sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Clic



Cidadão se descuidou e roubaram seu celular. Como era um executivo e não sabia mais viver sem celular, ficou furioso. Deu parte do roubo, depois teve uma idéia. Ligou para o número do telefone. Atendeu uma mulher.


— Aloa.

— Quem fala?

— Com quem quer falar?

— O dono desse telefone.

— Ele não pode atender.

— Quer chamá-lo, por favor?

— Ele esta no banheiro. Eu posso anotar o recado?

— Bate na porta e chama esse vagabundo agora.

Clic. A mulher desligou. O cidadão controlou-se. Ligou de novo.

— Aloa.

— Escute. Desculpe o jeito que eu falei antes. Eu preciso falar com ele, viu? É urgente.

— Ele já vai sair do banheiro.

— Você é a...

— Uma amiga.

— Como é seu nome?

— Quem quer saber?

O cidadão inventou um nome.

— Taborda. (Por que Taborda, meu Deus?) Sou primo dele.

— Primo do Amleto?

Amleto. O safado já tinha um nome.

— É. De Quaraí.

— Eu não sabia que o Amleto tinha um primo de Quaraí.

— Pois é.

— Carol.

— Hein?

— Meu nome. É Carol.

— Ah. Vocês são...

— Não, não. Nos conhecemos há pouco. 

— Escute Carol. Eu trouxe uma encomenda para o Amleto. De Quaraí. Uma pessegada, mas não me lembro do endereço.

— Eu também não sei o endereço dele.

— Mas vocês...

— Nós estamos num motel. Este telefone é celular.

— Ah.

— Vem cá. Como você sabia o número do telefone dele? Ele recém-comprou.

— Ele disse que comprou?

— Por que?

O cidadão não se conteve.

— Porque ele não comprou, não. Ele roubou. Está entendendo? Roubou. De mim!

— Não acredito.

— Ah, não acredita? Então pergunta pra ele. Bate na porta do banheiro e pergunta.

— O Amleto não roubaria um telefone do próprio primo.

E Carol desligou de novo. 

O cidadão deixou passar um tempo, enquanto se recuperava. Depois ligou.

— Aloa.

— Carol, é o Tobias.

— Quem?

— O Taborda. Por favor, chame o Amleto.

— Ele continua no banheiro.

— Em que motel vocês estão?

— Por que?

— Carol, você parece ser uma boa moça. Eu sei que você gosta do Amleto...

— Recém nos conhecemos.

— Mas você simpatizou. Estou certo? Você não quer acreditar que ele seja um ladrão. Mas ele é, Carol. Enfrente a realidade. O Amleto pode Ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?

— Esta é a primeira vez.

— Vocês nunca tinham se visto antes?

— Já, já. Mas, assim, só conversa.

— E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na verdade você não sabe nada sobre ele. Não sabia que ele é de Quaraí.

— Pensei que fosse goiano.

— Ai esta, Carol. Isso diz tudo. Um cara que se faz passar por goiano...

— Não, não. Eu é que pensei.

— Carol, ele ainda está no banheiro?

— Está.

— Então sai daí, Carol. Pegue as suas coisas e saia. Esse negocio pode acabar mal. Você pode ser envolvida. — Saia daí enquanto é tempo, Carol!

— Mas...

— Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei. Você não quer acabar a amizade. Vocês se dão bem, ele é muito legal. Mas ele é um ladrão, Carol. Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida corre perigo.

— Ele esta saindo do banheiro. 

— Corra, Carol! Leve o telefone e corra! Daqui a pouco eu ligo para saber onde você está.

Clic.

Dez minutos depois, o cidadão liga de novo.

— Aloa.

— Carol, onde você está?

— O Amleto está aqui do meu lado e pediu para lhe dizer uma coisa.

— Carol, eu...

— Nós conversamos e ele quer pedir desculpas a você. Diz que vai devolver o telefone, que foi só brincadeira. Jurou que não vai fazer mais isso.

O cidadão engoliu a raiva. Depois de alguns segundos falou:

— Como ele vai devolver o telefone?

— Domingo, no almoço da tia Eloá. Diz que encontra você lá.

— Carol, não...

Mas Carol já tinha desligado.

O cidadão precisou de mais cinco minutos para se recompor. Depois ligou outra vez.

—Aloa.

Pelo ruído o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.

— Carol, é o Torquatro.

— Quem?

— Não interessa! Escute aqui. Você está sendo cúmplice de um crime. Esse telefone que você tem na mão, esta me entendendo? Esse telefone que agora tem suas impressões digitais. É meu! Esse salafrário roubou meu celular!

— Mas ele disse que vai devolver na...

— Não existe Tia Eloá nenhuma! Eu não sou primo dele. Nem conheço esse cafajeste. Ele esta mentindo para você, Carol.

— Então você também mentiu!

— Carol...

Clic.

Cinco minutos depois, quando o cidadão se ergueu do chão, onde estivera mordendo o carpete, e ligou de novo, ouviu um "Alô" de homem.

— Amleto?

— Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A Carol acaba de descer do carro.

— Olha aqui, seu...

— Você já tinha liquidado com o nosso programa no motel, o maior clima e você estragou, e agora acabou com tudo. Ela está desiludida com todos os homens, para sempre. Mandou parar o carro e desceu. Em plena Cavalhada. Parabéns primo. Você venceu. Quer saber como ela era?

— Só quero meu telefone.

