segunda-feira, 26 de maio de 2014

O Primeiro e Último Amor

   
      Seis meses se passaram depois da morte de dona Isolina, esposa de seu Arnaldo. Casamento de cinquenta anos e três meses, até que ela morreu "de repente", como costumam dizer quem simplesmente morre sem antes apresentar nenhum sintoma de nada. Foram felizes na medida do possível, com seus altos e baixos, com muitas cobranças por parte da família que seu Arnaldo achou, num determinado período, que tudo se acabaria. Mas os anos foram passando e tudo foi se ajeitando como tinha que ser. Os seis filhos nasceram, cresceram e formaram família. Agora seu Arnaldo estava sozinho, mas não se sentia solitário e nem infeliz. Ainda tinha muito o que viver, apesar de seus setenta e dois anos, com uma saúde de dar inveja a qualquer jovem e ainda uma última atitude que ele pretendia ir atrás. Agora era a hora.

      Na sua juventude, seu Arnaldo foi um galanteador, um conquistador, que deixou muitas moçoilas apaixonadas e perdidas por ele. Mas uma única moça resistiu aos seus encantos: Beatriz! Linda morena, sensual, cativante e com um sorriso arrebatador. Ela não dava muita conversa para Arnaldo na época, pois já tinha compromisso sério com um outro rapaz que fora arranjado pela família, como era o costume daquela época. Seu Arnaldo sempre procurava saber por onde andava Beatriz e quando a encontrava casualmente pelas ruas ficava só de longe a admirar aquela que surrupiou seu coração. Continuava bela como era na juventude, muito discreta e também viúva há alguns anos.

      Seu Arnaldo não pensou duas vezes: agora iria atrás daquela ingrata que nem ao menos lhe ofereceu os lábios carnudos para que sentisse o gosto de uma paixão platônica por esses longos cinquenta e poucos anos. Agora estava livre para buscar aquele corpo que aos seus olhos continuava perfeito; não um corpo sedutor ou jovial, mas um corpo feminino que sempre desejou. Poderia ele agora traçar planos, combinar passeios, e quem sabe, se casar de novo. Por que não?

      Só de imaginar esse encontro ficava todo eufórico, o coração disparava, as borboletas lhe enchiam o estômago com aquele friozinho típico de apaixonados e deixava-o mais jovial ainda. Um belo dia, decidido, tomou um bom banho, se perfumou, colocou a melhor roupa e foi à procura da amada que durante esses anos todos aguardava num cantinho todo especial nesse coração idoso, porém ainda capaz de amar e ser amado. Estava se sentindo jovem, bonito, mas não queria ser aquele sedutor de outrora; agora era um simples cavalheiro que estava em busca de sua rainha adorada para lhe oferecer o braço quando saíssem para um passeio, e um lar quando finalmente o casamento se concretizasse.

      Sabia onde dona Beatriz morava e com um belo buquê de rosas cor de rosa bateu a sua porta. Ela atendeu e se assustou. É claro que se lembrava dele, apesar de nunca o cumprimentar nas ruas quando se cruzavam por acaso ou por uma premonição do destino que já traçava um final de vida juntos. Convidou-o a entrar e preparou-lhe um café. Serviu uma mesa simples, mas muito bem arrumada, com um bolo de laranja que exalava um perfume delicioso por toda a casa. Conversaram a tarde toda até que seu filho chegou, cumprimentou seu Arnaldo, conversou um pouco e logo saiu novamente. Ficaram os dois sozinhos e seu Arnaldo finalmente teve a coragem de se declarar. A voz embargada não impediu que ele pegasse suas mãos, que agora estavam suando frio e trêmulas, o coração disparado, as pernas bambas e a respiração ofegante...

      Os olhos de Beatriz brilharam quando ouviu todas as declarações, e sem pensar muito confessou que aquele sentimento era recíproco, apenas não deu confiança por ele ser muito galanteador com todas e não queria ser apenas mais uma em sua vida. Pronto! Se abraçaram, se beijaram e começaram um romance.

