segunda-feira, 5 de maio de 2014

É Minha!


      Finalmente o celular toca... Clóvis atende aos berros perguntando do paradeiro de Agnes, sua mulher. Ela, pacientemente responde que está tudo bem e que já está chegando em casa. E desliga. Clóvis, mais irritado ainda joga o celular sobre a cama, coloca as mãos na cabeça, suspira fundo e chora.

      Vai até a janela e fica escondido atrás da cortina de forma a não ser visto por Agnes quando esta chegar. Adorava vê-la descer do carro, pendurar a bolsa no ombro, ajeitar os cabelos e caminhar jogando os quadris para os lados, se equilibrando num salto agulha. Tinha vontade de ir ao seu encontro e pegá-la no colo, poupando suas belas pernas do pequeno trajeto. Levaria-a para o sofá, aconchegando-a sobre as almofadas para depois venerá-la incansavelmente. Amava exageradamente aquela mulher. Tanto que não suporta a hipótese de não vê-la nunca mais chegando em casa.

      Após vinte minutos o portão da garagem se abre e Agnes entra com seu carro. Clóvis admira a mulher dos seus sonhos, a mulher de sua vida, a futura mãe de seus filhos, adorada e idolatrada...

      Agnes calmamente abriu a porta, colocou a bolsa sobre o sofá e foi direto para a cozinha. De cabeça erguida encheu um copo d'água e bebericou aos goles, calmamente. Já sabia o que estaria por vir.

      Clóvis, vermelho de ódio, não esperou ela terminar de engolir e lhe arrancou o copo de suas mãos. Seu olhar era de ódio, de revolta... Pegou-lhe pelo pescoço e encostou-a na parede. Olhou em seus olhos e obrigou-a a descrever com detalhes o motivo de seu atraso. Agnes nem se assustou com as ameaças do marido, pois essa atitude se tornara corriqueira. Desde o sim na frente do padre que Clóvis se transformara em outro homem. Agnes se calava para evitar o pior.

      Depois de soltá-la Clóvis se afastou e ficou olhando em seus olhos. Abraçou-a e mais uma vez declarou seu amor eterno. Agnes ficou calada, como sempre fazia, mesmo não entendendo o motivo de tanto ódio que sentira por ela. Se declarava e ao mesmo tempo a agredia. Tratava-a com indiferença e aos mesmo tempo tinha a impressão de que ele queria entrar em seu corpo e permanecer por lá, com medo de não tê-la mais nos braços. Tratava-a como abajur empoeirado esquecido num canto e no minuto seguinte exigia mil explicações sobre namorados do passado. Quase surtou quando ela lhe disse que encontrara por acaso o primeiro namorado, de infância. Ficou tão transtornado que ela precisou ficar trancada no quarto, até que ele se acalmasse. Com o tempo Agnes aprendeu a lidar com essa situação e a contornar eventuais chateações. Até gostava de se sentir venerada e desejada. Ficava excitada em ver seu marido deseja-la intensamente quando tirava a roupa sabendo que ele observava-a, quase explodindo de prazer, e depois arrastá-la para algum canto e saciar sua vontade. Tinha prazer em provocá-lo sexualmente, fazendo com que ele se tornasse seu escravo, com joguinhos de sedução e com brinquedinhos de sex shop.

      Nos momentos de ternura era um cavalheiro, intenso, apaixonado, mas bastava estarem com mais pessoas ou mesmo longe de seus olhos que já fantasiava traições, abandonos e mentiras. E culpava-a sem ao menos ter motivo. Virava um louco, chegando perto de dar-lhe uma surra por tantos ciúmes que sentia.

      Agnes se lembrou do dia do casamento, quando todos já haviam ido embora e apenas os dois ficaram no salão esperando alguém que os buscasse. Apesar de fantasiar uma noite de núpcias inusitada a atitude de Clóvis surpreendeu-a. Começou a chutar as mesas e a derrubar as cadeiras, xingando e colocando a culpa na mulher. Chorou, numa noite que seria especial. Mas entendeu o nervosismo do marido e se calou.