— Morena clara. Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular. Se não fosse o celular, ela não teria topado o programa. E se não fosse o celular, nós ainda estaríamos no motel. Como é que chama isso mesmo? Ironia do destino?

— Quero meu celular de volta!

— Certo, certo. Seu celular. Você tem que fechar negócios, impressionar clientes, enganar trouxas. Só o que eu queria era a Carol...

— Ladrão

— Executivo

— Devolve meu...

Clic.

Cinco minutos mais tarde. Cidadão liga de novo. Telefone toca várias vezes. Atende uma voz diferente.

— Ahn?

— Quem fala?

— É o Trola.

— Como você conseguiu esse telefone?

— Sei lá. Alguém jogou pela janela de um carro. Quase me acertou. 

— Onde você está?

— Como eu estou? Bem, bem. Catando meus papéis, sabe como é. Mas eu já fui de circo. É. Capitão Trovar. Andei até pelo Paraguai.

— Não quero saber de sua vida. Estou pagando uma recompensa por este telefone. Me diga onde você está que eu vou buscar.

— Bem. Fora a Dalvinha, tudo bem. Sabe como é mulher. Quando nos vê por baixo, aproveita. Ontem mesmo...

— Onde você está? Eu quero saber onde!

— Aqui mesmo, embaixo do viaduto. De noitinha. Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e...


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Extraído do livro "As Mentiras que os Homens Contam", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 41.


quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Uma Carta



Sabe, me sinto voltando há uns anos, quando ainda escrevia cartas de papel... Tão romântico, onde pingava umas gotinhas de perfume, carimbava um beijo com batom vermelho... É assim que lhe respondo a carta que me enviou...

Quase não acreditei quando olhei a caixa dos correios e a vi, tão simples, com sua letra cursiva... Meu coração disparou e a primeira coisa que fiz foi cheirá-la, tirando dela um resquício de seu perfume, não aquele que colocam em vidros, mas o perfume de sua pele... Apertei-a junto ao peito, na esperança de aquietar meu coração descompassado e fiquei imaginando suas palavras escritas... Seu carinho ali, todo para mim, em algumas poucas linhas...

Mas na verdade eu queria mesmo era dizer que algo mudou em mim, desde que você chegou, com aquele beijo inesperado, roubado e devolvido, suave e loucamente molhado... Ahhhhhh !!!

Como explicar? Não sei...

Mas mesmo à distância lhe sinto aqui pertinho: seu cheiro, seu gosto, sua respiração quente perto de minha boca... Lembra que eu falava sempre que entre o amor e eu existia um oceano? Então, ele existe agora! Coisas do destino? Quando falamos algumas palavras e algum anjo passa e diz amém?

Todo esse tempo, eu aqui e você aí, um olhando pela fechadura, espiando o que o outro estaria fazendo ou o que estaria pensando... E ao mesmo tempo sentindo o calor do corpo, o toque suave, o entrelaçar das mãos... Os beijos apaixonados que expulsam a alma, com medo de um castigo por tanta ousadia... o olhar brilhante, a lágrima que não suporta tanta paixão e sai correndo em direção ao pescoço, que logo é amparada por uma boca sedenta por sentir o gosto, a boca úmida, entreaberta, com o hálito quente que derrete toda a frieza de uma incerteza que possa, por acaso, estar por ali... Se entregar? Se render? E por que não? 

Qual o sentimento mais puro e mais lindo do que o amor? 

A boca sedenta de desejo, como a boca de um bebê faminto procurando o seio da mãe, para saciar sua fome... Percorre cada milímetro do corpo, saboreando cada sabor, apreciando cada arrepio e cada suspiro... O tempo para... A respiração acelera... A explosão... O ato máximo... O prazer...

Sim, eu me rendo! Sou sua serva, sua escrava, sua dama...

Até pouco tempo atrás eu havia me rendido à solidão, à conformidade de viver sempre sonhando com algo que achava que não existia...

Fantasiava demais, queria demais, escolhia demais e claro que sabia que nada existia. Pessoa romântica tem dessas coisas, mas...  Quando menos esperamos, o que não deu certo em outros lugares, em outras camas, vem aqui e se instala no nosso peito, finca como um punhal e faz o coração disparar; a boca seca, as mãos gelam, as pernas tremem e um sorriso acanhado insiste em permanecer nos lábios. Basta ouvir uma música e pronto! Toda aquela sensação de adrenalina volta; o tempo demora o dobro para passar, os minutos são angustiantes e parecem retroceder como uma tortura da alma...

Até que finalmente tudo se torna real. 

A distância? Que distância pode haver para uma loucura? O amor é uma loucura? Sim, claro! Só quem é louco atravessa léguas em busca de um amor, só quem é louco se entrega sem medo, se perde nos abraços, nos beijos, no prazer... Um corpo grudado no outro... Uma só massa... Um só amor...

Despeço-me agora, meu amor, para que descanse seu corpo junto ao meu, em pensamento e alma... E amanhã recomece toda a tortura, toda a espera pela hora marcada e assim, repetir tudo, agora com mais intensidade e mais ternura...

De sua amada que sonha acordada esse amor platônico e real, embalada numa canção sem letra, para não atrapalhar os pensamentos e as lembranças de momentos inesquecíveis que passamos juntos, seja onde for, seja como for e seja o tempo que for. 

No amor tudo é infinito, mágico... potente... e frágil.

Beijos... milhões de beijos...


