quarta-feira, 30 de abril de 2014

Um Detalhe


      Segundo dia de encontro com aquela deusa, Rafael estava empolgado. Não diria apaixonado, mas estava muito próximo de se perder por aquela menina. Ruth. Uma deusa especial que cruzou seu caminho e lhe fez trocar a cerveja com os amigos por uma sala fria de cinema 3D.  Não se lembrava do filme, mas por ser 3D provavelmente seria de algum super herói.

      Se sentaram bem lá no fundo para terem maior liberdade aos beijos e abraços. Não queria pressa para os finalmente. Um dia de cada vez e tudo seria completo.

      Ruth era moça para casar, linda, meiga e com um sorriso encantador. Difícil conquistá-la e como era o segundo dia a conquista ainda não havia terminado. Qualquer descuido e perderia a rica oportunidade de, finalmente, ter um relacionamento sério. Já passara da hora em pensar em família, filhos, cachorro e viagens nas férias. Ruth era a escolhida, a eleita para ocupar o suposto cargo.

      Rafael era detalhista, observador, rígido até demais em suas escolhas. Detalhes bobos não passariam pelo seu crivo de observação. Todos os passos eram medidos meticulosamente e estudados para ser tudo com a maior perfeição. Desde um oi seguido de beijo na mão até um até amanhã, meu amor. Era chato e exigente. Ele escolhia e nunca se permitia que o escolhessem. Não gostava de certas atitudes das mulheres abordarem o rapaz. Isso estava completamente fora de cogitação de acontecer. Nem uma saída rápida compensava o desgaste e os gastos desnecessários. Não arriscava nunca. Mas aí apareceu Ruth com toda sua meiguice e timidez. Laçara o coração do moço de imediato, sem tempo para réplica ou tréplica. Rafael estaria apaixonado depois do segundo encontro.

      Os abraços já definiam os contornos do corpo de Ruth, uma severa exigência do moço. Os olhos cor de mel com cílios longos e pouca maquiagem eram perfeitos para sua futura esposa. O modo de andar, como uma gueixa, o deixaria de quatro em pouco tempo. Os seios médios e normais não corriam o risco de despencar tão rapidamente após a amamentação do primogênito. Tudo perfeito!

      Ruth falava pouco por causa de sua timidez, mas gostava de namorar. Quando se empolgava suas mãos iam até onde não deveriam. Isso assustava um pouco, mas Rafael gostava e permitia. E retribuía. Só não esperava que a empolgação da moça fosse tanta a ponto de deixá-lo maluco e levá-la para um lugar mais discreto. Um motel. Mudança de planos não era o que ele mais apreciava. Quebrar suas regras não o deixavam confortável, mas Ruth estava tão linda e fogosa que homem nenhum resistiria.

      Na metade do filme saíram e foram para o motel mais próximo. Um simples, por escolha dele. Não queria gastar além da conta por essa quebra de leis. Entraram e logo se jogaram um nos braços do outro. Deitaram na cama e Rafael começou a despir Ruth. Nunca imaginaria que aquela meiga gueixa teria um vulcão escondido. Corpo perfeito, perfumado, tudo em cima. Foi para os pés da moça. Os pés eram seu fetiche mais secreto. Se perdia nuns pés perfeitos e bem cuidados. Por um deslize nunca vira os pés de Ruth, pois sempre estava de sapatos fechados. Que importância teriam os pés para um corpo tão perfeito daqueles?

      Foi descendo e beijando suas pernas até chegar aos pés. Tirou o sapato de um, depois do outro e... Subiu novamente sem beijar nada. Olhava para os pés de Ruth e para seu rosto. Não conseguiu mais colocar as mãos neles. Esqueceria daquela parte e ficaria só com o que realmente interessava.

      Mas, vez ou outra, descia os olhos para aquela coisa branca e disforme. Fechava os olhos e se concentrava no que realmente queria fazer. Nada! Olhava para os pés de Ruth, suspirava fundo e beijava-a longamente, tentando buscar um prazer perdido. Nada!

      Não tendo mais o que fazer sentou-se e ficou olhando para os pés de Ruth. Ela, ingênua, se insinuava para ele, tocando os pés em seu corpo. E nada! Não conseguia imaginar como era possível uma linda mulher com uns pés tão esquisitos, com o dedo médio bem maior que o dedão e ainda por cima, como se não bastasse, sem um mínimo de cuidados. Não estavam bem-tratados. Estavam como pés de gente que não se cuidava. Nem sequer um esmalte ou uma lixa nos calcanhares. Um horror! Ruth sem entender nada continuava seu jogo de sedução tocando-o com a ponta dos pés. Com a ponta do dedo médio de tão maior que era dos demais.

      Sem ter mais o que fazer e sem conseguir se concentrar, Rafael pediu desculpas dizendo que teria que ir embora, pois acabara de se lembrar de um trabalho incompleto que terminaria até na manhã seguinte. Passaria a noite empenhado nessa tarefa. Ruth, meiga e inocente, acreditou, se vestiu e foram embora.

      Nunca mais Rafael viu Ruth. E se visse certamente não a cumprimentaria. Mudaria de calçada se preciso fosse. Mesmo ficando ainda um bom tempo pensando naqueles lábios doces, naquele colo perfeito e nos olhos cor de mel encantadores. Mais um pouco teria se apaixonado. Mais outro pouco e teria se casado com Ruth, e mais uma vida teriam netos.

      A busca continuava, agora com uma exigência a mais nas regras de Rafael: os pés! Se não os visse não teria a mínima chance de sequer ganhar um beijo seu.

