quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Passado Presente


Participando da Blogagem Coletiva Momentos de Inspiração - 16ª Edição. Blog da M@myrene.

      Quinze anos e parece que foi ontem. Valmir, meu irmão querido, tão jovem e que fez o desfavor de ir antes de nós.

      Me lembro dessa foto perfeitamente, quando ele, insistentemente, nos fez ir até o matagal que ficava atrás da casa só para tirar uma foto de recordação. Ele queria fazer um poster e colocar na sala de visitas. Um sonhador, um romântico, um batalhador e talentoso em tudo que pusesse a mão para fazer.

      Tá certo que tinha aquele maldito temperamento de querer saber de tudo, e sabia de muita coisa mesmo, era topetudo demais para ficar calado quando algum assunto, seja qual fosse, era tema nas rodas de amigos ou de familiares. Estávamos tão acostumados a ele que nem precisávamos procurar respostas em lugar nenhum, ele sabia na ponta da língua. Uma das poucas coisas que não conseguia guardar era o dia do aniversário de mamãe.

      Certa vez, nós todos almoçando para comemorar o aniversário de mamãe, ele chegou e nem percebeu a festança ao redor da mesa. Pratos especiais, vinho branco, carne assada - raramente tínhamos carne assada - e um bolo confeitado que estava em cima da geladeira. Mesmo vendo toda essa algazarra não percebeu do que se tratava. Teve que perguntar, atitude rara, e receber nas fuças uma bronca de todos sobre seu esquecimento. O sabichão ainda teimou dizendo que não era aquele dia não, que seria no próximo sábado! Outra bronca nossa, alguns tapas nas costas, na cabeça e um empurrão na cadeira, para ver se ficava sentado e em silêncio. Nesse dia todos ganharam dele. Mas como era gente da paz levou tudo na brincadeira, disfarçando dizendo que estava testando todo mundo. Mais uma chuva de tapas na cabeça desse inconformado em perder algo, mesmo que fosse no par ou ímpar.

      A última foto que ele tirou de minha irmã mais nova e eu está num lugar especial, na estante da sala. Somente ela e dois solitários com rosas cor de rosa, um em cada lado do porta-retratos. A última foto expressa exatamente como Valmir era: ousado, mandão, destemido e talentoso. Só não contava que nosso pai estava atrás tirando uma foto dele tirando nossa foto. Essa foto especial está no quarto de mamãe, no criado-mudo, sobre uma toalha branca de crochê, do lado de um abajur e de um copo d'água.  Antes havia uma vela sempre acesa, mas com o passar dos anos, convencemos mamãe a colocar a vela num local menos perigoso. Com muito custo ela concordou. Nem sempre está acesa, pois quando ela está dormindo ou quando sai de casa, apagamos a vela. Nunca se sabe o que pode acontecer com uma vela acesa. Mas basta mamãe voltar para reacendê-la e fazer suas orações.

      A saudade dói demais e o tempo não a cura, não a arranca de nosso peito, apenas sobrevivemos sem Valdir na esperança de um dia nos reencontrarmos e matar toda essa agonia e sofrimento.

      Faz quinze anos, mas ainda sentimos sua presença pela casa, dando ordens, resmungando, cuidando de todos nós com muito carinho.

      Ele está num bom lugar. Temos certeza!

      Fim.


18 comentários:

  1. Achei lindo e triste, talvez tenha batido diferenciado pra mim neste momento devido aos últimos acontecimentos... a verdade é que a morte é a única certeza da vida, mas quando ela chega de fato sentimos muito. Mas é verdade também que com o tempo essa dor modifica, apenas ficando saudade onde até nas lembranças somos capazes de sorrir... ;)
    Beijo, beijoooo
    She

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    1. Nos acostumamos a viver sem a pessoa, mas a dor continua, o inconformismo também.... Mesmo sabendo que é fato, não aceitamos. Triste mesmo.
      Beijos, She!

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  2. Linda e emocionante participação, Clara
    A dor da perda de um filho é cruel e machuca
    Te desejo um ótimo final de semana, querida
    Beijinhos de
    Verena e Bichinhos

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    1. Não consigo imaginar essa dor, mas vi meus pais passarem por isso e não é fácil não. É uma injustiça que a gente tem que aprender a conviver. Fica a saudade como lembrança boa.
      Beijos, em vcs todos!

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  3. Falar de morte é sempre complicado, mas vc conseguiu abordar o assunto com uma delicadeza surpreendente e, ainda que melancólica (ou não fosse sobre uma perda), essa história deixa um travo mais de saudade e recordações agridoces, do que de luto.
    Lindo momento.
    Beijinho, um doce fim-de-semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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    1. Com o tempo a tendência é só se lembrar das coisas boas de quem se foi.isso é ótimo! Vida que segue, Ruthia, querida!
      Beijos, ótimo domingo!

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  4. Bonita e melancólica a sua participação, mas expressando com minúcias as veredas da saudade.
    bjs

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    1. Falar de morte é sempre melancólico... mas eu gosto desse tema. Mesmo que seja dolorido, gosto do assunto.

      Beijos

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  5. Oi amiga Clara,
    pode ter certeza, estes reencontros acontecem.
    Grande abraço, saúde e paz interior.

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    1. Eu acredito neles, Milton, acredito muito sim!

      Beijos e lindo domingo!

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  6. Triste mas bem escrito uma participação bonita
    a saudade sempre fica no coração

    Abraços de bom final de semana

    Bjusss


    . (.") .
    . /█\..└──●► *Rita!!

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    1. A saudade fica pra sempre, mesmo com o inconformismo da perda.
      Bom fim de semana, beijos, Rita!

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  7. Clara!
    Que recordação triste...
    A última foto ficou registrada.
    Saudades...

    Desejo que o mês de novembro seja carregadinho de sucesso e ,muitas realizações!
    cheirinhos
    Rudy
    Blog Alegria de Viver e Amar o que é Bom!
    " O talento educa-se na calma, o caráter no tumulto da vida."

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    1. Que esse mês seja ótimo pra nós todos, Rudy!
      Lindo domingo!
      Beijos

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  8. Embora a falar de perda, vc o faz com muito talento ao focalizar os aspectos marcantes e contraditórios do irmão querido.
    Ótimo domingo pra vc!
    ;)

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    1. Jussara, na verdade isso é só um conto, mas falei de irmão porque vai fazer um mês que perdi meu irmão. Então pra não falar dele, fiz esse conto, pensando nele.

      Ótimo domingo pra vc também. Beijos

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  9. Clara, seu texto ficou muito bom, porque apesar das lembranças saudosas, não ficou pesado. No fundo é o que levamos das pessoas queridas, as saudades das simplicidades compartilhadas.
    Prudente apagar a vela, já vimos por aqui muitos casos de acidentes que aconteceram assim. O importante é a luz da oração.
    Um abraço!

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  10. Uma história bonita, uma família linda, mas quem somos nós para evitar as tristezas que o destino nos prepara?

    Uma linda semana!

    Beijos

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