      Mas seu Arnaldo não queria ficar no romance; queria se casar logo e viver o pouco que lhe restava ao lado de seu grande amor. Dona Beatriz aceitou e marcaram a data. Se casaram, viajaram para uma cidade próxima, pois não queriam perder tempo com lugares longes. Tinham mais o que fazer do que conhecer lugares; isso ficaria para uma outra ocasião. Queriam ficar a sós, em sua casa, que fora toda reformada, alguns móveis trocados e muito bem arejada.

      Seu Arnaldo e dona Beatriz nunca foram tão felizes como estavam sendo agora, e isso deixava bem visível para todos que os conheciam. Irradiavam juventude e demonstravam isso para todos que os viam. Que seja por um ano, ou por um mês, não importa! Tinham pressa de viver esse amor que fora guardado esses anos todos.

      Um dia, seu Arnaldo se levantou antes de sua amada para fazer-lhe uma surpresa, afinal já se passara um mês daquela união mais que esperada. Pegou uma bandeja e arrumou um lindo café da manhã, com um solitário com uma rosa cor de rosa como ela gostava e foi acordar sua rainha. Chegou ao quarto, colocou a bandeja numa mesinha que ficava num canto do quarto e foi encher de mimos a doce Beatriz. Estranhou ela não se mexer, nem acordar, pois sabia que tinha o sono leve. "Deve estar cansada demais" - pensou ele. Passou a mão pelo seu rosto e sentiu uma pele gelada. Começou a sacudir e nada! Pegou sua mão também gelada, já estava com as unhas escuras, começou a massagear os punhos, e nada! Começou a chorar desesperadamente. Beatriz estava morta!

      Morrera tranquila em sua cama, com um leve sorriso nos lábios e uma feição de total felicidade. "De repente", mais uma vez essa morte sem anúncio rondou a vida de seu Arnaldo. Se foi seu amor,  deixando-lhe apenas a saudade e o contentamento de ter vivido por um mês, a mais perfeita harmonia, o mais profundo amor, o mais ingênuo carinho, a ternura verdadeira. Um mês que valeu por toda uma vida...

      "Vai, meu amor, e me espere que logo lhe encontrarei, seja onde for... e lhe procurarei por toda a eternidade, mas lhe acharei, e lhe pegarei de novo e não soltarei nunca mais".

      Foram essas as palavras de seu Arnaldo, quando o caixão de sua amada desceu ao túmulo.

      Fim.

     Texto publicado em 20/06/2012


7 comentários:

  1. Lindo conto de amor!mas quero ver quando ele também chegar lá no alto e D Isolina estiver esperando com um rolo de massa,rs beijos,chica e linda semana!

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  2. Claro que isso tudo, baseado naquilo que a chica faria...rs Primeiro pegaria a tal de D,Beatriz, pra um papinho "amigo"..Beeeeeeem boazinha,né?rsss

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    1. kkkkkkk Chica! Dona Isolina vai estar bem tranquila, vivendo na paz... e o máximo que ela vai dizer pro marido é "ai, ai, ai...".... rsrsrsrs

      Adoro!
      Beijos, lindona!

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    2. A d. Isolina deve estar com o outro amor da vida dela há muito tempo, viu suas fofoqueiras??!!

      Ahahahhahahahhahahahahhahahhahahhahahahha...

      Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

      KK

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    3. Mas olha só!!!
      Tomara mesmo que ela esteja bem, com o amor da vida dela mesmo! Assim não vai precisar do pau de macarrão, né, Chica? kkkkkkkkkk
      Beijos

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  3. Muito boa sua construção Clara e o final emocionante que nos coloca na cena, junto ao catre onde jaz a amada,
    Gostei apesar do final triste, mas um bom conto com etapas bem definidas como sempre.
    Sua praia que você faz bem feita.
    Meus parabéns.
    Um carinhoso abraço,
    Beijo de paz amiga.

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    1. Toninho poeta, muito obrigada!
      Suas palavras me enchem de alegria, como sempre!
      Uma linda semana pra vc, na paz também!
      Beijos

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