quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Causos da fazenda

Uma história de uma amiga querida: Eliana Teixeira.

Causos da fazenda...





      Lembramos de papai e vem sempre uma história... Papai era bom contador de histórias, mas as melhores são aquelas em que ele próprio é o protagonista; nestas, mamãe é invariavelmente a narradora debochada.

      Lembrava-me outro dia do caso do “Chicoespirra”, corruptela de Shakespeare, no dicionário de Dona Maria. Papai era dado a papéis dramáticos, digamos assim... Mamãe sempre o chamava de “Chicoespirra” quando ele se desmanchava em manhas.

 
      Em minha infância, morávamos em Sete Lagoas/MG durante as aulas e vínhamos para a fazenda apenas nas férias. Naquela época, a condução mais fácil entre a fazenda e a cidade era o caminhão leiteiro, de modo que, na lata de 5l de leite que papai mandava todos os dias pra nossa casa, iam e voltavam amarradinhos com cordão, os bilhetes que papai e mamãe trocavam entre si.


      Mamãe escrevia com frequência; papai, em geral, atendia a seus pedidos, que, no mais das vezes, se referiam às necessidades de frutas, arroz, feijão, ovos e galinhas pra filharada. 

      
      Aos domingos, quase sempre papai ia pra cidade e nos acompanhava à missa das 8h e depois nos levava à Sorveteria Nevada, o que o tornava um deus; mamãe era uma bruxa, porque a ela cabia a vara de marmelo que nos vergastava as canelas.


      Papai raramente escrevia, por isso mamãe sempre ficava apreensiva quando vinha na lata de leite um bilhete da fazenda, mais habituada que estava a mandá-los.


      Certa feita veio um desses bilhetes e, para desespero de mamãe, o bilhete de papai dizia apenas: “Maria, aconteceu uma tragédia. Netto”. 


      O caminhão de leite passava pela fazenda por volta das 7h da manhã e recebíamos o leite pela hora do almoço. Mamãe dava aulas à noite, de modo que, provavelmente, passara a noite em claro quando, às 5h da manhã do dia seguinte, tomou o caminhão de leite rumo à fazenda. “Aconteceu uma tragédia..., aconteceu uma tragédia...”. Mamãe tentava adivinhar, no pior dos mundos, que tragédia poderia ter acontecido na Lagoa Grande.


      Imagino o rosto de mamãe... Bem sei a expressão de seu rosto quando está assustada ou temerosa de alguma desgraça... 


      Mamãe chegou aflita, correu atrás de papai e, resfolegando, perguntou: Netto, pelo amor de Deus, o que foi que aconteceu? E papai, dramaticamente:


      - Uma tragédia: o irmão de Lecy fez mal à empregada de Márcia e Márcia obrigou o rapaz a casar na delegacia...


      Mamãe olhava papai com ares de interrogação, esperando pela tragédia... Mas era isso. Vaqueiro desonra doméstica e casa à força – moda de antanho essa, de casar na delegacia.


      Tragédia? Talvez pr’o vaqueiro, mas galinha que acompanha pato morre afogada...


      Ah, mas quase aconteceu uma tragédia de fato... Mamãe teve tanta raiva, mas tanta raiva da preocupação que papai lhe causara com o bilhete tragicômico, que lhe sapecou o apelido de “Chicoespirra”, que até hoje perdura.


      Ah, quanta saudade de "Chicoespirra"...




12 comentários:

  1. Menina, que confusão! kkkkk
    Adorei, principalmente o teor da "tragédia" kkk
    Adorei Clarinha!

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    1. Cidade pequena, fazenda.... só quem vive é que sabe que "tragédias" escritas num bilhete, não passa de um simples bilhete sem tragédia nenhuma.... Adoro!

      Beijos

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  2. A Eliana e suas lindas histórias contadas com uma narrativa perfeita.

    Eu adorei essa historinha e me lembrei rapidamente do meu saudoso pai, que também era um excelente contador dessas passagens pelo interior das Gerais.

    Meu pai era carioca de nascimento e conheceu minha mãe na pequena e pacata cidade de Soledade de Minas. Casaram-se e vieram para o Rio de Janeiro e construíram nossa família.
    Vez ou outra, passávamos as férias em Soledade.

    Certo dia um amigo dele o chamou para comprar um carneiro. Eles foram a cidade de São Lourenço, que fica a 9 km de Soledade.
    No caminho meu pai já imaginava o brazeiro aceso e aquele carneirinho rodando até ficar tostadinho, muito bem temperado.
    Pois bem, entraram numa agência do banco do Basil e seu amigo pediu o financiamento para a compra do carneiro. O rapaz que o atendeu, também carioca da gema, o olhou espantado e lhe disse: - Senhor não precisa de financiamento para a compra de um carneiro, basta o senhor ir até o aviário escolher o animal e levá-lo para sua casa.
    O amigo do meu pai já olhando de cara feia para o rapaz lhe disse: - Meu "filho" o único animal que tem aqui é vc. Eu preciso de um carneiro hidráulico para puxar água da terra (subsolo)e irrigar minha fazenda.

    Nem preciso dizer a cara de espanto dos dois cariocas: um deles (meu pai) espanto e decepção de ver seu almoço escorrer pelo lençol freático da fazenda e o outro jovem rapaz da ignorância de não conhecer coisas de fazenda, coisas da roça...

    Quem nunca tomou água de mina na folha de taioba e quem nunca limpou a bunda com folha de urtiga????

    ahahahahahahahahahahhahahahahhahahahahahhahahhaha...

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

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    1. Beber água de mina é a coisa mais deliciosa que há. Agora limpar.... etc.... muita gente nunca!!! kkkkkk

      Adoro essas histórias, e aqui no interior, apesar de não ser fazenda, sempre tem uns caboclos pra contar pra gente histórias como esta. E o sotaque... uma delícia!

      Beijos KK

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  3. kkkkkkkkk

    Clara, não pude conter o riso...

    Adorei!
    xerooo

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  4. kkk interessante essas histórias.Gostei da frase galinha que anda com pato morre afogada kk bjus e boa quinta

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  5. Hahahahaha tinha que ser mineirim... Quando escuto causos sempre é de algum mineiro. Engraçado, como as coisas de Minas rodam o mundo!! Mas o mais interessante foi o apelido dado ao trágico sr. Netto!! Muito espirituoso!! Beijus,

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  6. KKK...Isso é que é causo prá lá de bão!Morri de rir e é bem verdade essas coisas!...rss...bjs e boa quarta!

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  7. Hahahahahahahahahahaha..... Adorei e ri muito.
    Beijos
    Chris
    http://inventandocomamamae.blogspot.com.br/

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  8. Oi Clara!
    rssss
    É, na cabeça de cada um a trajédia se faz diferente, né não?rsss
    Que raiva, imagino a cena!
    Adorei, muito boa!
    beijinhos!

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  9. Olá, querida Clara
    Gosto demais de roça e, na infância, ficava aguardando as férias ansiosamente....
    Hoje posso saciar minha sede de roça sempre...
    Contos engraçados são ouvidos sempre quando por lá vou e são uma delícia!!!
    Obrigada pelo carinho na Série Comemorativa do Meu Blog pelos 3 anos de vida.
    Deus te abençoe e te faça feliz!!!
    Abraços fraternos de paz

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  10. Amiga.
    Como fui criada na roça é um prazer enorme
    encontrar ma postagem linda assim.
    Feliz final de semana beijos,Evanir.

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