segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Vô Chico



      Eu era muito novinha, mas me lembro bem do vô Chico, meu avô paterno. As poucas vezes que ouvi sua voz, era para dar bronca em alguém, ou pedir alguma coisa para minha avó Rita. Esta me lembro: de rosto redondo, riso fácil, bem humorada, carinhosa, cabelos brancos que se ajeitavam num coquinho atrás da cabeça.

      Vô Chico era sisudo, carrancudo, bravo e mal humorado. A casa em que moravam, num vilarejo longe da cidade, parecia uma pequena cidade de faroeste; tinha o piso de assoalho de madeira, daqueles antigos e  ocos por dentro, e quando andávamos, fazia aquele barulho medonho. Dormir naquela casa? Não me lembro, acho que nunca dormi, mas morria de medo do que teria debaixo daquele assoalho velho. Será que tinha alguma caveira escondida, ou um ninho de ratos bem grandes e gordos? Era o que eu ficava imaginando.

      Vez em quando a família se reunia na casa do vô Chico e era aquela festa. Todos os netos ainda pequenos brincavam no imenso quintal onde haviam bananeiras, laranjeiras, mas a única que eu subia era na goiabeira, pois eu sempre empacava nas outras árvores não conseguindo subir até o topo. O pavor da altura já era predominante em mim, mas a goiabeira era fácil, baixinha e as goiabas ficavan à altura de minhas mãos. Em uma das árvores tinha um balanço de corda com um retângulo de madeira como assento e quando éramos empurrados por aluguém, o balanço nos levava para bem alto. Adorava isso, mas quando chegava lá em cima, soltava um grito quando olhava para baixo, de medo da corda arrebentar e eu estabacar no chão. Mas a adrenalina era tão grande, que corria esse risco.

      Vô Chico só ficava de olho para ver se algum neto fazia alguma arteirice ou barulho que lhe incomodava e muito. Ouvíamos seus gritos de dentro da casa, com aquele voz rouca, devido ao cigarro de palha que vivia aceso em sua boca: - Desce daí, menino, você vai cair! - gritava com algum neto mais ousado e destemido, que logo obedecia, pois vô Chico passava um medo terrível em nós. Sua presença era o puro terror, e a pior coisa que podia nos acontecer era levar uma fitada de olhos dele. Isso era pavor e castigo, na certa.

      Mas, quando estava de bom humor, selava o cavalo, que infelizmente não me lembro do nome, ajeitava a carroça e colocava todos os netos em cima e íamos passear nas ruas sem asfalto, por todo o vilarejo, que tinha uma pracinha central com árvores e alguns bancos de cimento, uma igreja bem pequena, um bar bem escuro por dentro e na esquina e várias casas, todas muito simples . Vô Chico não pronunciava nenhuma palavra; apenas ficava chicoteando o pobre do cavalo, e "jogando beijinhos" para ele galopar mais rápido. Talvez ele quisesse acabar logo com aquele passeio, por isso tinha pressa. Quando a charrete passava sobre algum buraco, nós todos mexíamos pra lá, pra cá, dando a impressão de que íamos cair. Dávamos um grito, ríamos muito e vô Chico resmungava alguma coisa e continuava o trajeto.

      Nesse momento de descontração é que sabíamos que o terror do vô Chico não era tão ruim assim. Acho que a brabeza dele era por medo de perder o respeito e algum neto desobedecê-lo. Nós morríamos de medo, mas naquela hora do passeio de charrete, era um avô muito bondoso, mesmo sem falar nada de engraçado, ou de algum gesto de carinho com nós. Mas o fato dele nos levar para um passeio nos fazia sentir que éramos amados de alguma forma.

      Não me lembro de nenhum contato físico com ele, a não ser quando chegava em sua casa e tinha que lhe tomar a bênção beijando sua mão enrugada e dura. Ele sempre sentado em sua cadeira de balanço, com seu cigarro de palha no canto da boca, seu chapéu cinza, olhando para o nada. Aquele chiado da cadeira de balanço era uma coisa medonha. Acho que por causa do assoalho velho de madeira... até hoje imagino o que teria debaixo daquele assoalho, pois a casa era velha, e tinha um porão, que ninguém ia, mas sabíamos que ele existia.

      Bons tempos, onde a imaginação infantil viajava longe, no impossível e improvável. Sua bênção, vô Chico!



   

13 comentários:

  1. Acho que todo mundo teve um "Vô Chico", ou ao menos, alguns momentos dessa figura. Eu tive um avô meio assim, mas era por dia. Porém, ele tinha uma casinha no fundo do quintal que ninguém podia entrar, mas era fruto de muita imaginação kkkkkk
    bjssssss e ótima semana Clarinha!

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  2. Clara,maravilhoso seu texto!Uma linda e tocante homenagem ao vô Chico!Lembrei um pouquinho do meu velho avô tb!bjs e boa semana!

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  3. Oieeeeeeeeeeeeeeeee!!!

    Eu sinto tanto por meus pais não terem colocado meu nome de VERINE. Este deveria ser meu nome, assim quando meus netos já soubessem falar ele me charaiam de VÔ VERINE!!!!!

    Ahahahahahahahahahahahahahhaa..

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

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  4. Vô Chico emblemático! Temos mais em comum do que imaginamos... Tive um vô Chico também, era o famoso Chico Reis, aposentado ferroviário, durão, a sua figura me lembra muito John Wayne, em vez de pé de goiaba, subíamos muito em pé de jambo, banhos em açude e igarapés de água cristalina, sempre quando como queijo-do-reino lembro-me dele. Ele adorava esse queijo!

    Clara, vc me fez viajar na segundona!

    Tenha uma semana especial!

    Beijo no coração!

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  5. Lindo, cheio de boas e doces lembranças!!Adorei!!beijos,chica

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  6. Oi Clara!
    Que bela homenagem ao vô Chico!
    Me fez lembrar minha infância e uma mistur de meu avõ e o meu pai. Ah, na fazenda de minha prima havia uma charrete e o meu pai nos levava a passear. era uma aventura. Já meu avõ senti seu cheiro de charuto e a rugozidade das suas mãos ao ler o seu texto. Ele era uma tranquilidade, muito carinhoso, gostava muito dele. Que delícia estas lembranças,heim?
    beijinhos e uma semana abençoada!

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  7. Eita texto delicioso hein ??
    Adorei, infelizmente não tive nenhum avô, quando nasci todos já tinham partido, mas imagino o quanto deva ser bom ter a companhia desses sábios !!!

    Bjus 1000 querida

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  8. Também lembro com saudade os dois meus avós!

    Bjsss

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  9. Clara, acho que você é minha prima!! :)
    A casa de assoalho de madeira, tábuas largas que quanod pisávamos fazia barulho, a cadeira de balança, o avô sentado nela, o quintal com balanço... tudo igual! A diferença é que o meu avô devia ser bem mais velho que o seu. Ele não saia daquela cadeira e tinha os dedos manchados de nicotina. Não lembro de ouvir a sua voz pois a gente passava batido pela sala! Bons tempos, não é mesmo? Como é bom ter avós, mesmo que por pouco tempo... beijus,

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  10. Deliciosas lembranças de um tempo lindo, mas o tempo passa e fica apenas a recordação.
    Beijos.

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  11. Olá tudo bem? amei o esmalte abaixo. bjus e boa semana

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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