      Fim.


domingo, 27 de abril de 2014

Um Beijo


      Distraída, estava caminhando apressadamente de volta para casa. Vez ou outra olhava para cima, como sempre faço, observando o topo das árvores, os telhados das casas, os últimos andares dos edifícios e o céu, se tinha alguma nuvem ou onde o Sol estava. Não havia necessidade de tanta pressa, mas o costume era sempre ir e vir rápido. Mania de gente afobada.

      Ainda faltava uma boa caminhada até chegar ao meu destino. O Sol já estava se pondo oferecendo um espetáculo maravilhoso especialmente para quem se lembrava de assisti-lo. A rua ainda estava movimentada e o barulho dos carros me incomodava bastante. Ouvi alguém me gritar, de longe.

      Olhei para trás e não identifiquei ninguém conhecido. Continuei com minha costumeira pressa. Alguém tocou meu ombro e me assustou. Virei-me e minha reação foi ficar de boca aberta e olhos arregalados.

      - Wilson! Meu Deus, quase não te reconheci, há quanto tempo!

      - Pois eu te reconheceria mesmo se estivesse na Lua.

      Corei. Abri um sorriso e fiquei esperando a continuidade do papo. Wilson simplesmente ficou me olhando, me despindo com os olhos, invadindo meus pensamentos e rindo... Aquele mesmo sorriso encantador, cativante, de anos atrás, de sempre. Como pude perder esse sorriso por tanto tempo?

      Ele não dizia nada e eu cada vez mais encabulada. Até que finalmente consegui soltar minha voz e pronunciar um "o que foi?", morrendo de vergonha. Wilson tinha esse poder de me deixar travada, sem voz, sem atitude nenhuma, sem saber onde colocar as mãos e sem controlar meu coração.

      Ousado como sempre colocou sua mão em meu rosto. Gelei. Suspirei e aceite. Seus dedos compridos tocavam minha nuca e de propósito alisava num vai e vem discreto, porém perturbador. Seu polegar percorria toda minha bochecha, quase tocando meus lábios. O impulso foi imediato e deixei minha boca entreaberta, como se esperasse um beijo. A outra mão seguiu os passos da primeira e meu rosto ficou imóvel entre suas mãos. A boca entreaberta estava seca... Sedenta de saudades para relembrar o sabor daqueles lábios macios, daquele beijo terno, envolvente, matador.

      Deu um passo e chegou seu rosto bem perto do meu. Me olhou tão profundo que fiquei com medo de pensar e ele ler meus olhos. Então comecei a piscar mais vezes desviando o olhar. Não tive a petulância de tocar seu rosto também. Estava praticamente paralisada. A voz embargada conspirava com o silêncio dos sons. Ele olhava meus olhos e descia para minha boca... Encostava o nariz no meu e quase encaixava o rosto para o beijo. Que tortura!

      Parecia um encantador de olhos, um paralisador de reações... Simplesmente não conseguia fazer nada. Fechei os olhos e senti seus dedos de leve roçando minha pele. Tocou meus lábios... Fui capaz de dar uma mordida de leve em seu dedo. Ele retirou-o e encostou seus lábios nos meus. Mordeu de leve o inferior, puxando-o, beijou o superior, colocando-o na sua boca. Lábios quentes, como sempre. Se afastou e abri os olhos. Estava sorrindo, me olhando e sem me deixar falar nada, me beijou.

      Nunca me esqueci do sabor daquela boca, do beijo envolvente, quente, molhado, carinhoso, intenso, perturbador. O encaixe perfeito me deixou de pernas bambas e sem ação. Não conseguia fazer nada além de retribuir o beijo. Meu rosto entre suas mãos era guiado da maneira que ele decidia. Obedecia. Seus lábios dançavam nos meus, ora para um lado, ora para o outro... Línguas se encontravam e continuavam a procurar, quem sabe uma gotícula diferente perdida no céu da boca. Se redescobriam. Tanto tempo e tudo continuava igual.

      Não me lembro quanto tempo durou o beijo, mas logo depois ele me abraçou carinhosamente, me envolvendo completamente em seus braços, acariciando minha cabeça e bagunçando meus cabelos. Ele sempre fazia isso, de bagunçar meus cabelos. Não me lembrava o motivo de nos separarmos. Não queria pensar nesse assunto. Ainda de olhos fechados senti seu coração pulsar e o meu totalmente descontrolado. A noite já se fazia presente e os carros ainda faziam barulho. Poucas pessoas andavam pela calçada.

      Ele se afastou, me olhou assustado e perguntou se eu estava ouvindo que ele dizia. Oi? Perguntei, sem graça e sem jeito. Ele riu, me abraçou de novo e disse que eu continuava a mesma avoada de sempre. Que ele só estava me dizendo que sentiu muita saudade, que perdeu meu telefone e não sabia como me encontrar. E que estava muito feliz por estar comigo naquele momento e que não me largaria nunca mais. E me beijou de novo... E de novo, e de novo.

      Fim.

      Obs: Este texto é fictício. Está na primeira pessoa mas não diz respeito a mim.
      Clara Lúcia