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Texto publicado em 10 de junho de 2013

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Linhas Tortas


      "Hoje vou te buscar", disse Henrique, num telefonema rápido para Luiza, "E não tenho horas para te devolver", brincou, fazendo com que Luiza desse um sorriso e o coração acelerasse.

      Na hora combinada ele estava lá, com o mesmo sorriso canalha de sempre, dizendo com os olhos que a noite prometia... Uma noite que sol nenhum iria interromper. Luiza gostava disso e concordava. Não precisavam dizer palavras... Olhares se encontravam e corpos se reconheciam, como uma segunda pele, arrepiando a cada toque... Bocas se achavam e se fartavam num terno beijo molhado, intenso depois de alguns segundos à medida em que as mãos exploravam um ao outro.

      Alguns minutos e já estavam despidos. Luiza deitava e Henrique por cima enchendo-a de beijos, de toques sutis, até se encaixarem e se perderem na noite... Sem horas para se devolverem ao mundo real...

      Mas o mundo real, teimoso e cruel, bateu à porta e os separou. Hora do príncipe montar em seu cavalo e da princesa voltar para a torre do castelo.

      Se perderam no caminho de volta e outras bocas encontraram. Outros arrepios, outros toques, outras vidas...

      Com remorso de tanta crueldade o mundo real conspirou e fez com que Henrique e Luiza se reencontrassem. Os olhos se reconheceram, a pele arrepiou, as bocas secaram esperando uma gota de vida uma da outra... Mas muito tempo havia se passado e nada mais sabiam um do outro. Os olhos contavam tudo mas a boca se calou... O coração batia acelerado e mesmo assim um não ouviu o outro. Luiza estava doente, por falta de amor, e Henrique estava com a outra que ele encontrara pelo caminho perdido...

      Se despediram e se foram, cada um para sua vida, levando aquele olhar e as lembranças da melhor noite que já tiveram... Passado...

      Luiza, por querer o bem, fugia de Henrique quando sentia sua presença em algum lugar, por medo de não resistir àquele olhar que tudo contava, mas que estava com outra pele ao lado. Fugia e seus pensamentos ficavam...

      Inconformado, o mundo real conspirou mais uma vez e fez os olhos se reencontrarem... Luiza, radiante, não mais sofria por falta de amor... Queria vida, queria continuar vivendo a partir daquele dia, daquela noite eterna... Henrique não estava pronto. Fazia que ia e não ia... Medo... O passado estava longe e mesmo assim parecia tão perto... Ontem mesmo se perdeu nos braços de Luiza. Será que os braços seriam os mesmos? E essa boca do meu lado, quem irá beijar a não ser a minha? Dúvidas...

      Luiza esperava, mas sabia que o passado não voltaria... Estava muito distante... Tantas águas rolaram, tantas noites infinitas já amanheceram e aquela noite eterna nem era tão eterna assim.

      Se não era para ser por que os olhos se reencontraram? E por que as bocas continuaram secas, sedentas uma pela outra? E por que o medo dos corpos se tocarem e não conseguirem mais se separar venceu a vontade de voltarem no tempo?

      Não era para ser...

      Luiza, não querendo mais saber de carruagem, caminhou sem olhar para trás, levando consigo por toda a vida, aquela eterna noite que ainda não amanheceu.

      Henrique... Não era para ser...

      Fim.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Sala de Visita : Sala de Visita entrevista Clara Lúcia

Uma entrevista minha no blog do querido amigo Carlos Hamilton.

Um relato de como venci a depressão e como encarei a vida daí pra frente.

Que bom se puder ajudar alguns... Não é fácil, mas também não é impossível.




Cliquem no link abaixo...
Sala de Visita : Sala de Visita entrevista Clara Lúcia: Vencer a depressão é um desafio para muitos. No mundo são mais de 350 milhões de pessoas que sofrem com a depressão e o Brasil é o país c...

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Quase 19

Imagem Google

Esta semana morreu meu cachorro idoso... Quase dezenove anos. Dezoito e oito meses, pra ser mais exata.

A imagem é do Google mas é como se eu estivesse vendo ele, todo engravatado, quando tomava banho e aparava os pelos.

Um companheiro de uma vida inteira, mesmo nos meus momentos mais difíceis... Sim, ele estava segurando minhas pontas naquela fase ruim, nas tristezas, falta de paciência, falta de dar atenção... Mas sempre estava no meu pé, ao meu lado, onde eu estivesse.

Minha avó falava que é bom ter animais pois eles têm o dom de puxar pra si os fluídos negativos. São como pára-raios e nos protegem, como anjos.

Se eu fosse dar ouvidos a todos que vinham na minha casa e ficavam sabendo de sua idade, eu já o teria "matado" há uns cinco anos. Não teria coragem de jeito nenhum!

Ele não adoeceu... Viveu bem, nos seus limites, até o fim. Morreu deitado perto de sua casinha, de sua água e sua ração. Estava cego, surdo e sem olfato. Mas se nós estivéssemos por perto ele ia tateando com o focinho até esbarrar nas nossas pernas, abanava o cotoquinho do rabinho e ficava por ali. De uns anos pra cá reservei um lugar fechado pra ele. Não um lugar pequeno, mas que dava pra ele andar e saber onde estavam suas coisas. E sabia! Só no último mês é que deixei meus outros cachorros ficarem mais perto dele. O portão ficava aberto e iam e vinham, menos ele que não achava o portão, então ficava sempre no seu espaço. Os outros queriam brincar com ele, pulando em sua cabeça e ele, irritado, não enxergando nada e não sabendo de quem se tratava, ficava rosnando. Depois se acostumou e nem dava mais bola pros outros, os pentelhos arteiros da casa.

