, brindando a vida que lhe restava.

      A alegria dos netos, a música em um volume mais alto, a comida maravilhosa de dona Ana e a mesa novamente repleta de harmonia, tornou aquele domingo, talvez o último em família, o melhor de todos os tempos. Seu Arnesto e dona Ana não se lembravam da última vez em que foram felizes. A idade fez com que se esquecessem de momentos bons e só se lembrassem de saudades. Lembraram dos filhos não presentes e desejaram estarem em um bom plano espiritual, com Deus e com todos os parentes já falecidos. Olhavam para Cecília e respiravam aliviados, não por ser ela a última opção de uma velhice tranquila e sem solidão, mas por amarem incondicionalmente, mesmo não demonstrando durante toda a vida esse sentimento. E como um tapa na cara de pelica, ela acabou sendo a única opção que lhes restava. Não sabiam se ainda haveria tempo para demonstrar o amor de pai e mãe que ela merecia, mas o silêncio nos olhares falava mais profundamente do que qualquer palavra. Sentiram paz naquele dia.

      Cecília, ao se despedir, olhou fundo nos olhos do pai, beijou-lhe a bochecha e deixou a entender que tudo estava bem, que a mágoa não resistiu ao tempo, que o rancor fora quebrado e que o amor persistiu, apesar de tudo.

      Fim.

domingo, 2 de agosto de 2015

Felicidade Realista


De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz. Não é tarefa das mais fáceis.
A princípio bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.
Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor… Não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo.
Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito. É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor próprio.
Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.
Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno.
Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz.

Martha Medeiros

Do livro "Montanha Russa", 2003.

domingo, 26 de julho de 2015

Minha Doce Vovó


Minha doce avó não está mais por aqui, foi adoçar os céus...

Nunca conheci pessoa mais doce e meiga que ela. Minha vovó Dida, pequenininha, frágil, delicada, não conhecia as letras, mas memorizava os nomes e os números do telefone dos sete filhos. A qualquer hora sabia discar e falar com eles.

Bordava flores lindas, mimosas, assim como ela. Foi a companheira leal de uma vida inteira ao lado de meu avô. Gostava de nos contar quando se conheceram, na roça, e depois ele foi à guerra e ela ficou esperando-o. Assim que voltou se casaram e começou a saga da família Guerra. Tempos difíceis, vida difícil, com poucos recursos... Contou várias vezes que quando estava grávida de minha mãe, a filha mais velha, em uma de suas ousadias, poi pular um "corguim" e a bolsa estourou. Estava de sete meses. Foi pra casa e logo nasceu minha mãe, pesando pouco mais de um quilo. Naquele tempo não havia recurso nenhum! Tudo era resolvido com a parteira. E com a graça de Deus, minha mãe cresceu sadia. Contava também que ela era tão miudinha que meu avô colocava-a no bolso do paletó quando iam a algum lugar. Logo depois vovó engravidou novamente e daí pra frente tudo deu certo.

Com seus vários netos, posso me considerar uma querida, pois era a única que tinha apelido: negrinha.

Também tive contato com minha bisavó, minha bisnonna, italiana autêntica, mãe de minha doce avó. Também tinha um apelido dado por ela: pelota... Então, já sabem que na infância eu era gordinha e morena queimada do sol. Foi embora um dia antes de meu aniversário de cinco anos e eu nunca mais me esqueci.

Infância maravilhosa com avós maravilhosos, doces, ternos, que nos enchiam de carinho e doces, e pão caseiro com chá de cheiro, chá feito somente com água e açúcar. Depois de muito tempo é que fui saber o segredo daquele doce chá. Amávamos! Queimávamos a língua de tão quente que era servido, mas que importância havia quando era acompanhado do pão caseiro quentinho ou do bolinho de chuva?

Nunca ouvi sequer uma reclamação de sua boca, ou alguma irritação, ou algum choro ou dor... Sempre me lembro dela nos momentos de angústia, de sofrimento... Pela sua força em ser feliz como a simplicidade de um pôr do Sol, ou de um cantar do pássaro preto que tinham na varanda. Tive a oportunidade de estar ao seu lado em seus últimos dias, no hospital, já debilitada... Ela quietinha, de olhos fechados e eu ao seu lado, o dia todo. Depois, por decisão médica, resolveram operá-la. E ela se foi... Minha doce vovó...

Neste dia dos avós, mais que tudo me recordo dela com saudades....

domingo, 19 de julho de 2015

Infância


Minha infância foi praticamente com os colegas na rua. Hoje em dia, dependendo do lugar, crianças não têm esse privilégio, mas eu tive. E escorregar na terra, pra desgosto de minha mãe, eu amava.

Não tínhamos parques ou pracinhas arrumadinhas por perto pra frequentarmos. Era na rua mesmo, onde havia pouco movimento de carros, cidade pequena, e em todas as casas havia uma ou mais crianças pra farra ser garantida.