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mário Prata


O Dedo

Na terceira manhã em que saiu aquela gotinha clara, resolvi tomar providências. Mesmo porque a minha mulher olhava meio de lado. Para a gotinha e para o local de onde saía a gotinha. Lá, no incauto cabisbaixo.
Me lembrei que a minha irmã havia se encontrado com um velho amigo de infância de Lins, o Plínio, num hotel de Salvador. E que o Plínio era hoje um importante urologista em São Paulo. Essas intimidades é melhor com gente conhecida, de confiança, pensei. Ligo para a minha irmã, pego o telefone e marco uma hora. E ele me disse que devia ser uma prostatite, também conhecida como gota matinal, que eu não me preocupasse, mas que tinha de fazer o toque. Toque, onde? Marcou horário para o sacrifício.
Foi quando me recordei que o Plínio era gordinho na adolescência. Ligo de novo para a minha irmã. Ela confirma, o cara está gordo. E gordo não tem dedo fino, nem mole, concluí.
Ao cumprimentar o velho amigo, fixei-me mais no dedo do que nos olhos.Uns vinte minutos para colocar as novidades em dia. Pra relaxar, talvez. E eu não tirava o olho do dedo dele. Bem grosso.
Depois das preliminares, me manda tirar a roupa e ficar de quatro em cima da mesinha. Até aí tudo bem. Ele começou a comentar o encontro dele com a minha irmã em Salvador. Ele estava em lua de mel. Convenhamos que lua de mel não é um assunto muito apropriado para um momento delicadíssimo como aquele. Me explicava com quem tinha casado enquanto colocava luvas e vaselina.
Pegou uma folha de papel e colocou debaixo de mim, que já estava de quatro havia uns cinco minutos.
– Pra que isso, Plínio?
– É que, em alguns casos, quando a gente massageia a próstata, a pessoa pode ejacular.
Sentei.
– Vamos conversar. Você está dizendo que pode me enfiar o dedo no rabo e eu gozar?
– É normal. Mas eu estava de falando da praia do Buraquinho…
– Um momento, Plínio. Todo mundo goza?
– Meio a meio.
– Plínio, se eu gozar, amanhã Lins inteira vai saber disso. Conheço aquela cidade. Vai sujar. Já acham que artista é meio viado… Cinquenta por cento é uma porcentagem muito alta.
– E você acha que eu vou sair por aí dizendo que você ejaculou?
– Você, não. Mas no interior tudo se sabe. Não se sabe como. Melhor deixar pra outro dia. Perdi o clima.
– Fica de quatro aí e não me encha o saco.
Fiquei. Tenso.
Ele colocou o dedo lá e continuou a falar da lua de mel, da praia do Buraquinho. E eu lá, compenetrado. No palavreado médico, meu pênis (que palavra mais pornográfica!) praticamente sumiu, não ejaculei e foi uma luta para o Plínio colher a tal gotinha.
Feitos os exames o diagnóstico dele estava certíssimo. E voltamos a ser amigos. Mas sempre vestidos, de pé e de frente um para o outro.
E nunca mais falamos da praia do Buraquinho. Que, aliás, é uma delícia de praia em Salvador.

Conheçam o site oficial de Mário Prata

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Doce - Conto Sensual


      Agora era fato. Definitivo. Resolvido e sacramentado. O passado não voltaria. Viveria o presente e planejaria o futuro. O passado nos braços de Antonieta foi maravilhoso. Mulher inesquecível, quente, sedutora... Linda! Mas o medo falava mais alto.

      Augusto estava tranquilo com sua vida sossegada, rotineira e pacata. E de um dia para o outro vinte anos voltaram no tempo e lhe entregou de bandeja a melhor fase já vivida. A juventude. Bastou olhar Antonieta e tremer nas bases, pulsar o coração, respirar com dificuldade... Balançar... Não era apenas uma mulher e sim a mulher que seria de seus sonhos, a mulher de sua vida.

      Se lembra perfeitamente daquela noite em que fugiram de uma festa na casa de um amigo e foram para seu apartamento. Antes mesmo de fecharem a porta já se jogaram nos braços um do outro. Paixão louca, tesão incontrolável, pele arrepiada, bocas grudadas e mãos descobrindo o corpo um do outro.

      Tateando as paredes chegaram até o quarto deixando algumas peças de roupas pelo caminho, como se quisessem deixar rastros para uma noite que seria inesquecível, como se alguém fosse chegar do nada e presenciar a mais profunda cena de amor jamais vista em filmes românticos.

      Augusto sentou Antonieta em sua cama e começou a tirar-lhe os sapatos. Um depois o outro. Beijou seus pés delicadamente, subindo até as coxas, passando a língua no interior daqueles músculos muito bem encaixados harmoniosamente, chegando até a virilha. Antonieta jogava a cabeça para trás e suspirava. Colocava o rosto de Augusto entre as mãos e encostava sua boca em seus lábios quentes, suavemente, passando a ponta da língua e depois dando mordidinhas... E se perdia num longo beijo apaixonado.

      Augusto, não satisfeito de ter parado no meio do caminho, voltou para a virilha de Antonieta e achou seu sexo... Se perdeu nele, carinhosamente. Ela se deitou e permitiu que aquele homem matasse sua vontade. Vez ou outra levantava a cabeça, mordia o lábio inferior e olhava para Augusto quase que implorando para que não parasse, ou que parasse imediatamente e se jogasse em seus braços para sentir todo o peso dele em seu corpo. E com as mãos guiasse para a loucura, o prazer pleno.

      Obedeceu! Era um escravo nas mãos de Antonieta. Bastava um olhar e já sabia o que aquela mulher pedia. E fazia muito mais só para impressioná-la e não mais permitir que sequer ousasse pensar em deixá-lo.

      Se amaram perdidamente durante a noite inteira. Vez ou outra paravam, ficavam abraçados, quietinhos, se olhando e acarinhando o rosto. Pareciam que decoravam cada poro do rosto, cada linha, cada cantinho... Depois se beijavam ternamente e recomeçavam. Uma noite sem fim, O silêncio era quebrado pelos gemidos e pelo ruído dos corpos se tocando... O ar invadido pela respiração ofegante, a umidade dos beijos ardentes, o tilintar dos dentes se tocando...

      Se perderam no tempo. O dia amanheceu e nem perceberam... Abraçados, Antonieta deitada sobre o peito de Augusto ensaiava um cochilo. Ainda era pouco para Augusto que puxava-a para si e lhe invadia para mais um tempo de prazer. Antonieta se rendia, se entregava e quase desfalecia nos braços daquele homem inquieto e intenso. Fechava os olhos e sentia... Só sentia e mais nada... Exausta e feliz, realizada...