Na manhã em que ele não conseguiu mais se levantar, assim que me levantei, os outros já me avisaram. Olharam pra mim, latiram e foram correndo lá no fundo, no espaço dele, cheiraram ele e latiram pra mim como se estivessem me avisando. Foi de cortar o coração... E na manhã seguinte ele já não estava mais vivo...

O nome dele? Caco Antibes!

Meu protetor!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Amigo Imaginário de Melissa Jones


Primeira blogagem coletiva do ano! Blog Café entre amigos.
Vamos participar? Cliquem no link!

      Tagarela! Era como Mary descrevia a pequena Melissa. Não sabia onde arrumava tanto assunto para conversar... Sozinha! Quando juntavam as amiguinhas da vizinhança não era tão faladeira como quando estava sozinha. Para Mary era normal, afinal de contas criança dá asas à imaginação e cria personagens imaginários. Se lembra que tinha um também, Pop, como o chamava. Não o via, mas o ouvia sempre que estava sozinha em seu quarto ou no vasto quintal da fazenda onde fora criada. De certo Melissa puxara esse seu lado sonhador e criativo.

      Mesmo antes de se levantar, Melissa já começa um papo alucinante e dava gargalhadas como se seu amigo imaginário fizesse palhaçadas. Mary ria junto, no outro cômodo, e logo ia até o quarto da pequena ver o que se passava. A menina, toda descabelada, sentada na cama, com os olhos brilhantes respondia que era muito engraçado... Mary abraçava-a, pegava-o no colo e com um beijo na bochecha lhe desejava um bom dia. Era sua pequena, seu bebê, seu mimo, sua boneca de verdade, amada e abençoada.

      Um dia Melissa acordou chorando. Mary não entendeu e foi logo ver o que se passava. A menina estava deitada no chão, olhando para debaixo da cama, inconformada.

      - Cadê ele, mãe? - perguntava, aos soluços

      - Ele quem, querida? -

      - O Pop, mãe, cadê ele que não veio hoje? - perguntou, olhando mais uma vez debaixo da cama.

      Mary arrepiou... Ficou paralisada... Não conseguia consolar Melissa e muito menos olhar debaixo da cama para ajudar a filha.

      Respirou fundo, pegou Melissa no colo e abraçou-a forte. Acariciava seus cachos despenteados e chorou junto com a filha.

      A infância lhe voltou à memória. Fechou os olhos e se lembrou que foi exatamente assim que Pop, seu Pop, desapareceu. Sem mais nem menos. Simplesmente não apareceu nunca mais.

      Se sentou na cama e começou a conversar com a filha. Lhe fez muitas perguntas e não teve as respostas que queria ouvir. Melissa só sabia dizer que Pop foi embora e ficava perguntando porque ele tinha ido embora. Sem saber o que responder Mary consolava a filha dizendo que Pop teve que viajar e que um dia voltaria, talvez quando ela já estivesse grande, do tamanho dela. Melissa chorava ainda mais, inconformada, dizendo que não, que ele não tinha ido embora não. Mary abraçou a filha e ficou com ela no colo até que se acalmasse.

      Ficava lhe perguntando quem seria Pop que antes era seu amigo e agora brincava com sua Melissa. Tinha a mesma idade da pequena quando ele a abandonou. Se lembrou também de sua avó que sempre contava histórias e dizia que crianças enxergam as almas até completarem sete anos. Mas que alma seria Pop? Por que perseguia sua família? Não perseguia... Emendava Mary, apenas brincava comigo e agora com minha Melissa.

      Não tinha como saber, mas sentiu muito a falta de Pop quando este a deixou e nunca mais voltou. Sua mãe não acreditava e achava besteira, por isso Mary tanto sofreu com a falta do amigo imaginário. Mas por que Melissa conseguia vê-lo e ela não? Um dom sobrenatural da menina? Para quem perguntaria?

      Apesar da imensa curiosidade isso agora não tinha importância... Boas recordações tinha do amigo invisível, que fazia-a gargalhar até fazer xixi na calcinha e sua mãe lhe dar bronca dizendo que já era mocinha e que não podia mais fazer isso. Melissa gargalhava como ela e também fazia xixi na calcinha de vez em quando. A diferença é que Mary não implicava com sua bebê. Era uma criança feliz, sadia, inteligente, esperta e que tinha os cachos mais lindos do mundo! Seu avô, agora falecido, vivia dizendo que ia cortar um cachinho e guardar de lembrança. Ela sorria e corria para se esconder. Como dar bronca numa pessoinha tão doce assim?

      Mary chorou junto com Melissa... Lamentou não ter descoberto o segredo antes, enquanto Pop estava por perto. Poderia brincar junto, os três, e gargalhar até dar nó na barriga...

      No dia seguinte seria o aniversário de Melissa Jones, uma alegria para tentar encobrir a tristeza de perder o amigo especial que era só dela. Quer dizer, só dela e de sua mãe. Esse segredo seria revelado mais tarde, quando Melissa ficasse maior e pudesse compreender os mistérios que muitos não entendiam. E terão um segredo para compartilhar por toda a vida, só delas, sem que ninguém se intrometesse ou desacreditasse. Sim, eram as amigas de Pop. A curiosidade aumentaria e Mary, com certeza, perguntaria como era Pop, pois só Melissa o vira.

