segunda-feira, 17 de março de 2014

Agora Vai


      Andando distraída pela praça central da pequena cidade onde morava, Manuela não ouviu que alguém gritava seu nome. Depois de várias insistências ouviu o grito e num impulso se virou para ver de onde vinha aquela voz estranha. Apertou os olhos tentando enxergar o vulto. Sem sucesso pois sua miopia não permitia tanta insistência. Continuou sem rumo certo.

      Os ventos de outono não permitiam que seus cabelos se aquietassem fazendo com que grudassem em sua boca besuntada de gloss transparente. Segurou-os num rabo improvisado com as mãos. Sentiu alguém tocar seu ombro. chamando-a pelo nome. Assustada dá um passo à frente e se surpreende. Marcelo...

      Há quanto tempo não tinha notícias do amigo de colégio! E como estava diferente, mais encorpado, cabelos ajeitados, sorriso lindo... Muito diferente daquele pirralho que vivia lhe mandando cartinhas, jurando amor eterno e uma vida de princesa. As poucas palavras eram encantadoras e não tinha como não se envaidecer. Um menino que sabia fazer poesias com palavras simples e rimas óbvias. Nunca dera esperança para ele. Manuela sempre foi a mais alta da turma, magra como um fiapo de manga, cabelos lisos que presilha nenhuma segurava-os. E Marcelo era quase a metade de sua altura. Tinha que olhar para os céus para alcançar seus olhos cor de mel. E sorria, mesmo tímido, quando lhe oferecia uma flor roubada do canteiro do pátio do colégio.

      Vendo o homem em que se transformou Manuela gelou. Ficou um bom tempo olhando seus olhos castanhos com cílios compridos que lhe davam a impressão de ter olhos de uma criança meiga crescida tardiamente. Ficou praticamente de queixo caído esperando que ele começasse uma conversa. E começou. "Oi, minha linda, se lembra de mim?" Perguntou, com aquele mesmo encanto de anos atrás. Gaguejando Manuela respondeu que sim, que quase não o reconhecera, mas que se lembrava dele. E completou dizendo que continuava o mesmo menino gentil de antes.

      Marcelo se aproximou e lhe deu um beijo na bochecha. O cheiro do perfume cítrico tomou conta do ar que Manuela respirava e que, disfarçadamente, inalou num suspiro longo, quase que fechando os olhos e esperando um possível beijo daquele homem lindo e adorável. Se recompôs logo em seguida e viu um sorriso largo naquele rosto de pele lisa. "Gente, eu beijei ele! Foi meu primeiro selinho!", pensou e sorriu. Não se atreveu a lembrá-lo desse dia e nem confessaria que ficou apaixonada por aquele beijo roubado. Ficou com vergonha de estar na sua frente depois de tantos nãos ditos naqueles bons tempos de inocência. Disfarçadamente olhou em suas mãos e não viu nenhuma aliança comprometedora. Que bom, pensou. Continuou olhando em seus olhos e vez ou outra escorregava para a boca, o queixo quadrado, o pescoço e o peito. Que falta fazia os óculos de sol, pensou, se sentindo envergonhada por ter pensamentos tão masculinos. Corou.

      Marcelo olhava-a fundo nos olhos, quase que lendo sua mente, e caminhava por todo seu rosto como se decorasse cada pontinho, cada marquinha, cada pintinha, deixando-a mais desconcertada do que o normal. Nunca fora tímida e agora se via nessa situação de puro acanhamento. Mal conseguia responder às perguntas do rapaz que, até pouco tempo, não passava de um pirralho.

      Numa breve divagação se lembrou daquele dia em que ficara sozinha com ele na sala de aula e que num gesto rápido Marcelo lhe roubou um beijo, saindo logo em seguida, com medo de levar uma bronca ou de ouvir um grito agudo. Mas mesmo querendo não fazer barulho saiu derrubando cadeiras, tropeçando e caindo. Uma servente que passava pelo corredor entrou na sala e perguntou se tinha se machucado. Mais que depressa Marcelo se levantou e saiu correndo dali, fugindo de um provável castigo pela ousadia do roubo.

      Quando Manuela voltou a si, Marcelo lhe perguntou se estava tudo bem, pois ficou com o olhar vidrado no rosto dele quase que sem respirar. Sentiu sua mão acariciando seu rosto e gelou mais uma vez. Estava fascinada com Marcelo e isso deixava-a constrangida. Combinaram de se encontrar outras vezes mas se esqueceram de marcar o dia, o local e de pegar telefone um do outro.

      Como encontraria Marcelo novamente? Já estava sofrendo por perdê-lo antes mesmo de saber se aquele amor jurado na infância seria mesmo verdadeiro. Hesitou, olhou para trás vendo Marcelo se afastar,  mas preferiu esperar pelo destino quem sabe uni-los mais uma vez e talvez um romance deslanchar. Deu dois passos e parou. Olhou de novo para Marcelo e viu que ele também havia parado e estava voltando ao seu encontro. Gelou. Pediu seu telefone, deu-lhe mais um beijo na bochecha e se foi. Este gesto foi mais que suficiente para desestruturar Manuela que ficou paralisada por um tempo, sem saber que rumo tomaria. Resolveu voltar para casa e ficar quieta se lembrando de uma infância que cresceu e se tornou bela e apaixonante. Será que Marcelo demoraria para ligar? Não demorou meia hora e o telefone tocou... Marcelo...

      Fim.

11 comentários:

  1. A incerteza num possível amor é a causa de muita curiosidade também! Gostei do conto, muito inteligente, por ser intrigante! abraços

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  2. Afe! Quase gelei pensando que ela não faria nada e deixaria escapar a oportunidade novamente! Ainda bem que Marcelo s se deu conta! E agora, o telefone já tocou... Logo irão se encontrar e tomara fiquem juntos...Isso se ele não for mais medroso e fugir,rs...beijos,chica

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    1. Vão se encontrar e viverão felizes pra sempre, Chica, um conto daqueles raros na vida real, onde se conhece pequeno e continua junto eternamente!
      Beijos, gaúcha!

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  3. Lindo conto... fez-me voltar à adolescência, quando ainda sonhava... Beijos e boa semana.
    Lita

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    1. Bom sonhar, né, Lita? E quando esses sonhos nos acompanham é maravilhoso! Raros, mas maravilhoso!
      Beijos

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  4. A forma com que aperfeiçoa suas linhas de raciocínio literária estão se tornando constante. O mistério, que aguça o raciocínio de quem lê suas crônicas e contos, está se tornando sua marca registrada.

    Continue. Sempre!!

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

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    1. VC sabe que sua opinião é muito importante pra mim, não é?
      Agradeço tudo! Desde lá no comecinho, vc me acompanhando...
      Beijosssssssssssssssssssss

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  5. Muito bonito, sempre nos fazendo voltar no tempo e lembrando momentos maravilhosos de nossas vidas. Beijos.

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  6. Oi Clarinha!
    Você é uma grande contista! Nem vou falar mais, você já sabe minha opinião. A cada conto que leio, você desabrocha na escrita. E eu, como leitora, só ganho com isso. Obrigada, você é muito dez! Bjs Marli

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