      Augusto percebendo o cansaço de sua amada, se deitava ao seu lado e aconchegava seu corpo ao seu. O silêncio aos poucos era invadido pelo barulho de carros na rua. Passadas rápidas de gente apressada para enfrentar mais um dia de trabalho. No ar o cheiro de sexo, de satisfação, de doçura, de amor...

      Antonieta dormia, como uma rainha, protegida por um guardião atento a qualquer perturbação que pudesse prejudicar sua amada. Ficaria imóvel encostado naquele corpo quente durante o dia todo se precisasse. Guardaria o sono e os sonhos secretos de Antonieta, pelo tempo que fosse necessário.

     Mas a vida é real e o sonho sempre acaba. Antonieta despertou, vestiu-se e se foi. Se separaram e vidas distintas tiveram. Cada um com sua família e o tempo passou. O destino, como provocador querendo cutucar reaproximou Augusto e Antonieta. Mas eram outros tempos, outras vidas. Antonieta enfrentaria e ousaria voltar no tempo, mas Augusto não suportaria e não sustentaria conviver com um sonho do passado. Estava bem como estava e não mudaria. Era demais pensar em passar noites e mais noites perdido nos braços de Antonieta. Não arriscaria tanta felicidade e tanto prazer assim. Não. Estava decidido. Seguiria sua vida pacata, tranquila, como tem sido nos últimos vinte anos. Era muita mulher para um simples homem.

      Antonieta, cansada e determinada, arrumou as malas de seus sentimentos e partiu, mesmo permanecendo no mesmo lugar, para uma emoção que ainda estaria por vir. Afinal não tinha paciência para lidar com homem inseguro. Na verdade ficou com muita vontade de mandar Augusto para aquele lugar, por tê-la feito perder todo o encanto que sentia por ele, mas sua educação não permitia sequer desejar algum mal a alguém. Augusto não tinha o direito de lhe tirar esse encanto, esse passado doce de boas lembranças que até então estava presente. Vinte anos de lindas lembranças, de uma noite inesquecível jamais repetida, com um ponto final decisivo e sem volta. O destino tentou, cutucou, mas não convenceu. O homem que seria o homem de sua vida ficaria no passado. Existiu, mas não resistiu ao tempo presente.

       Fim.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

(Des)família


Faz um ano e quatro meses que meu irmão se foi. Até hoje não nos acostumamos com essa notícia. Temos a impressão de que ele vai entrar pela porta a qualquer momento com aquele sorriso de orelha a orelha...

Ontem fui à casa de meus pais e meu irmão morava na casa em frente. Cheguei e antes de entrar fiquei olhando a casa... Tão estranho ele não estar lá. Outras pessoas morando, a casa de uma outra cor, o fusca não estando na garagem... Triste. E na casa de meus pais ainda tem o quarto que era dele, com todas suas coisas, intactas. Respirei fundo e fui pensar, na varanda, nos fundos da casa.

Depois almoçamos e minha mãe colocou um vídeo antigo pra assistirmos. Da família. Um vídeo de mais de vinte anos.

Meu avô, minha avó... Que saudade de minha avó, parecia que estava vendo-a por perto. A família toda reunida, mesa farta com panelões, tigelões e uma baciada de macarronada, que delicia que era! Crianças correndo, hoje todos adultos e com suas crianças, Uma oração antes da refeição, votos de felicidades, de união, de amizade, de fartura... E tudo acabou!

Passou o tempo e cada um foi cuidar de sua vida. Meus avós faleceram e a base desmoronou. Não existem mais essas reuniões. Agora cada um faz sua reunião; os filhos de meus avós que agora são avós é que são a base de suas famílias.

Me vi no vídeo, tão novinha, magrinha... Ui!

Vi meu irmão, ainda moleque...

E me deu mais agonia ainda... Passou tão rápido e tudo se modificou. Daqui a pouco e tomara que não seja tão daqui a pouco serei eu a avó com meus filhos e netos, e serei a base deles...

Passa tudo muito rápido, dá até medo...

A gente fica pensando que vida é essa que começa e termina sem anunciar? Modifica, regride, progride... Briga, chora, reza... Abraça, compartilha o alimento... E acaba.

E Jesus renascendo na Páscoa, em todos os lares, em todos os corações, levando esperanças, harmonia, caridade, carinho, atenção...

Não foi um dia fácil... Mas foi. Isso é o que importa.

Uma ótima semana pra todos!





quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Baile


Participando da Blogagem Coletiva "Momentos de Inspiração". Blog M@myrene. Vamos?

      Já estava decidido. Não iria de jeito nenhum! Quem a obrigaria entrar naquele salão onde teria um baile seguido de um pedido de casamento completamente sem propósito algum?

      Beatrice ouviu sem querer que seu pai havia escolhido um pretendente para sua princesinha. E justamente escolhera a pessoa mais abominável de toda a cidade. Um perfeito canalha, mulherengo, beberrão e otário. Pensava que poderia conseguir o que quisesse sendo gentil com seu pai; e conseguiu, mas ninguém, nem mesmo seu pai a obrigaria a fazer o que não queria. Já sabia que não contaria com sua mãe, pois dona Amália apenas obedecia o todo poderoso Cleomar. Dr Cleomar, como gostava de ser chamado.

      Fugiria! Antes da música começar a tocar já estaria bem longe. Tudo combinado com Edward que a esperaria nos fundos da casa, com sua moto. Amava velocidade e Edward era mais que um irmão para Beatrice. Cresceram juntos e aprontaram muita arteirice juntos. Ela, filha do dono. Ele, filho do motorista.

