quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Segredos Revelados


Participando da Blogagem Coletiva - 8ª Edição - Blog M@amyrene

      Alícia não acreditava no tesouro que acabara de encontrar: um diário de sua avó! Praticamente um livro manuscrito, letras desenhadas como se as linhas do caderno fossem de caligrafia. As folhas amareladas e com alguns furinhos de cupins davam uma certa nostalgia. O cheiro de papel velho a incomodava mas não conseguia esperar até amanhecer para ler os segredos da avó que falecera há vinte anos.

      Uma curiosidade dela junto com a irmã Aline, que já estava dormindo, a fez encontrar dentro do baú, além das roupas do século passado, vários livros antigos, romances raros, alguns livros pornográficos da década de trinta e esse diário.

      Na primeira página, letras desenhavam o nome da avó Querina dos Anjos Aguiar, o ano, a cidade, estado e país. Como se fosse para esse segredo correr mundo afora, denunciando exatamente de onde partiu. Alícia riu do capricho da avó enquanto passava o dorso da mão para limpar as bolinhas deixadas pelos cupins.

      Alícia, continuando a ler, cuidadosamente passava a página e cada vez mais se encantava com o jeito poético da escrita daquela época. Sua avó ainda jovem se declarando para um rapaz, bem apessoado, como ela escrevera, que lhe admirava de longe, e ela, a avó, não podia lhe fitar os olhos, pois era moça de família e temia ficar mal falada na cidade.

      Continuando a ler descobriu que o rapaz de quem sua avó citava era seu avô Jeremias. Sim, naquele tempo as moças ainda adolescentes se encantavam com os rapazes e estes as cortejavam e casavam, sem demora. Que lindo, pensava Alícia, bem diferente de hoje em dia.

      E chegou na página onde a avó descreveu, discretamente, sobre a primeira noite de casada. Ela fizera uma camisola de algodão, branca, que lhe cobria os joelhos e com bordados na gola e nos bolsos. Pena a avó não mencionar detalhes, mas disse que não foi boa não, que era de bom senso a moça não demonstrar emoção nenhuma para não correr o risco de ser devolvida para o pai. Que coisa grotesca, pensava Alícia. Mas continuando a ler, a avó acabou confessando que com o passar dos dias esse momento de intimidade era gostoso e ela podia até sorrir, escondida do marido.

      Alícia, em estado de graça, fechou o diário, encostou-o ao peito com as duas mãos e ficou imaginando sua avó e seu avô se conhecendo aos poucos, e vivendo juntos até os últimos dias. Raridade nos dias de hoje.

      Não queria ler o restante do caderno. Queria saboreá-lo aos poucos, dia a dia, desvendando os mistérios daquele tempo machista, castrador, difícil, mas muito sincero, inocente e que uma união era para sempre, querendo ou não. As palavras do padre "até que a morte os separe", eram uma ordem e não apenas uns escritos sacramentais. Puro romance, pura nostalgia.

      Alícia não sabia se contaria para a mãe. Capaz dela lhe arrancar o diário e guardá-lo num outro esconderijo onde nunca mais mãos humanas tocariam aquela relíquia de família. Leria tudo e só depois revelaria o achado.

      Guardou os livros e o vestido no baú e escondeu os escritos da avó, debaixo do colchão, em homenagem a ela, que fazia desse lugar um esconderijo sagrado, como contava sua mãe. Dormiu com um sorriso nos lábios imaginando aquela senhorinha carinhosa, meiga, doce... Vó Querina!

      Fim.


11 comentários:

  1. Que lindo, doce e imagino o sorrisinho nos lábios....beijos,chica

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    1. Tempos difíceis, Chica, me lembro de minha doce avó... saudades dela!

      Beijos

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  2. Lindo, o seu conto! Cada dia que passa, você escreve mais bonito, ainda.
    Beijos.

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  3. Ameiiiii que lindo esses dias mesmo estava conversando com minha avó sobre sua noite de nupcias tadinha ficou vermelha mas me contou foi tão intimo e gostoso entre nós duas.

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    1. Era bem assim mesmo... nada de intimidades.Contar pros outros então, nem em sonho! As mulheres eram muito reprimidas, mas conseguiam ser felizes!

      Beijos

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  4. Olá Clara. Boa tarde.
    Você escreve muito bem, tem uma escrita apurada e fluente, não nos cansa com infinitas descrições cansativas e consegue prender no conteúdo da estória do início ao fim.
    Não consigo ver positivismo no texto, embora a intenção pareça querer tender ao romantismo. Pergunto-me como poderia ser interessante viver reprimindo a vida sexual que é o que há de melhor na vida e vivendo debaixo de imposições do "até que a morte os separe". Se na cama ela tinha que ser uma estátua, devia ser um tédio pra ele e não consigo imaginar como um casal se conheceria bem deste modo.
    Bom, foi minha interpretação, do meu ponto de vista do texto, embora esteja claro que não foi o mesmo conceito da autora.
    E literatura é isto. Mau sinal seria se todos vissem de um jeito igual, seria o significado que foi um texto que não fez diferença e não deu margem a outras interpretações. Quando dá esta margem é sinal de um texto rico.
    Parabéns!
    Abraço e boa quarta.

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    1. Alícia é uma sonhadora, Christian! E naquela época era assim mesmo, infelizmente! Mas, de certa forma, as mulheres eram felizes. Claro que não se compara aos dias hoje, com toda essa liberdade de escolhas que temos. Cada um no seu tempo!

      Seu comentário, como sempre, perfeito!
      Gosto qdo pensam diferente e expõem suas opiniões!

      Beijos

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  5. Gostei!!

    Sua imaginação voando cada vez mais longe e para o alto!!!

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

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  6. Vc escreve contos super bem,Clara!Não entendo como não publicou um romance ainda.Adorei a sua participação!bjs,

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  7. Clara
    Adoro ler seus contos e em Segredos Revelados você foi prima em citar detalhes da época, a submissão da mulher e o " até que a morte os separe". Digo que merecia uma continuação. Uma romance de época nasceria desse primeiro conto.

    Parabéns !!

    Beijos

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