      Fim.

     

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sozinha na Multidão


Chego à conclusão de é comum, como na imagem, se sentir sozinha na multidão. Não é ruim, cada um tem sua vida, suas coisas para fazer, sua família para cuidar e ainda ficar se preocupando com quem aparentemente está bem, é impossível.

Como já disse no post sobre como superei a depressão, tudo começou a melhorar, dia a dia, uma coisa de cada vez, com paciência.

Mudei de emprego e o que eu tenho escutado das pessoas é que já era tempo de fazer isso, de sair mais de casa, ver gente, conhecer, respirar novos ares... Enfim...

Concordo com todas elas porque isso é bom. Aí fico me perguntando e para algumas até fiz a mesma pergunta: sabem o que eu passei nesse tempo todo? Onde estavam que não vieram me falar isso há anos quando eu mais precisava de um apoio? Sabem das dificuldades que tive até então? Sabem o motivo pelo qual não saía de casa, não arrumava outro emprego?

Não, não sabem porque eu nunca contei. Acho que desde sempre aprendi a me virar sozinha e agora ter que compartilhar algo com os outros é difícil. Tenho a sensação de que contando ou lamentando estou reclamando além da conta. Não gosto de ficar lamentando ou reclamando. Há um gasto de energia desnecessário, tempo desperdiçado, amolação aos ouvidos dos outros...

Antes, bem antes, eu até ficaria magoada ou triste com essas pessoas, mas aprendi a conviver com tudo e com todos. Eu também sou assim. Quem sabe alguém próximo passa por situação e eu nem me dei conta? Não temos bola de cristal e nem o dom de ler a mente das pessoas, então ficamos achando que tudo está bem e que a vida do outro é sempre melhor que a nossa. É a vida... São as pessoas, cada um com seu cada qual.

Sábado, no Altas Horas, vendo Pe.Fábio de Melo, mais uma vez ele repetiu uma frase que me marcou muito e que concordo plenamente: "Eu me conheço e os outros me imaginam".

É bem por aí mesmo. Só nós para nos conhecermos. Mesmo nos expondo de alguma forma ninguém saberá o que se passa em nossa vida ou em nossa mente.

Que julguem, que falem, que comentem, que inventem... Que me importa?

E para concluir, um pedaço do texto de Madre Teresa de Calcutá:

"No final verá que é entre você e Deus. Nunca será entre você e os outros."

Uma ótima semana a todos!


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Doce Ilusão


      Depois de uma noite em claro, apesar do quarto escuro, Joana se levanta com dores no corpo como se um caminhão tivesse lhe atropelado e decepado seu coração. Totalmente partido em pedaços miúdos e incapazes de se juntarem tão rapidamente quanto fora estraçalhado.

      Se desfazer de um sonho, de uma vida, de um amor certeiro e da felicidade plena não seria uma tarefa fácil para ela. Mais uma vez se encararia no espelho e perguntaria para a imagem o que teria acontecido de errado que tudo acabou tão repentinamente, praticamente da noite para o dia?

      Ontem, juras de amor eterno, confidências imagináveis de vidas passadas que agora se reencontraram, e hoje um deserto de ilusões. Nem uma lágrima. Tudo acumulado no peito esperando a hora de desabar e inundar o corpo magro, ossudo e longilíneo de Joana.

      Tem forças para ligar o rádio. Música internacional, para não se distrair nas palavras dos intérpretes e sofrer mais ainda. Quando tudo está ruim até as músicas conspiram! Engano! Difícil não traduzir uma palavra ou outra... "Lover Why". Foi  como um tiro no peito para que tudo desabasse de uma vez...

      As comportas dos olhos se romperam, encharcaram, inundaram a alma de Joana... Se lembra de ter chorado tão intensamente só quando sua avó partira. Doía demais... Não conseguia controlar o riacho que lhe escapava dos olhos... O gosto do beijo, o cheiro do corpo, do sexo, o tom da voz sussurrada, as mãos deslizando pelo seu corpo... Como um turbilhão de imagens a lhe invadir os pensamentos, todos aleatórios numa rotação acelerada para não perder nem um capítulo de uma história sonhada a dois e terminada num só. Um se foi, sem nada, a outra ficou, com um pedaço do que se foi... Que aos poucos lhe escapava por entre os dedos... Doía... Muito.

      Não tinha forças para mais nada a não ser chorar, soluçar, lamentar... "You never say goodbye... Why lover, why?" A música não lhe saía da memória junto com a imagem do príncipe comum, com todos os defeitos e manias, como ela sempre dizia...

      Acabou! Porque sim, ela se respondia, acabou porque durou o tempo que tinha que durar. Nesse momento Joana sentiu na pele que as coisas acabam, assim, porque sim... Mesmo que a outra parte ainda permaneça envolvida por muito tempo, ou nem muito assim, quem sabe amanhã já nem chore mais... "Why lover, why?"

      E os dias passam, as lágrimas não secam, Joana magrela e ossuda fica mais magrela e ossuda, o rosto afina, as bochechas somem, os olhos ficam fundos e com olheiras, lábios secos, cabelo oleoso... Corpo encurvado... E os dias passam...

      Joana não contou quanto tempo se passou, mas um dia acordou sem lágrimas. Se levantou, ligou o rádio, foi fazer o que tinha que fazer e não chorou. As lágrimas secaram? Não sabia e não queria saber.

      Passou, como tudo na vida, passou!