      Beatrice nunca desconfiara, mas Edward era apaixonado por ela. Fazia todas as suas vontades e o que mais queria era fugir com ela na garupa de sua moto. Iria aos céus, ou quem sabe no inferno, só para defendê-la. Quando pequena Beatrice era chorona, enjoada e só Edward tinha a paciência de ficar ao seu lado, tentando consolá-la. Aparentemente Beatrice era frágil como uma folha seca que esfarelava com o vento, mas era forte como um bambu, impossível de se quebrar. Era mimada e não suportava que contrariassem suas vontades. Mandona e autoritária, sem perder a doçura e o encanto. Pequenininha, magrinha e branquinha, além das sardas no nariz, cabelos ruivos e olhos azuis que pareciam faróis que iluminavam quem ousasse encará-la. Não era fácil lidar com Beatrice. Tinha poucas amigas e não aceitava nada menos do que escolher o que fazer e onde ir. Se não fosse do seu jeito, não tinha passeio que a tirasse de casa. Edward era o único que a entendia e defendia. Nem precisava de defesa mas ele fazia questão de estar sempre por perto, caso Beatrice precisasse.

      Faltava pouco para a meia-noite. Beatrice ansiosa esperava ouvir o barulho da moto de Edward para poder pular a janela e sumir no mundo. Estava simplesmente linda num vestido longo, branco, com corpete bem acinturado que dava a impressão de espremê-la até cortar-lhe o ar. A saia bem rodada se arrastava no chão, dando a impressão de uma cascata delicada, formada por espumas de algodão. Escolhera sapatos confortáveis para facilitar a corrida até a moto que a aguardaria antes da palhaçada do baile começar.

      Começou o baile. Beatrice não ouviu Edward chegar. Seu pai, o todo poderoso Dr Cleomar, foi buscá-la em seu quarto. Por pouco Beatrice não fugiu pela janela, mesmo sem Edward aparecer para resgatá-la. O jeito foi acompanhar seu pai, de braço dado, até o grande salão.

      A primeira dança foi com Dr Cleomar e as próximas seriam com o desengonçado do Araújo, o prometido. Antes de chegar na segunda música Beatrice vê Edward na porta, com as mãos sujas de graxa e lhe acenando. Queria matá-lo, com um olhar fulminante. Conversaram praticamente em telepatia, ele explicando o furo no pneu e ela odiando e querendo enfiar a roda da moto na sua cabeça.

      Como não teria como escapar da tragédia que se anunciava Beatrice simulou um desmaio. Logo foi amparada e carregada por Araújo. Levou-a ao seu quarto e esperou, junto com sua mãe, que recobrasse os sentidos. Disfarçadamente ela abriu um olho e viu que Araújo estava do seu lado. Fechou-o rapidamente e virou-se para o outro lado. Depois simulou um choro, como uma sangria desatada e implorou para ficar sozinha no quarto. Não queria nem a mãe por perto. E assim atenderam a vontade da mimada Beatrice. Caso contrário seria capaz de quebrar todo o quarto.

      Quando todos saíram Beatrice olhou pela janela e lá estava Edward sobre sua moto, acelerando e rindo. Não pensou duas vezes e pulou sem medo de se machucar nas folhagens secas do final de outono. Sua saia ficou presa na janela e à medida que ia caindo, ia rasgando, deixando um rastro de um crime mal-sucedido. Ficou praticamente só com a parte de cima do vestido e um minúsculo pedaço de tule tapando-lhe as partes íntimas. Nem se importou. Edward, vendo aquela cena espetacular não teve outra reação a não ser ficar de queixo caído e com os olhos arregalados. Beatrice correu, sentou em sua garupa e mandou que ele acelerasse o mais rápido possível.

      E assim começou a feliz união de Beatrice e Edward. Contrariando toda a família, mas com seu gênio impossível de ser domado, não havia mais o que ser feito. Na verdade quem não sabia desse amor era Edward que jamais sonhara que o que Beatrice sentia era amor... Apenas amor!

      Fim.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Pisquei, Cresceram


Essa semana meu filho Leonardo entrou para a maioridade. Isso me assustou um pouco. Me lembro de quando eram bebês, loirinhos e lindinhos, grudados um no outro... E hoje adultos, encaminhados, saudáveis, alegres e gente boa. Minha filha Amanda já está com dezenove, quase vinte anos.

De todas as dificuldades que passei na vida eles foram meu foco, minha âncora, minha base para me manter em pé e não desistir. Se não fossem eles nem consigo imaginar o que teria acontecido. Anjos que Deus me mandou para tomar conta. Aliás eles que tomaram conta de mim, desde sempre.

Quando me separei eles eram bem pequenos e não tinham ideia do que estava acontecendo. E tudo foi acontecendo sem que soubessem da gravidade da situação. Me desdobrei em mil para não deixar que nada de ruim os atingisse. E acho que consegui.

Nessa mesma época tive que deixar minha casa, minhas coisas, e ir morar com meus pais. Uma fase muito, mas muito complicada. Lá voltei para o quarto de quando era solteira. Colchões espalhados pelo chão e nós grudados um no outro. Ensinei-os a rezar. Eu ia falando frase por frase e eles iam repetindo. No terceiro dia já sabiam rezar a oração toda. Como aprendem fácil!

Depois aluguei uma casa, do lado da dos meus pais. Tinha dois quartos mas eles dormiam comigo em minha cama. Revezavam quem dormiria grudado em mim. Um dia um, outro dia o outro. Eles mesmos que combinavam tudo. Como é bom dormir com filho pequeno, eles quase subindo em cima da gente, abraçando a noite toda, jogando as perninhas e os bracinhos em cima do nosso corpo... Minha filha tinha mania de pegar uns fios do meu cabelo e enrolar em seu dedinho... fazia um nó bem pequeno e não tinha como desfazer esse nó a não ser cortando o tufo. Ficava todo desfiado, por tantos nós cortados...

