segunda-feira, 28 de maio de 2012

Primeiro ano

 
      Beatriz, Bia como a chamavam, uma garotinha fofa, cabelos loiros, esperta, inteligente e muito, muito criativa.

      Começara o primeiro ano primário e o entusiasmo deixava estampado em sua carinha rechonchuda. Não tinha preguiça de acordar, arrumar a mochila, o uniforme sobre a cama: camiseta branca, saia rodada xadrez, branco com cinza, meias 3/4 brancas e sapatos pretos. Ah, os sapatos... estes eram um problema para a mãe da pequena Bia... Tinham que ser com solado de borracha, mas aquelas borrachas reforçadas, porque nada a segurava quieta durante o intervalo. Corria para cá, para lá, e dois meses os sapatos já eram....

      De lanche levava pão com ovo frito e uma garrafinha de suco, daqueles em pó, que era só colocar água e adoçar. O corante deste era tanto que sua língua sempre ficava com a cor do suco, o que a deixava alegre, porque somente ela tinha a língua colorida.

      Estudiosa e curiosa, suas notas eram sempre as melhores de toda a turma, e numa ocasião, tirou uma nota um pouco abaixo do que tinha costume; o espanto foi em toda a classe, inclusive para a professora, Dona Ermelinda, uma senhora pequenininha, uma bondade em pessoa com paciência de anjo. Todos adoravam Dona Ermelinda.

      Bia não morava longe da escola, mas tinha muitas ruas para atravessar e onde situava a escola era movimentada, e a pequena sempre ficava com medo de atravessar correndo, cair e algum carro lhe passar por cima. Mas como foi orientada a se virar desde pequena, era assim que tinha que ser.

      Quando chegava na escola, ficava olhando os pais levarem os filhos, ou de carro ou a pé, e imaginava seu pai a levando também, dando-lhe um beijo no rosto e acenando até que entrasse pelo portão. Mas essa experiência Bia já havia tido e não foi nada parecido como todos pais faziam com os filhos. Foi um dia muito triste, que a pequena não gostava de ficar se lembrando, pela dor que sentira daquele que deveria cuidar dela e não a deixar solta para atravessar ruas movimentadas, sozinha. Apesar de tão pequena, aos poucos Bia já pressentia que realmente tinha que se virar, andar sozinha pelas ruas e sempre ir atrás do que queria. Ainda não sabia o que era dor, mas uma pontada no pequeno coração a incomodava quando se lembrava daquele dia.

      Bem no começo das aulas, sua mãe, uma pessoa ocupada com os afazeres domésticos, a levaria por uma semana como já havia lhe explicado, mas depois teria que ir sozinha, pois já era uma mocinha, e mocinhas precisam aprender a ir e vir sozinhas e a se cuidarem também. A pequena ouvia tudo da mãe, sem nada entender, pois com tão pouca idade, só entendia de brincar com as bonecas, que eram poucas, mas eram companheiras para todas as horas de solidão que sentia, quando tinha que brincar sozinha e em silêncio num canto da casa.

      No último dia de completar aquela semana, Bia sentia náuseas por tanta responsabilidade que a mãe lhe colocava nas costas, mas não teria como ser diferente; encararia as ruas e os carros, como uma guerreira, uma destemida mocinha, que foge de bandidos que a perseguem pelas ruas esburacadas, e atravessa correndo, ouvindo aquele barulho ensurdecedor de buzinas por todos os lados. Mas, neste último dia, fez um pedido à mãe: queria que seu pai a levasse até à escola. A mãe torceu o nariz, chegou para o marido e contou sobre a vontade de Bia. Ele a olhou, com cara de quem não gostou muito, mas concordou, acenando com a cabeça. Bia, apesar de ter medo do pai, que vivia carrancudo e quieto, soltou um sorriso e saiu correndo para o quarto para pegar sua mochila.

      O pai se despediu da esposa e foi cumprir a vontade de Bia, sua única filha. Mas ao sair na rua não pegou em sua mão; apenas foi andando rápido, como se estivesse com muita pressa de se livrar dessa obrigação de ter que agradar uma criança. Afinal, por que uma criança tem que querer alguma coisa, pensava o pai, andando rápido e com as mãos nos bolsos. Bia com passos mais acelerados, quase que corria para poder alcançar aquele que ela amava, mas não entendia porque era tão distante, e mal lhe falava com. Já se acostumara com o jeito frio do pai e até achava que era normal ele ter essa atitude, pois não conhecia outro pai. Então, para Bia, a imagem de pai era essa: um homem bravo, que não ria, não falava com ela, e tinha um cheiro estranho quando chegava do trabalho, que ela não sabia que cheiro era aquele. Chegando na esquina da escola, antes de atravessar aquela rua movimentada, o pai parou, só fez sinal para que Bia também parasse, olhou, e lhe disse que atravessasse correndo enquanto os carros estavam longe. Bia não entendia o que estava acontecendo, mas obedeceu, por medo, aquele homem enorme que era seu pai. Atravessou correndo, parou, olhou para trás e não mais o viu. Ela ainda chegou mais perto da esquina e o viu, já bem distante, andando mais rápido ainda de volta para casa.

