quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Chão de Pedras



      O dia estava quente e Susi caminhava rápido tentando se equilibrar em seu salto agulha olhando para o chão. Uma calçada esburacada fez com que atolasse o salto e o sapato ficasse para trás. Praguejou umas palavras e voltou para pegar o sapato e calçá-lo. Fechou os olhos e desejou voar para bem longe daquela cidade, daquela situação constrangedora onde todos a olhavam e comentavam uns com os outros. "Devem estar rindo de mim!", pensava. Caminhou mais rápido e com a cabeça mais baixa.

      Foi um dia difícil, com pessoas lhe tirando a paciência, aliás tinha pouca paciência no trabalho. Era atendente numa Repartição Pública. Odiava, mas como o salário era bom e o emprego garantido, suportava tudo e todos.

      Chegou cansada em casa e se jogou no sofá. Ligou a TV e cochilou... Dormiu até amanhecer, desleixada, com a mesma roupa que estava.

      Se levantou, atrasada como sempre e com dores pelo corpo. Tomou um banho rápido, se ajeitou sem se olhar no espelho e engoliu um café preto. Mais um dia chato pela frente, pensava.

      Andava olhando para baixo só para não ter que cumprimentar quem passava por ela. Uma eterna TPM, como diziam seus amigos. Mesmo assim ainda conservava uns bons amigos que a aturavam e a arrastavam para alguma diversão. E só ouviam reclamação e mais reclamação de Susi. Tudo era ruim, chato, sem graça e feio. Tudo tinha defeitos. Não se relacionava com ninguém porque achava os homens todos iguais. Nenhum prestava!

      No caminho até o trabalho passava em frente à uma floricultura. Era inevitável não virar o rosto e encher os pulmões com o perfume das flores. Tão lindas! Tão coloridas! Depois abaixava a cabeça e continuava seu trajeto.

    Como de costume entrou num café e comprou um pão de batatas que comeria pelo caminho. Era seu complemento do café da manhã. Nem percebeu que o rapaz do caixa não lhe cobrara nada. O dinheiro que pagou voltou, intacto. Susi simplesmente pegou a nota e guardou-a no bolso da calça. Um "obrigada" seco e sem ao menos olhar no rosto do jovem que há dias observava-a.

      Saiu, de cabeça baixa, andando tão rápido que esbarrava em todos que estavam à sua frente. Só parou quando uma mão tocou seu ombro, fazendo-a virar assustada.

      - Ei, o que foi? - perguntou indignada.

      Era o rapaz da padaria, que gentilmente correu para lhe devolver a carteira esquecida em cima do balcão.

      - Acho que é sua, não é? - gentilmente e com um sorriso largo perguntou para Susi.

      - Sim, obrigada!

      Renato estendeu a mão para se apresentar. Ela, num impulso retribuiu apertando-lhe a mão, receosa, mas foi tempo suficiente para sentir o olhar penetrante do rapaz. A boca ficou entreaberta, como se esperasse um beijo roubado, uma pegada na nuca e um entrelaçar em sua cintura. Ele falava e ela continuava hipnotizada, de boca aberta, alternando o olhar para os olhos e para a boca... E de vez em quando para o corpo do rapaz.

      Sem prestar atenção no que ele falava, Susi agradeceu mais uma vez, sorriu e se foi. Só depois que percebeu que ele havia feito uma pergunta. Olhou para trás e viu-o caminhando rápido, de volta para o café. Parou e deu um passo, mas achou melhor não. Tinha um longo dia pela frente e amanhã teria a oportunidade de se desculpar por não respondê-lo.

      Continuou caminhando e olhando para baixo. Começou a prestar atenção por onde andava, na péssima situação das calçadas de sua cidade, nos buracos perigosos e engolidores de salto agulha e algumas árvores mal cuiadas que se revesavam com as lixeiras fedorentas. Algumas pessoas passeavam com seus cachorros e outras mexiam no celular o tempo todo. Outras com fones no ouvido. Cada um seguindo seu caminho, andando, tropeçando, caindo, chorando, cantando, cegos e surdos, até que algo interessante lhe roubasse o sossego ou lhe devolvesse o sorriso. Ou quem sabe alguém que lhe despertasse a vontade de começar tudo de novo... E de novo e de novo...

      Mais um juramento que estava próximo de ser quebrado. O nunca mais se tornara uma frase corriqueira, com muita força quando dita no primeiro instante mas sem sentido nenhum quando se depara com um par de olhos penetrantes e uma boca carnuda.

      O dia foi difícil, como todos os outros, mas Susi não ficou tão nervosa como de costume. Estava ansiosa para chegar em casa, se deitar e dormir, para acordar e ir ao café, como sempre fez, mas com um motivo todo especial a partir de agora. Renato.

      E assim aconteceu. Ele no caixa, ela com seu pão de batatas, com um largo sorriso e um papo rápido. O suficiente para trocarem telefones e quem sabe marcarem um encontro.

      Fim.

11 comentários:

  1. Clarinha, você leva jeito prá isso ! Belo conto ! Adorei ! Tenha um lindo dia ! Bjs !

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  2. Você tem uma grande facilidade para escrever contos e nos prende desde a primeira palavra até a última e ainda fica a vontade de ler mais.
    Beijos.

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    Respostas
    1. Que bom, Élys!
      Uma incentivo e tanto pra eu não desistir nunca!
      Beijos

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  3. Olá Clara!
    Gostei muito desse conto!
    Simples ASSIM
    Claro ASSIM ;-)

    Abração
    Jan

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  4. Estou aqui torcendo para Susi, Clara
    Afinal ela merece ser feliz...rs
    Sou fã de seus contos, querida
    Um beijão de
    Verena e Bichinhos

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  5. Blog encantador,gostei do que vi e li,e desde já lhe dou os parabéns, também agradeço por partilhar o seu saber, se desejar visitar o Peregrino E Servo, ficarei também radiante e se desejar seguir faça-o de maneira que possa encontrar o seu blog, porque irei seguir também o seu blog.
    Deixo os meus cumprimentos, e muita paz.
    Sou António Batalha.

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  6. muito legal, vc prende com teus escritos. ainda bem que ela olhou para os lados uma vez na vida,rsrs adorei o final, bjs

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  7. Beleza Clara um conto com todos os belos ingredientes para nos deixar com o coração acelerado e logo o esfria, cria sensualidade e joga agua, muito bom amiga e no ar este o que será?
    Parabéns, ficou muito bom e pode seguir com novas emoções da apressadinha e o Renato, vamos ver.

    Um carinhoso abraço Clara.
    Beijo de paz amiga.

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