Acho que não tenho hora de maior paz do que quando vejo meus filhos dormirem, sossegados, como anjos...

E assim fizeram até que completassem uns dez anos e já não cabíamos todos em minha cama. Hora do desapego... Mas mesmo assim revezavam quem dormiria comigo e qual dia. Um dia na semana já estava bom. Uma semana um e na outra o outro. Até o desapego total.

Ainda pequenos andávamos de carro e eles no banco de trás (que horror, mas naquele tempo não tinha essa obrigação de cinto de segurança, mas eu andava devagar, o que não justifica nada) olhando para os carros e dando tchauzinho. Não tinha ninguém que não retribuía! E ligava o som bem alto e cantávamos mais alto ainda, depois caíamos na risada. Eles ainda se lembram das músicas...

E outra coisa que se lembram até hoje e acreditem, até hoje faço isso, dividir o que compramos. A mesma quantidade para cada um, em vasilhas separadas. Ficam esperando eu fazer isso... Pode uma coisa dessa?

Meus anjos crescidos...

Aqui na minha casa tem uma regra: nada de brigas, nem discórdia, nem agressões e nem xingamentos. Aqui é um lar e como todo lar tem que ter paz e harmonia. E assim tem sido desde então.


Vendo-os assim, crescidos, me dá a sensação de dever cumprido, de agradecimento por tê-los por perto, sem ser dona deles, mas uma instrutora que tem a consciência de que logo logo irão seguir seus caminhos, formar suas famílias e a vida continua... Como tem que ser.

Que Deus nos proteja, sempre e sempre!

Amém!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Cortella

Já disse que sou fã desse homem. Mário Sergio Cortella, filósofo, educador e escritor. O que ele fala tem que ser ouvido com muita atenção. Uma palestra inteira pra quem tem paciência de ouvir o óbvio e não percebe. Se não quiserem, vejam o vídeo dois que achei fantástico.
Tudo isso que ele fala é muito sério. Que bom que sou daquele tempo em que educação e respeito era aprendido em casa, e que as coisas têm um custo e que conseguir o que se quer com mérito e competência não tem preço que pague. E que amor, carinho, limites e presença são essenciais para o desenvolvimento do ser humano.
Assistam!





Não nascemos prontos. Somos feitos ao longo do tempo. Acredito muito no caráter do ser humano. Se for bom caráter, não há influência, ou amizade, ou ambiente que faça mudar seu caráter. O mesmo acontece com o mau. Não há bondade, conselho, exemplo, amizade, ambiente que faça mudar seu caráter. Pode-se sim viver normalmente mas ao menor vacilo ou tentação o mau caráter vai se mostrar, nem que seja numa mínima atitude.
Podem concordar ou discordar, claro! Opiniões são sempre bem-vindas.

Um ótimo fim de semana pra todos!


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Esperando Ela Passar


      Há uns dois meses que Evandro a viu pela primeira vez. Ela parou na vitrine e ficou olhando, como se procurasse algo. Do lado de dentro e atendendo uma freguesa não teve como ficar admirando. Mas nos outros dias e praticamente a mesma hora ele esperava-a passar. Não sabia de onde vinha e nem para onde ia. Esperava. E ela passava,pontualmente e lindamente, como se flutuasse, jogando os quadris para os lados, delicadamente, e com o nariz empinado. Parecia mais uma metida, não era tão linda e nem tinha porte de mulher sensual, mas a atração que exercia em Evando era fora do normal.

      Quando ela apontava ao longe simplesmente ele não conseguia mais desgrudar os olhos até que ela passasse por ele e sumisse na multidão. Que mulher, pensava sem entender esse fascínio inesperado por uma pessoa que nem conhecia. Seria casada? Não conseguia saber, pois a moça usava vários anéis nos dedos. Sempre de vestido esvoaçante e salto médio, cabelos bem arrumados e óculos escuros. E um perfume marcante, doce, que enchia a loja e o nariz de Evandro. Tinha que saber quem era ela. Tomaria coragem e qualquer outro dia a abordaria para, pelo menos, convidá-la a entrar na loja para ver lançamentos de celulares ou outro aparelho moderno. Seria essa desculpa que Evandro usaria.

      No outro dia o mesmo ritual. No horário marcado lá estava Evandro na porta da loja esperando a bela passar, com seu gingado sutil, suas passadas delicadas e seu olhar perdido sob os óculos escuros. Que cor teriam seus olhos? Pela cor dos cabelos seriam cor de mel. Lindos e bem maquiados, com cílios que deitavam em sua bochecha quando fechava os olhos. Tudo se repetiu no outro dia e também mais dois dias. Evandro, acanhado, não tivera coragem de ao menos pedir licença e convidá-la a entrar na loja. Não queria quebrar aquele encanto de vê-la se aproximar e depois se afastar. Indo e vindo... Como uma deusa inatingível voltando para seu reinado. Certa vez entrou numa perfumaria e cheirou vários aromas, mas nenhum igual ao que sua deusa usava. Compraria e esguicharia em seu travesseiro para senti-la mais perto enquanto dormia. Quem sabe um sonho mais quente apareceria na noite para lhe atormentar ainda mais?

      Um dia Evandro esperou... E a deusa não apareceu. E nem no outro dia e nem mais nenhum dia.

      Não se conformou de ter ficado só observando e de não ter tido a coragem de conhecê-la. Burro! Era o que mais pensava, burro, idiota! Perdeu a mulher que lhe invadia as noites, os sonhos, as fantasias e lhe roubara o humor. Praticamente arrancou seu coração e levou consigo.

      Dias e dias esperando no horário marcado, na porta da loja de tecnologia e nada! Algumas vezes andava pelas calçadas na esperança de seu pensamento puxá-la para aquele ponto da cidade e, finalmente, conhecê-la. Nunca mais!