      Se lembraria dos bons momentos, das palavras carinhosas, dos sonhos imaginados de uma provável vida passada... Queria lembrar disso tudo e seguir em frente. Uma história tão linda, tão real, que faria parte de sua vida daí para frente. Só memórias, quem sabe transformada em um livro, não para ser publicado, mas para contar para os netos quando estes forem dormir em sua casa. Uma história de um príncipe que não queria aquela princesa. Na verdade não era uma princesa para aquele príncipe. Princesas são muito sonsas e aquela princesa queria muito mais do que belas palavras sussurradas no ouvido.

      Deu certo! O tempo que durou, deu certo!

      Passou um batom vermelho, colocou um vestido fresco que lhe escondesse os ossos, soltou os cabelos, se equilibrou num salto bem alto e se foi... Por aí...

      Fim.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Muito Além de Uma Porta


Se você encontrar uma porta a sua frente poderá abri-la ou não.
Se você abrir a porta poderá ou não entrar em uma nova sala.
Para entrar você vai ter que vencer a dúvida, o titubeio ou o medo.
Se você venceu você deu um grande passo: nesta sala vive-se.
Mas também tem um preço: são inúmeras as outras portas que você descobre.
O grande segredo é saber quando e qual porta deve ser aberta.
A vida não é rigorosa: ela propicia erros e acertos.
Os erros podem ser transformados em acertos, quando, com eles, se aprende.
Não existe a segurança do acerto eterno.
A vida é generosa: a cada sala em que se vive descobre-se outras tantas portas.
A vida enriquece a quem se arrisca a abrir novas portas.
Ela privilegia quem descobre seus segredos, e, generosamente, oferece afortunadas portas.
Mas também a vida pode ser dura e severa: se você não ultrapassar a porta será sempre a mesma porta pela sua frente.
É a repetição perante a criação.
É a monotonia cromática perante o arco-íris.
É a estagnação da vida.
Para a vida as portas não são obstáculos...
São apenas diferentes passagens.

Fim.

Içami Tiba


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O Dia Em Que Eu Venci A Depressão


Um dia eu encontrei um buraco... E caí dentro dele. Um buraco escuro, mesmo iluminado; um lugar colorido, mesmo só enxergando o cinza; um lugar povoado, mas que não conhecia ninguém; um lugar cheio de espelhos, mas que não refletiam minha imagem...

Esse buraco se tornou meu refúgio, meu esconderijo, minha fortaleza e meu porto seguro. Não havia o porquê querer sair de dentro dele, pois não queria me sentir vulnerável diante do mundo. Não queria o mundo, queria meu mundo dentro daquele buraco. Eu me bastava!

Meu filhos me alimentavam com seus sorrisos, suas brincadeiras, seus carinhos... E me mostravam pelas frestas daquele buraco que um mundo colorido existia lá fora. Me puxavam pelas mãos, eu ia junto, mas o buraco sempre ia comigo. Voltava para meu refúgio e toda a rotina continuava.

Noites de insônia, desejos de morte, de vingança, de incompreensão... Por que comigo? Que fiz eu para merecer somente um buraco? Nada mais o que esperar senão a passagem para uma outra vida.

As pessoas me falavam, eu não as ouvia, me davam as mãos e me puxavam para fora do buraco, eu soltava e caía mais fundo, as pessoas não voltavam mais... Eu achava que era assim mesmo, que nasci para viver num buraco escuro.

Por que sairia do buraco e correr o risco de morrer na rua, ficar imóvel numa sarjeta e as pessoas passarem por mim e me deixarem lá, apodrecendo, por não me conhecerem? E por que eu iria entrar em uma loja ou em um banco e tudo desabar na minha cabeça? Onde está a saída de emergência? E eu sozinha, soterrada nos escombros, quem se lembraria que um dia eu existi? Quem sentiria minha falta? Não, se for para morrer, quero morrer em casa, junto as minhas coisas, meus filhos...

Um dia acordei e um arco-iris invadiu meu quarto. Sorri. Meus filhos entraram gritando e rindo, brincando e cantando... Eu cantei com eles, pulei com eles, ri com eles... Rolei no chão e me olhei no espelho. Ainda não me reconhecia. Não era eu, não, essa mulher do espelho não era eu.

Numa conversa com Deus fiz um trato: que tirasse de minha cabeça todos os pensamentos ruins, todas as dores e tristezas e que todos que me fizeram algum mal que sejam abençoados e felizes, cada um com sua vida. Em troca eu seguiria minha vida cuidando de minhas preciosidades que eram meus filhos. Seria muito egoísmo deixá-los à deriva da vida...

No outro dia olhei no espelho e penteei os cabelos... Passei um perfume e coloquei uma roupa menos velha e feia. Agradeci a Deus.

Dia a dia fui agradecendo a Deus... Andava pela casa e cada objeto que eu via agradecia. Meus filhos já haviam crescido. Saí no portão e vi um sol radiante... Ele brilhou para mim... Procurei nas gavetas meus óculos de sol e voltei para o portão. Mas a roupa não combinava com os óculos. Troquei de roupa, passei um batom, penteei os cabelos e coloquei um sapato mais novo. Fui até à esquina.

No outro dia olhei no espelho. Não, não reconhecia a imagem que me mostrava. Horrível!

Conheci a internet... Que sonho, que viagem fantástica, músicas dos bons tempos, vídeos engraçados, blogs, rede social, amigos, muitos amigos.