      Bia não se conteve, abaixou a cabeça e uma lágrima lhe escorreu nas bochechas. Não entendia porque o pai não era como os outros, que davam beijos nos filhos e esperavam que entrassem pelo portão. Uma dor imensa tomou conta de seu coração e não conseguia mais parar de chorar. Mas teria que entrar por aquele portão, porque se voltasse para casa, com certeza levaria bronca da mãe, e quem sabe, uma surra daquele pai que ela sabia como era, mas não entendia porque agia daquele jeito. Culpa! Era esse o sentimento que lhe invadia naquela hora. O que será que tinha feito para que o pai a tratasse assim? E ficava  se lembrando das arteirices do dia, ou do dia anterior, ou então quando era mais criança, e não conseguia se lembrar de nada. Será que falou alguma coisa naquele seu cantinho que sempre ficava brincando em silêncio, e que seu pai passando por ali, ouviu e não gostou? Não tinha como saber.

      As lágrimas ainda escorriam pelo rosto quando entrou na sala de aula, sentou em seu lugar de costume, deitou a cabeça nos braços e ali permaneceu quietinha, com as lágrimas pingando no chão. A dor era tanta que soluçava bem baixinho, temendo que alguém escutasse e lhe desse uma bronca. Sentiu um toque em sua cabeça: era Dona Ermelinda, com todo o carinho, perguntando o que havia acontecido.

      - Nada! - respondeu, passando os braços nas bochechas para enxugar as lágrimas que ainda teimavam em sair de seus olhos.

      - Oh, minha querida, vem aqui comigo, vem.... - e a pegou no colo e ficou abraçada com a pequena Bia, que chorava mais ainda, mas se sentia tão amparada por aquele anjo, que aos poucos as lágrimas foram secando e por fim, começou até a rir.

      Os outros alunos, que nada entendiam, ficavam quietos apenas olhando aquela cena, e algumas amigas daquela pequena fofinha, foram chegando, e quando a professora a colocou no chão, a abraçaram, todas de uma vez.

      Naquela mesma hora, Bia, apesar de sua pouca idade, também tinha a certeza de que era amada de alguma forma, por pessoas estranhas, que sabia apenas os nomes, mas que demonstravam tanto carinho, como nunca havia sentido antes, nesses poucos sete anos de sua vida.

16 comentários:

  1. Uma triste história, pois um filho(a)deve ser muito amado(a) por seus pais.
    Você sabe emocionar com as suas narrativas.
    Tenha uma linda semana.
    Beijos.

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    1. E pensar que isso é tão comum... me corta o coração...

      Beijos

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  2. Nossa, Clara... que vida triste! E é filha única, heim... Ainda bem que na escola ela encontra apoio, o que nem sempre acontece! Obrigada pela visita ao Avaliando a Vida! Uma boa semana prá você! Bjks Tetê

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    1. Acho que as crianças são de uma certa forma, protegidas, mas tais atitudes ficam marcadas pra sempre...

      Beijos, Tetê!

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  3. Oi Clara!
    Que lindo conto! Quantas crianças se sentem assim pela falta de carinho que encontram em seus pais ou familiares, mas nem tudo está perdido quando surgem estas relações pela vida que vão dando suporte, sabe, isso resgata um sentimento importante para a formação da criança. É muito triste ver crianças passar por isso. Amei a história!
    Beijinhos e uma linda semana!

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    1. Acho que a dor maior é a falta de carinho mesmo, a indiferença... isso ninguém apaga pelo resto da vida, Valéria!

      Beijos

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  4. Uma crônica de cortar o coração. Existem tantos pais ausentes, perdidos em seus próprios mundos, se esquecendo que uma pessoa está se projetando...
    Caríssima, deixei minha porção de lágrimas da semana agora aqui.
    Beijus,

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    1. É sim, Luma, de cortar o coração, infelizmente isso é comum nos dias de hoje... pais egoístas e sem um pingo de amor...

      Beijos, querida!

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  5. Olá Clara,

    Que história triste... As criança sente falta desses carinho, dessa atenção, e muitos pais acham-se sempre muito ocupado pra tirar alguns minutos de seu tempo pra fazer esse carnho, e quando percebe os filhos cresceram. Por isso que as criança entra nesse mundo de drogas e prostituição tão cedo. Aqui na minha cidade a policia prendeu alguns pais, porque eles colocava os filhos pra pedir dinheiro no Farol enquanto que eles ficavam dentro de um bar jogando. Coitado da crinaça se não levassem alguns dinheiros pra eles, apanhava muito. Foi assim que a policia descobriu seguindo as criança.
    É triste ver esses tipo de pais.

    Desejo que sua semana seja só de benção. Grande abraço!
    Beijos no ♥

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    1. Que triste isso, não é? Aqui em minha cidade vejo isso também, em alguns pontos. É de cortar o coração, mas o que podemos fazer? É muito triste!

      Beijos, querida!

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  6. Triste essa história. Quantos pais deixam os filhos tristes por um gesto tão pequeno de amor e atenção. Como estamos ficando cada vez mais egoistas. Uma pena.
    Beijos
    Adriana

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  7. Clara,que história comovente!E o pior é que já tive alguns alunos com esse mesmo problema,é mais comum do que se imagina!Sempre um excelente conto!bjs,

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  8. Querida Amiga, hoje eu quero muito lhe agradecer a sua linda e carinhosa presença no meu cantinho! Meu carinho sempre.
    Tem um selinho lá no meu cantinho, feito com muito carinho! Se gostar leve com você!
    Abraço amigo!
    Maria Alice

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  9. Clara

    Uma hostória clara e escorreita,triste mas linda.

    Um lindo dia para você.
    bjs

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  10. Bela escolha da foto - condiz com o texto e a aflição da Bia...

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  11. Olá bom dia,que história triste!
    Mais infelizmente é o que mais acontece,eu mesma passei por isso com meus pais,mas hoje estou aqui graças as pessoas que me ajudaram,assim como essa menininha.
    Agradeço a sua visita,e obrigada pelo comentário beijos.

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