      Pela insistência de alguns amigos Evandro aceitou ir a uma pizzaria no final do expediente. Preferia ir para casa e ouvir música, mas concordou, pois não queria mais alimentar a desilusão de não ter feito o que teria que ser feito. Acabou! Foi!

      Antes de entrarem Evandro se assustou. Parou, fechou os olhos e respirou fundo. O perfume... Era aquele o perfume, não tinha dúvidas. Olhou para os lados e nada de encontrar sua deusa. Uma moça parou a sua frente e era ela quem usava o mesmo perfume. De propósito ficou um bom tempo atrás da moça sentindo aquele aroma delirante, fechando os olhos e imaginado a bela se aproximando e pegando-lhe de jeito, ficando na ponta dos pés para lhe roubar um beijo e acabar de vez com seu sossego. Burro! Era só o que Evandro conseguia pensar.

      Resolveu acabar com essa agonia e se aproximou da moça do perfume. Não era sua deusa, mas era uma princesa jovenzinha, lindinha e meiga. Conversaram um bom tempo e depois levou-a para sua casa. Engataram um namoro, noivaram e casaram-se. Foram felizes, mas a bela deusa nunca mais apareceu e para sempre permaneceu em seus pensamentos. Inesquecível, poderosa, sensual, avassaladora!

      Fim.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Recente Ex


      A caixa estava lacrada exatamente para evitar um provável deslize de Fabiana. Não queria jogar fora ou colocar fogo nas fotos, mas também não queria cair em tentação de ficar se lembrando de momentos maravilhosos que deveriam permanecer no passado. Não resistiu e deslacrou a caixa.

      A primeira foto rasgada era do casal feliz, amor eterno, promessas e mais promessas. Fabiana sentiu vontade de chorar... Mas não chorou. Nesse dia da foto eles ficaram noivos, surpresa de Rodrigo, que convidou-a para um jantar romântico em sua casa onde ele mesmo preparou uma pizza. Comprou uma pré-assada e colocou alguns temperos para apimentar o sabor. Um bom vinho tinto acompanhou a surpresa. Mesa caprichosamente arrumada com louça branca, talheres com pegadores de madeira, taças para champagne, pois não tinha as próprias para vinho, uma vela comum, encaixada numa xícara e preenchida com sal grosso ornavam a mesa com tampo em granito. Pegou o abajur de seu quarto e colocou na cozinha para criar um clima romântico. Riram muito, fizeram mil promessas e se amaram a noite inteira.

      O sonho não durou mais que três meses. Fabiana se surpreendeu com a frieza de Rodrigo nas últimas duas semanas de noivado. Perguntou o que estava acontecendo e a única resposta que ouviu e nem quis saber de mais conversa foi a famosa frase "não é você, sou eu". Pegou o pouco que tinha na casa do agora ex e se foi, sem olhar para trás, sem pedidos de volta, sem mais conversas. Acabou acabou!

      Nesse ponto Fabiana era decidida. Não aceitava um "tempo" para o amor. Amor não dá tempo. Melhor cortar a relação do que chegar no estágio das ofensas, humilhações, agressões e o mais chato: as cobranças. Se não for por livre e espontânea vontade, melhor não ter nada. Sofrimento existe, sempre existiu e sempre existirá e ninguém morre de amores. Nesse momento Fabiana não resistiu e chorou. Não quis ver as outras fotos. Lacrou a caixa novamente e colocou-a no maleiro do guarda-roupa.

      Foi tomar banho, bem demorado, com tudo que tinha direito. Se produziu toda linda, salto alto, vestido preto básico, bijou discreta, perfume marcante, amadeirado, rímel e batom vermelho. Olhou no relógio e pontualmente na hora marcada tocou a campainha. Emerson. Adora sua pontualidade e nesse dia resolveu investir nesse relacionamento. Era educado, culto e bem-humorado. Um pouco mais baixo que ela, um pouco mais novo, um pouco gordinho, mas muito, muito simpático. Tinha um beijo delicioso e um abraço protetor, sem falar no sexo que a deixava maluca. O homem perfeito para ela. Só faltava o amor que ela acreditava que viria com o tempo, com a convivência. Estava feliz e queria continuar feliz para compartilhar esse relacionamento.

      - Que linda! Te amo, sabia? - disse quando a viu abrindo a porta - Tenho uma surpresa para você. Quer jantar na minha casa? Quer dizer, não é bem um jantar, mas comer uma pizza com um bom vinho. Vamos?

      Fabiana riu e aceitou.

      E a vida continuou, com começos, meios e fins. Que os fins sejam felizes e que não cheguem tão rápido. Que os fins sejam depois de uma vida inteira de convivência. Esse era o seu desejo.

      Fim.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

E Assim A Vida Continua


Uma imagem que fala mais que palavras... Belíssimo!

E tanta gente ainda insiste em cultivar o mau humor, a irritação, a não conseguir enxergar a beleza da vida e o que realmente vale a pena... A simplicidade...

Você acordando mal, ficando irritado, nervoso, agredindo o outro, provocando ou não, a vida vai continuar exatamente como é, belíssima! A escolha é sua, sempre!

Agradeçam sempre, por tudo!

Sem ficar prologando muito a lição de moral, que todos tenham um maravilhoso fim de semana, repleto de belezas que nascem, crescem, reproduzem e morrem!


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Minissaia


      Se deitou e apagou as luzes. Se virou para o lado em que ficava o criado-mudo onde guardava um punhal na gaveta. Faltava-lhe coragem e força para fazer o que mais tinha vontade. Pensava nos filhos, ainda pequenos, dependentes de cuidado, de carinho, de base decente, de mãe, de pai... Pai é quem coloca no mundo?

