Seis meses se passaram depois da morte de dona Isolina, esposa de
seu Arnaldo. Casamento de cinquenta anos e três meses, até que ela
morreu "de repente", como costumam dizer quem simplesmente morre, sem
antes apresentar nenhum sintoma de nada. Foram felizes na medida do
possível, com seus altos e baixos, com muitas cobranças por parte da
família, que seu Arnaldo achou, num determinado período, que tudo se
acabaria. Mas os anos foram passando e tudo foi se ajeitando como tinha
que ser. Os seis filhos nasceram, cresceram e formaram família. Agora
seu Arnaldo estava sozinho, mas não se sentia solitário e nem infeliz.
Ainda tinha muito o que viver, apesar de seus setenta e dois anos, com
uma saúde de dar inveja a qualquer jovem e ainda uma última atitude que
ele pretendia ir atrás. Agora era a hora.
Na sua juventude, seu Arnaldo foi um galanteador, um conquistador,
que deixou muitas moçoilas apaixonadas e perdidas por ele. Mas uma
única moça resistiu aos seus encantos: Beatriz! Linda morena, sensual,
cativante e com um sorriso arrebatador. Ela não dava muita conversa para
Arnaldo na época, pois já tinha compromisso sério com um outro rapaz,
que fora arranjado pela família, como era o costume daquela época. Seu
Arnaldo sempre procurava saber por onde andava Beatriz, e quando a
encontrava casualmente pelas ruas ficava só de longe a admirar aquela
que conquistou seu coração. Continuava bela como era na juventude, muito
discreta e também viúva há alguns anos.
Seu Arnaldo não pensou duas vezes, iria atrás daquela
ingrata que nem ao menos lhe ofereceu os lábios carnudos para que
sentisse o gosto de uma paixão platônica, por esses longos cinquenta e
poucos anos. Agora estava livre para buscar aquele corpo que aos olhos,
continuava perfeito; não um corpo sedutor ou jovial, mas um corpo
feminino que sempre desejou. Poderia ele, agora, traçar planos, combinar
passeios e, quem sabe, se casar de novo. Por que não?
Só de imaginar esse encontro, ficava todo eufórico, o coração
disparava, as borboletas lhe enchiam o estômago com aquele friozinho
típico de apaixonado e o deixava mais jovial ainda. Um belo dia,
decidido, tomou um bom banho, se perfumou, colocou a melhor roupa e foi à
procura da amada, que durante esses anos todos, aguardava num cantinho
todo especial nesse coração idoso, porém, ainda capaz de amar e ser
amado. Estava se sentindo jovem, bonito, mas não queria ser aquele
sedutor de outrora, agora era um simples cavalheiro que estava em busca
de sua rainha adorada para lhe oferecer o braço quando saíssem para um
passeio, e um lar, quando finalmente o casamento se concretizasse.
Sabia onde dona Beatriz morava e com um belo buquê de rosas cor de
rosa, bateu à sua porta. Ela atendeu e se assustou. É claro que se
lembrava dele, apesar de nunca o cumprimentar nas ruas quando se
cruzavam por acaso ou por uma premonição do destino que já traçava um
final de vida juntos. Convidou-o a entrar e lhe preparou um café. Serviu
uma mesa simples, mas muito bem arrumada, com um bolo de laranja que
exalava um perfume delicioso por toda a casa. Conversaram a tarde toda,
até que seu filho chegou, cumprimentou seu Arnaldo, conversou um pouco e
logo saiu novamente. Ficaram os dois sozinhos e seu Arnaldo finalmente
teve a coragem de se declarar. A voz embargada não impediu que ele
pegasse suas mãos, que agora estavam suando frio e trêmulas, o coração
disparado, as pernas inquietas e a respiração ofegante...
Os olhos de Beatriz brilharam quando ouviu todas as declarações e,
sem pensar muito, confessou que aquele sentimento era recíproco, apenas
não deu confiança por ele ser muito galanteador com todas, e não queria
ser apenas mais uma em sua vida. Pronto! Se abraçaram, se beijaram e
começaram um romance.
Mas seu Arnaldo não queria ficar no romance, queria se casar logo e
viver o pouco que lhe restava ao lado de seu grande amor. Dona Beatriz
aceitou e marcaram a data. Se casaram, viajaram para uma cidade próxima,
pois não queriam perder tempo com lugares distantes. Tinham mais o que
fazer do que conhecer lugares. Isso ficaria para uma outra ocasião.
Queriam ficar a sós, em sua casa, que fora toda reformada, alguns móveis
trocados e muito bem arejada.
Seu Arnaldo e dona Beatriz nunca foram tão felizes como estavam
sendo agora, e isso deixava bem visível para todos que os conheciam.
Irradiavam juventude e demonstravam isso para todos que os viam. Que
seja por um ano, ou por um mês, não importa! Tinham pressa de viver esse
amor que fora guardado esses anos todos.
Um dia, seu Arnaldo se levantou antes de sua amada, para lhe fazer
uma surpresa, afinal já se passara um mês daquela união mais que
esperada. Pegou uma bandeja e arrumou um lindo café da manhã, com um
solitário com uma rosa cor de rosa, como ela gostava, e foi acordar sua
rainha. Chegou ao quarto, colocou a bandeja numa mesinha que ficava num
canto do quarto e foi encher de mimos a doce Beatriz. Estranhou ela não
se mexer, nem acordar, pois sabia que tinha o sono leve. "Deve estar
cansada demais" - pensou ele. Passou a mão pelo seu rosto e sentiu uma
pele gelada. Começou a sacudir e nada! Pegou sua mão também gelada, já
estava com as unhas escuras, começou a massagear os punhos, e nada!
Começou a chorar desesperadamente. Beatriz estava morta!
Morrera tranquila em sua cama, com um leve sorriso nos lábios e
uma feição de total felicidade. "De repente", mais uma vez essa morte
sem anúncio rondou a vida de seu Arnaldo. Se foi seu amor, lhe deixando
apenas a saudade e o contentamento de ter vivido por um mês, a mais
perfeita harmonia, o mais profundo amor, o mais ingênuo carinho, a
ternura verdadeira. Um mês que valeu por toda uma vida...
"Vai, meu amor, e me espere que logo lhe encontro, seja onde
for... eu lhe procuro por toda a eternidade, mas lhe acho, e lhe pego de
novo e não solto nunca mais".
Foram essas as palavras de seu Arnaldo, quando o caixão de sua amada desceu ao túmulo.
Fim.
Texto publicado em 20 de junho de 2012