Uma vez, na minha rua, derrubaram uma casa e ficou aquele barranco me olhando, me chamando pra ir alisá-lo.

Me lembro como se fosse hoje. Juntamos nós todos e fomos pra lá, escorregar. Podem imaginar a cor da roupa que ficou? Não me lembro se deu pra aproveitá-la depois de lavada, nem se foi lavada, só sei que nesse dia minha mãe me enfiou no tanque de lavar roupas e me ensaboou até a cabeça com sabão em barra. E eu quietinha, pra não apanhar. Naquele tempo levávamos uns tapas de vez em quando. Minha mãe pensando que era castigo e eu adorando o banho de tanque. Coisas de infância que a gente não se esquece.

Meus filhos também tiveram a liberdade de brincar com os vizinhos na rua também, mas bem menos que eu. A cidade cresceu e o movimento de carros aumentou. Sem falar no perigo de cair e machucar. Eu machuquei muito, principalmente os joelhos, que têm cicatriz até hoje, mas meus meninos não. Eles brincavam mais em casa, cada dia na casa de um, bem mais que na rua.

Quando eu era mais nova, não tinha muita paciência em ouvir meus pais se lembrarem da infância. Hoje sou eu que me lembro com saudades. O tempo é implacável e vingativo, e tudo se repete, de geração em geração. "Como nossos pais", como cantava Elis.

No meu tempo, apesar da liberdade, tínhamos hora pra tudo. E obedecíamos com rigor, claro. No dos meus filhos, tinha que ir chamá-los e até arrastá-los pra voltar pra casa. Se deixasse, ficavam o dia todo e até a noite na casa dos vizinhos. Hoje em dia tudo mudou. Muita tecnologia e tudo muito pronto pra só pegar e usar, ou então abrir o pacote e comer.

Ruim? Não, apenas outros tempos.

Hoje ouço meus pais falarem de suas infâncias, ouvi muito minha avó contar sobre a juventude... E, apesar do sofrimento, ouvi muitos relatos bons, emocionantes.

Ah, meus filhos não têm paciência de me ouvir falar de minha infância... Coisas da vida, cada um com sua geração.

Boa semana!

domingo, 12 de julho de 2015

Insistir ou Desistir


Essa é a frase padrão que ouvimos a vida inteira. Muito boa como incentivo, mas nem sempre é possível segui-la. Pode ser que esteja totalmente certa, mas pode ser uma grande geradora de transtornos e sofrimentos.

Quando eu era adolescente, recebi um bilhetinho de um rapaz com a famosa frase "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", O Pequeno Príncipe. Eu gostava do rapaz, nos dávamos bem, mas nunca me interessei além de uma amizade. Fiquei um bom tempo lendo a frase e pensando nela. Não concordei. Me afastei dele e nunca mais o vi. Por que eu me tornaria responsável pelo sentimento do outro, sendo que nunca havíamos falado sobre o assunto? Nem demonstrado nada além de amizade, pelo menos de minha parte?

Sempre fui questionadora e muitas vezes até chata por não concordar com frases feitas e ditados arcaicos. E essa frase "Não desista" é um imenso peso que colocam em nossas costas e que nos faz pensar nela o resto da vida por situações que desistimos, por não serem mais importantes, por não estar ao nosso alcance, enfim.

Eu também pensava nela como absoluta. Por que desistir se posso tentar até conseguir?

Será que um sonho, uma situação, um meio de vida, um relacionamento, será que tudo isso vale mesmo a pena? Será que não ficamos cegos e não enxergamos mais ao nosso redor por pura teimosia?

Alguns sonhos e vontades, estão tão incubados em nós que valem a pena insistir até conseguir. Mas outras não. E não há mal nenhum em desistir e partir para outro projeto.

Dói quando chegamos a triste conclusão de que não dá mais, que já esgotou o esforço, principalmente quando envolve outra ou outras pessoas. Sofremos muito, mas o mundo é tão cheio de oportunidades que talvez logo ali na frente, aquela porta fechada que nos sufocava tanto, nos faz abrir janelas e respirar um novo destino.

Mudanças sempre nos assustam, nos causam medo e insegurança, mas se não tentarmos de uma outra maneira, por um outro caminho, como saberemos? O que podemos saber do futuro?

A mesma coragem que temos em continuar e não desistir, temos em mudar o rumo e começar tudo de novo.

Persistir sim, sempre, mas com moderação, com cautela, com inteligência e bom senso.

Desistir sim, sempre que o sofrimento ultrapassar a vontade de continuar.

Não deixar nunca de viver o presente, com vontade, alegria, bom humor, mas claro, planejando o futuro.

Contar com a sorte não é suficiente, há muito trabalho, suor e lágrimas que devem valer a pena no decorrer do trajeto até a vitória adquirida.

Boa semana!