      Rui era um bom pai, disso não se podia negar, mas só quem o conhecia entre quatro paredes sabia dizer exatamente como era aquele monstro disfarçado de homem de bem. Maria do Rosário sabia do que se tratava, mas a falta de coragem também lhe impedia de soltar aos quatro ventos quem realmente era o marido que um dia jurou amor eterno, respeito e fidelidade perante o padre. O melhor dia de sua vida, um sonho realizado, uma família que começara no instante do sim. Talvez o último dia de sonhos e ilusões.

      Entraram na nova casa com Rui carregando a amada nos braços e reclamando de seu peso que nem era tanto assim. Talvez faltava-lhe disposição e força muscular para executar com carinho o que deveria ser de livre e espontânea vontade. Não queria saber dessas frescuras de lua de mel. Queria mais era tirar os sapatos apertados, o paletó quente, se jogar na cama e dormir...

      O vestido todo branco, com o corpete rendado, decote discreto era fechado nas costas com pequenos botõezinhos encapados com o mesmo tecido. Pequenas pérolas ornavam sinuosamente a linha da cintura terminando num bico abaixo do umbigo, e uma sutil calda em tule bordado arrastava pelo chão. Um laçarote em cetim arrematava a delicadeza do vestido de noiva escolhido a dedo por Maria do Rosário e sua mãe.

      Rui, com muita dificuldade, fechou a porta com o pé e despejou Maria do Rosário na cama. Arrancou os sapatos, a roupa e ficou só de cueca. Maria do Rosário nunca havia visto um homem só de cuecas! Corou. Fez questão de se manter casta como a Virgem Maria e honraria o sacramento até seus últimos dias. Seria mulher de um só homem e o amaria eternamente.

      Foi delicado, paciente, atencioso, carinhoso... Um perfeito cavalheiro.

      Sete anos depois o que era doce se acabou. Rui esquecera de todo aquele romance, de todo o cuidado, carinho e não demonstrava amor pela mulher.

      Toda noite quando Maria do Rosário se deitava rezava para que o marido não a procurasse. Não suportava a tortura de satisfazer seus caprichos. Parecia um bicho que atarracava em sua presa que nem um banho de água fria seria capaz de interromper seus desejos. Não havia conversa que o convencesse que alguns dias ela não se sentia disposta. Todo dia era dia de se fartar. Afinal mulher tem que cumprir suas obrigações de esposa. Se não tem em casa procurava em qualquer lugar, pois mulher é que não faltava para satisfazer um homem.

      Ela tinha medo e vergonha de ter que passar por tanta humilhação, mas não confiava em ninguém para contar suas intimidades. Não suportaria a hipótese de ficar falada ou de ser julgada como fria e que não fora capaz de satisfazer nem o próprio marido.Numa de suas consultas rotineiras com o ginecologista chegou a comentar que não conseguia sentir prazer, que não havia lubrificação e que era dolorido todas as vezes. E com um sorriso de matar ele apenas completava "é, mas depois fica bom, não fica?". Se no próprio médico não podia confiar imagina para uma pessoa conhecida? Talvez o problema seria dela, como Rui sempre dizia, que era frescura, falta de tesão e que ela deveria se dar por satisfeita por ter um marido como ele. Era travada e fria!

      Mal conseguia abrir as pernas e lá estava ele, com seu bate-estaca a lhe perfurar até o útero, fazendo sangrar e se deliciando com as lágrimas que escorriam dos olhos da mulher. "É tesão, mulher, relaxa!". Muitas vezes não suportando a dor Maria do Rosário gritava, enchendo Rui com mais prazer fazendo com ele tapasse sua boca só para ver a agonia em seus olhos. "Prazer sem dor não combinava com mulher. Mulher precisa sofrer para poder dar valor ao que tem", repetia, enquanto sufocava Rosário.

      Depois do ato consumado, Rui se virava para o outro lado e dormia... Satisfeito...

      Maria do Rosário esperava ouvir o primeiro ronco e chorava, quietinha, tapando a boca com o travesseiro, segurando o soluço para não fazer movimento no colchão e despertar a ira do valente e destemido Rui. Vez ou outra abria a gaveta do criado-mudo e pegava o punhal. Apertava-o no peito e pensava em suas crianças. "Não, eles não merecem uma tragédia dessas...", e guardava-o de novo.

      Sete anos de casamento, seis anos de tortura sexual, um segredo guardado, um pecado prestes a ser cometido, ou melhor, um crime passional.

      Depois de uma noitada regada a bebida, Rui voltou para casa. Maria do Rosário já estava deitada, fingindo dormir. O punhal não estava em seu lugar costumeiro. Rui se jogou na cama e mais uma vez se fartou. Rosário chorou, olhando para o lado, enfiou sua mão debaixo do travesseiro e pegou o punhal. Num movimento em que Rui erguia o corpo esticando os braços, Rosário colocou o punhal entre eles. Ele se abaixou com tudo e ouviu o grito da mulher. Como estava bêbado não percebeu o objeto pontiagudo entrar na mulher, rasgando-lhe a carne. Sentiu mais prazer olhando sua cara gritando de dor até desmaiar. Mesmo assim continuou, pois ainda não estava satisfeito. Só depois quando saiu de cima de Rosário é que percebeu a mancha de sangue no lençol. Se assustou e chamou por ajuda.

      Rosário estava bem, sedada, e por sorte nada de ruim aconteceu, pois encaixou o punhal bem próximo à cintura o que não lhe perfurou nenhum órgão vital. Rui responderá por crime de lesão corporal e não sabe como isso pode acontecer, afinal sempre foi o marido dos sonhos de qualquer mulher.

      Fim.

      Um texto de ficção, mas com muita realidade, pois mulheres também são estupradas por seus maridos. Fraqueza? Não, nem sempre a mulher sabe o caminho para sair de situações de tortura, principalmente de quem deveria amá-la e cuidá-la até o fim.