quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Réveillon Frustrado

Eliana Teixeira e seus deliciosos contos... deliciosos como esta torta de limão. Que gosto será que tem?
 
       Nunca fui das netas prediletas de Pai Chico. Chamava-me às vezes de negrinha quando ia ralhar comigo. Êta alemão racista, meu Deus! Servia bem para trazer-lhe café e água e pelava de medo com essa incumbência, como, de resto, todos os netos pequenos. Era um porta-copos de prata, dois copos de cristal levemente rosado que mais parecia pele de ovo. Deus me livre de quebrar aqueles copos! Antes a danação eterna que levar uma surra de piraí... Tanto cuidado tomamos que nunca nenhum neto quebrou os malditos copos. Estão por aí.

       Eu nunca era a escolhida para os passeios de caminhonete com ele, por isso foi um espanto geral quando avisou que me levaria à festa de Ano-Novo na Fazenda da Mata. A Fazenda da Mata era de seu primo Dr. Cristiano. Era uma trinca de valor:- Cristiano, Bernardo e Chiquitão. Os Alves Costa. Pai Chico não herdara o Costa e ficara Teixeira: Francisco Alves Teixeira. Mãe Bertina é que era França. Papai era um puro Francinha, assim como o é minha filha Marcela.

       A lesta era lendária. Outros netos já tinham sido agraciados com a honraria de acompanhar Pai Chico. Diziam que na sala, logo na entrada, havia um armário com portas de vidro cheio de tortas maravilhosas, cada uma de um sabor, tortas de cima embaixo. Eu pensava sim na importância de ir com Pai Chico a uma grande festa, de ser admirada como a neta de Chiquitão. Mas pensava principalmente nas tortas. Eu acho que nunca tinha comido tortas, apenas as sonhava. Via fotografias, não, desenhos de tortas maravilhosas nas Seleções do Reader’s Digest da mamãe... Aquelas donas de casas felizes, com a cinturinha de pilão, e segurando tortas de morango, de limão e gelatinas de framboesa em frente a suas novas geladeiras de último tipo...
 
      Mamãe arrumou-me tão bonita quanto possível e fomos para a festa de ano-novo. Eu pensava na minha importância por um dia e nas tortas...
 
      Chegamos e Pai Chico estranhou. Não havia carros, a casa estava silenciosa. Será que ainda era cedo? Entramos. Não havia vivalma. Meus olhinhos buscavam ávidos pelo armário. As tortas, as tortas! Cadê as tortas? Cadê o chantilly cujo sabor era apenas sonhado? Suspiro, será que sabe a suspiro? De repente, o armário. Não havia de ser outro. Majestoso, dominava a sala. Perfeito para exposição de tortas. Meu Deus, o armário está vazio... Comeram todas, a festa já acabou? 
      Uma dor no coração, sensação de culpa, sou eu, sou eu, fiquei querendo demais, Deus me castigou.
 
      Veio alguém. Pai Chico cumprimentou: Comadre, boa tarde. A festa de ano-novo, comadre... Foi ontem, Chiquitão. Dia 31, no Réveillon. Desculpe, deveria ter avisado com mais detalhes. Problema não, comadre, eu sabia; me esqueci. Volto outra hora. Um café, Chiquitão, um minutinho só, dois dedinhos de prosa.
 
      Pai Chico tomou seu café, conversou com os compadres e eu fiquei passeando no entorno da piscina, olhando a beleza do lugar e imaginando a festa feérica que devia ter sido o Réveillon da Fazenda da Mata. Aprendi; Réveillon, essa palavrinha quer dizer festa de ano-novo, mas não é de ano-novo, é o enterro do ano velho. Como será o gosto de uma torta de limão?
 
 

6 comentários:

  1. Que pena que a festa já tinha passado.
    Sempre por aqui um belo conto.
    Beijos.

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  2. Oi Clara!
    Estes causos da Eliana são sempre muito bons! Que frustração heim? Nada como a dura realidade para ensinar.rsss
    Beijinhos!

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  3. Clara, seus textos são ótimos, dispensam comentários. As vezes perdemos coisas na vida, mas aprendemos lições que nos duram pro resto de nossos dias da vida, o aprendizado de não comer a torta é mais valioso do que o sabor de tê-la comido simplesmente, o gosto da lição durará pra sempre e outras tortas virão, de limão, de maçã, de chocolate...

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    Com carinho

    Ghost e Bindi

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  4. http://dovinilaomp3.blogspot.com , agora com atualizações por email, como vc nos sugeriu, amiga.

    Carinhosamente

    Ghost e Bindi

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  5. Olá, Clara.
    Uma pena teres perdido a festa.
    São estas pequenas decepções que nos aprontam para a vida, pois através delas aprendemos que nem sempre as coisas sairão como esperamos, e temos de aceitar isso.
    Abraço.

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  6. Oh dó! Tadinha da menina... lindo o texto. Merecia uma continuação.
    Beijinho e uma doce semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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