De repente vi que havia me esquecido de pessoas que deveria ter esquecido há anos, que não mais desejei o mal a ninguém e nem fiquei lamentando por nada! Se não for para agradecer que eu permaneça calada. Deus atendeu meus pedidos, agradeci!

Simplesmente mudei o foco.

As pessoas são como são, vivem suas vidas, são imperfeitas assim como eu sou. Nos magoam, assim como eu já magoei algumas, nos agridem, assim como eu já agredi algumas, nos querem o mal assim como eu também já quis o mal de algumas... Não mudam porque achamos ruim. Não mudam porque as julgamos. Não mudam porque não têm que mudar nada! Quem tem que mudar sou eu. E eu mudei!

Vi um mundo novo, mais colorido, mais iluminado, mais engraçado, com gente feliz, gente triste, gente boa, gente nem tão boa, riquezas, pobrezas, fofocas e verdades... Bem, então cada um que escolha o que for melhor para si.

Passou... E eu me olhei no espelho e sorri. Aqueles olhos não me eram estranhos... "Bom dia, dona Clara, está por aí?"

E os dias foram passando, passando, a tristeza foi dando lugar ao bom humor, às palhaçadas, às besteiras ditas, às gargalhadas... Voltei a fazer o que me dava prazer e gostei disso, de poder escolher o que me faz bem. Passei, então, a fazer só o que me fazia bem. Falar não quando queria falar não, falar sim sem medo de ser feliz e no dia seguinte perder essa felicidade. Quem é feliz o tempo todo?

Um dia de cada vez, agradecendo, sendo feliz, sendo triste, respeitando o ser humano como ele é, sem julgar, sem criticar, sem tentar mudá-lo... Apenas conviver da melhor forma possível. Me respeitar...

Quando me dei conta não encontrei mais o buraco escuro. Cadê ele? E os lugares fechados, com pessoas dentro, me pareceram seguras, sem aquela sensação de desmoronar tudo sobre mim.

Não sei... Mas sei onde está a luz, sei onde está minha alegria, sei onde está o que gosto e sei o que eu quero. Tudo sim, tudo sim, tudo sim... O não fica para de vez em quando... Só quando alguém não entender que eu prefiro ser positiva, sempre, do que negativa. Luto pela minha paz e nunca contra meus tormentos. A favor, sempre!

Dar valor ao que tem valor, amar ao que merece ser amado, ouvir a quem quer ser ouvido, conviver com quem quer convivência... E o resto? O resto acha seu lugar sem ajuda de ninguém...

Hoje me olho no espelho, me enxergo. Sorrio... Sim, esta sou eu!

Quem quiser seguir comigo que seja assim, sempre sim, compartilhando... Aprendendo... Amando...

Amém!

sábado, 11 de janeiro de 2014

Poderoso - Conto Sensual - Continuação


      Selena, ainda extasiada pela presença de Rogério, o veterinário que veio dar uma olhada no cavalo de seu pai, Poderoso, continuou sentada na varanda se abanando mais intensamente, com mil pensamentos a lhe roubarem o sossego.

     Durante o jantar começou a perguntar sobre Rogério e sua família, quer dizer, sua família só para disfarçar o entusiasmo. O pai, mesmo estranhando, respondia as suas perguntas, desconfiado, esperando o momento em que o mistério fosse desvendado. E foi! Selena foi rodeando a conversa até sugerir que Rogério lhe ensinasse equitação. O pai, velho de guerra, percebeu na hora e não gostou nada. Gostava do rapaz e de sua família, mas daí a pensar em algum relacionamento amoroso já era demais para sua cabeça. Selena, como filha única e mimada, tanto fez que convenceu o velho pai a convidar Rogério para ser seu professor por uns dias. Ela deu um pulo da cadeira, abraçou seu pai enchendo-o de beijos e agradecendo por concordar. O pai, olhando para sua mulher que ria da situação coçou a cabeça e fez cara de "isso não vai prestá, bem".

      No outro dia Selena levantou-se de manhã cedo, aprontou-se e ficou esperando Rogério na varanda. Demorou um tempo até que ele aparecesse montado em seu cavalo. Não era bem isso que ela queria, mas já estava bom. Cada um em seu cavalo, então. Por enquanto.

      Se cumprimentaram e ele ajudou-a a subir em Poderoso. Como tinha medo de altura soltou vários gritinhos e ficou praticamente paralisada quando Poderoso começou a dar os primeiros passos. Rogério não conseguia se conter e ria da situação. E aproveitava para reparar na moça que conhecera no dia anterior, de vestido azul, cabelos ondulados e olhos pequenos. Tão linda e tão branquinha. Sua pele não combinava com o calor e nem com sol quente, contrastando com seu bronzeado adquirido pelos poucos dias em que estava por ali, cavalgando sem camisa.

      Depois de Selena já ter se acostumado com Poderoso, Rogério subiu em seu alazão e foi guiando-a, bem de perto. Paralisada, Selena só conseguia olhar para o chão e ficar com as mãos grudadas do arreio. Rogério pedia calma e mesmo assim Selena não relaxava. Estava apavorada de verdade.

      Depois de um bom caminho Selena desistiu de continuar e pediu para descer de Poderoso. Não aguentava mais ficar travada de medo. Subir nas alturas não era fácil para ela. Rogério, delicadamente, apoiou-a nos braços ajudando-a a descer. E foi abaixando-a devagar, de propósito, sentindo cada centímetro do corpo dela encostado no seu até ficar com os olhos bem perto dos dela, admirando ainda mais aquela branquinha, que apertava os olhos tentando enxergá-lo melhor, depois arregalava-os como se tivesse descoberto algum segredo. Sua boca entreaberta era um convite ao desfrute naquele lugar paradisíaco e isolado.