      Vendo-a dormir Clóvis contemplava sua musa, sua amada... Observava-a o tempo todo e cada vez mais amava Agnes. E culpava-a por tanto amor não correspondido. Amava pelos dois, vivia pelos dois, respirava pelos dois e sofria por tanto amor, uma dor física e mental que lhe fugia do controle. Quando se dava conta já tinha estourado com Agnes quando deveria amá-la.

      Quase enlouqueceu quando a mulher sugeriu se separarem. Nunca, jamais, nem em pensamento haveria essa possibilidade. Era a mulher da sua vida e se não fosse para morrer junto dele morreria sozinha. Jamais outro homem tocaria num fio de seu cabelo. Mataria se fosse preciso, mataria Agnes e depois se mataria, mas a dor de vê-la nos braços de outro jamais sentiria.

      Agnes, com toda sua meiguice, suportava calada, na certeza de que um dia as atitudes grosseiras de Clóvis se acabassem. Não o provocava, não o enfrentava, não dava nenhum motivo para nenhuma desconfiança. Amava-o, apesar de tudo. Vivia no limite entre a vida e a morte. Sabia que poderia haver um fim trágico e mesmo assim ela gostava. Se sentia poderosa tendo aos seus pés um homem capaz de matar ou morrer por ela. Achava excitante o olhar do marido quando estava com ódio e logo em seguida venerava-a. Gostava das agressões seguidas de juras de amor eterno. Amava-o a sua maneira, mesmo sabendo que qualquer dia poderia ser o último dia de sua vida.

      Fim.



   

8 comentários:

  1. Puxa, que tristeza essa vida de Agnes e que pena tenham tantas dela por aí, sofrendo em nome do amor. TRISTE! beijos,chica e linda semana!

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    1. É comum, Chica, infelizmente. Quem vê do lado de fora sabe do perigo, mas quem convive com gente assim muitas vezes não tem ideia do perigo que corre.
      Beijos, gaúcha!

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  2. Esse negócio de ficar aguentando maluco é coisa de maluco. Uma combinação de doenças...medo, necessidade. sei lá....não dá certo. Esse negócio de violência, só se for bem controlada e de brincadeira - e consentida. Nada de violento de verdade. Não é à toa que muita gente morre por causa disso...mais mulheres do que homens, naturalmente. Mas tb tem muita doida por aí, pronta pra cortar as coisas todas enquanto o cara dorme...acontece muito.
    Giu

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    1. É um relacionamento de vida e morte, viver na corda bamba, dormir sem ter a certeza de acordar.
      Giu, esses relacionamentos, infelizmente, são mais comuns do que imaginamos. Não propriamente esse que eu descrevi, com troca, mas um possessivo que persegue, que pensa que ama mas no fundo é obsessão, um horror! Sei bem o que é isso.
      Beijos

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  3. Clara, excelente sua descrição de um casal neuras. Porque para existir o dominador tem sempre que ter a pessoa que aceita ser dominada. Sem dúvida é um amor doentio e nenhuma das partes é realmente feliz ou faz o parceiro feliz. E, infelizmente, sabemos que a maioria desses casos acaba mal.
    Beijos

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  4. Ai, que meda!
    As pessoas quando amam, sempre acham que poderão mudar a situação. Mas as pessoas não mudam, com o passar do tempo. elas pioram :)
    No começo dessa semana, aqui na cidade onde moro, uma mulher ateou fogo na casa e no marido, porque viu mensagens de outra mulher no celular. Agora o marido está morto, a casa queimada e ela presa. As histórias de desamor sempre têm final triste.
    Clara, quando você comentar no "Luz", depois que comentar, clica no link para confirmar o que te avisei no post passado. Ele está quebrado e acho que tem de tirar o acento do Lúcia. Está assim https://plus.google.com/+ClaraL%FAcia
    Beijus,

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  5. Clara, essa narrativa é bem intensa. Alguns seres humanos têm mesmo formas de amar muito estranhas. O que mais gostei foi alternar entre a perspectiva dele e dela, como se fosse uma história contada em duas vozes.
    Querida, tem uma pequena surpresa para vc lá no blog, caso queira participar: http://bercodomundo.blogspot.pt/2014/05/the-cracking-chrispmouse-bloggywog-award.html

    Beijinho, um doce restinho de semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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  6. Uma relação doentia, fadada a uma tragédia, mesmo. Intenso!
    Beijo, Clara.

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