      Selena só não contava com a timidez e o respeito de Rogério. Ele foi se afastando aos poucos, segurando em suas mãos até soltá-las, deixando-a sem entender nada mesmo estando a poucos centímetros um do outro. Os olhares não se desviavam, a respiração ofegante, o mundo em silêncio ouvindo as batidas dos corações... Um, depois o outro, num compasso harmonioso, que aos poucos foi se acalmando até Rogério desviar seu olhar e pedir desculpas pela ousadia de tocar-lhe. Selena, gaguejando, disse que tudo bem. Respirou fundo e sugeriu que poderiam ir embora.

     Rogério, honesto em suas atitudes, disse que não precisava exagerar tanto. Poderiam continuar com as aulas. Ela, inconformada e mesmo assim esperançosa, perguntou-lhe se ele subiria em sua garupa para lhe dar maior segurança. Ele olhou o horizonte, mordeu o lábio inferior, pensou, e disse que não teria problemas, que poderia até ensinar melhor se essa fosse a segurança que ela tanto queria. Dispensariam Poderoso e seguiriam somente em Moreno, o puro-sangue manso de dar gosto quando a mulher era  medrosa.

      Primeiro Selena montou e travou, depois Rogério, rindo de seu jeito, montou em sua garupa. Os corpos se encostaram e ao mesmo tempo os dois suspiraram. Gentilmente ele pegou em suas mãos e foi conduzindo Moreno, bem devagar, até Selena se acostumar. Sussurrava em seu ouvido, contando os segredos de como conduzir um cavalo. Selena já não prestava mais atenção aos conselhos de Rogério, apenas acenava com a cabeça como se tivesse entendido tudo. Dependendo do movimento que Rogério fazia seus braços a enlaçavam, como se fosse um abraço. Selena suspirava fundo e continuava. Ele, conduzindo o cavalo, fez com que este quase galopasse. Selena, mesmo assustada, apenas agarrou ainda mais suas mãos e relaxou o corpo encostando-o no seu. Sentiu sua excitação... Seu coração estava tão acelerado que ficou com medo de Rogério ouvi-lo. A boca, sempre entreaberta como se esperasse um beijo a qualquer momento, estava seca, mas mesmo assim Selena engoliu seco e continuou.

      Rogério, achando que havia exagerado, diminuiu e sussurrando no ouvido de Selena que por hora já estaria bom, que aos poucos ela pegaria o jeito e cavalgaria sem problemas e sem medo.

      Ela apenas concordava com ele e não se conformava de estar ali tão grudada em seu corpo e ele querer tanto respeito. Não tomaria a iniciativa nunca, mas também não conteria seus desejos.

      Cavalgaram tranquilamente. Os corpos grudados e Rogério sentindo que não podia mais se controlar com aquela moça que exalava cheiro de fêmea misturado ao perfume amadeirado. Os cachos que estavam para o lado voavam para seu rosto, fazendo-lhe cócegas no nariz. Cachos perfumados e macios, ajeitados e convidativos para o toque. Rogério já não sabia mais o caminho da estrada. Fechava os olhos e apertava as mãos no arreio, tentando se controlar. Vez ou outra olhava para as coxas de Selena e imaginava a pele branca a cegar-lhe, os músculos firmes e os pelos arrepiados com o toque de sua boca que percorria cada pedaço em sua imaginação.

      Depois de ficarem em silêncio por alguns minutos, Selena sentiu seus braços lhe apertarem mais forte, suas mãos a lhe percorrerem o corpo, sua respiração quente em seu ouvido e um beijo bem de leve na sua nuca, roçando a barba por fazer e provocando um arrepio. Não aguentando mais jogou a cabeça para trás e se entregou. Rogério, com uma mão, virou seu rosto e lhe deu um beijo, longo, quente, melhor do que ela havia imaginado. As mãos ficaram incontroláveis percorrendo os corpos grudados. Selena soltou do arreio e alisava os braços de Rogério que lhe apertava contra seu corpo. Moreno cavalgava sem rumo e os dois se entregando num prazer, numa alucinação imaginada só por Selena, que agora se concretizava. Bocas unidas, molhadas, roçando uma na outra... Sussurros no ouvido, gemidos, arrepios... E o tempo passou.

      Só depois é que se deram pela falta de Poderoso. Selena ficou desesperada, apesar de ainda excitada, não se perdoaria se Poderoso sumisse. Era o preferido de seu pai e isso o deixaria arrasado. Rogério pediu para que ela confiasse nele, que se segurasse firme e sem medo. Ela disse que sim, depois de mais um longo beijo. Ele, então, colocou Moreno a galope de volta ao sítio. Ao longe avistaram Poderoso na porteira esperando o casal pervertido voltar. Simplesmente não queria ficar como testemunha, disse Selena rindo. Rogério também sorriu e vendo que não havia ninguém a lhes observar deu-lhe mais um beijo apaixonado.

      Marcaram outra aula para a próxima manhã, agora só com um cavalo. Somente Moreno participaria da indecência dos dois. Se fingiria de cego enquanto estivessem cavalgando, disse Selena, com bom humor. Rogério concordou e se foi, com o gosto daquela mulher atrevida, uma moça de família.

      Fim.