sexta-feira, 11 de maio de 2012

Agora Inês é morta - Parte V - Final

Continua...



      O gesto de acariciar o rosto da mãe, fez com que Eustáquio sentisse um alívio imenso, uma paz como jamais sentira antes. Queria voltar no tempo, quando ainda estava no ventre da mãe, nascer de novo e ter uma nova chance com essa mesma família, para poder ter essa sensação de carinho e afeto, como estava tendo agora. Mas já era tarde... mais um pouco e seu corpo será enterrado... e devorado por aqueles bichinhos sedentos de carne humana putrefada, deixando-lhe apenas os ossos e os cabelos. Será que presenciaria tudo isto também? - Sim, - respondeu a mãe - até o sétimo dia, sentirá tudo o que acontece por aqui; somente depois da missa de sétimo dia, com a oração em união com todos, conhecidos e desconhecidos, e com a benção e o pedido de misericórdia do padre, as preces serão ouvidas e um degrau subirá, e aí por diante, um degrau por vez, até estar preparado para a reencarnação, e tentar mais uma vez viver na Terra e receber o perdão de todos que o odeiam.

      Já recuperado, Eustáquio se levantou do colo da mãe e viu o filho mais novo, "a rapa do tacho", como ele costumava chamá-lo, ao lado da mãe, que permanecia imóvel olhando para o nada. Pedro, assim como os outros, não chorou, mas Eustáquio ao firmar nele viu uma luz brilhante ao seu redor, como se o corpo do filho tivesse luz própria e iluminasse por onde andasse.

      - Por que ele brilha desse jeito, mãe? - perguntou à mãe, sem entender porque não sentia o ódio dele, como sentiu com os outros filhos e com a esposa.

      - Pedro é uma alma iluminada, que veio pela misericórdia de Deus ajudar a família, transmitindo amor, compreensão e quem sabe, fazendo-os perdoá-lo, meu filho. - respondeu a mãe, ainda com a mão na cabeça dele. - Se todos os que o odeiam entenderem o recado do Pai, essa será a última geração de sofrimento, de ódio, de revolta. Os filhos de Pedro serão abençoados como ele, e levarão alegrias e paz, nas casas da avó, sua mãe, e na dos tios, seus irmãos. - respondeu a mãe, agora olhando bem nos olhos de Eustáquio, e finalmente sentindo um alívio daquela alma sofredora.

      Eustáquio, ainda firmando no caçula, viu um breve filme, numa outra parede daquele cômodo, que começava a encher um pouco mais de pessoas, já que estava praticamente na hora de dar adeus àquele homem odioso. Desde o nascimento, Pedro sempre foi muito carinhoso com todos, principalmente com a mãe, que vivia abraçando e beijando; e esta fazia isto escondida do marido Eustáquio, para não levar bronca, achando que estava mimando demais o filho caçula. E era o único que dizia "eu te amo" naquela família. Apenas a mãe ouvia, e se emocionava; mesmo não podendo demonstrar, ainda assim, lhe devolvia a frase, repetindo-a naquele ouvido minúsculo, completando com um forte abraço.

      Eustáquio não prestava atenção no filho, quando ainda era vivo, mas agora vendo os gestos carinhosos, se emocionou e mais uma vez sentiu paz no peito sem coração. Ainda vendo as cenas, viu seu pequeno fazendo desenhos: o pai e o filho de mãos dadas, o pai e o filho brincando de bola... sempre o pai e o filho. E escondia todos numa pasta que colocava debaixo do colchão, para ninguém nunca achar. Somente a mãe sabia desse esconderijo.

      - Por que ele não chorou com minha morte, mãe? - Ficou curioso.

      - Ele não te amava, filho, apenas o respeitava. Por ele ser o menor de todos, você nunca o repreendeu, porque ele nunca ficava perto de você, com medo de levar bronca. Olha pra você ver, ele sempre ficava pelos cantos, sozinho, olhando de rabo de olho pra você, e se escondendo de novo. Um dia, filho, ele perguntou à mãe se podia te dar um abraço, mas ela respondeu-lhe que ainda não, que você podia não gostar, e com isso acabar brigando com ele.

      Eustáquio chorou, mas a paz no peito aumentava à medida que ia vendo o filme daquele pequeno caçula. Queria muito ir até ele agora e lhe dar o abraço, um aperto, um beijo e um "eu te amo, filho". Mas já era tarde, nada podia ser feito. Ele não sentia o amor, mas sentia paz. Eustáquio queria passar por todo o processo necessário e poder voltar, para resgatar a família e todo o amor perdido pelo caminho, por gerações e gerações.

      Olhando em outra parede, Eustáquio teve um calafrio quando viu seu "do meio", Augusto, dentro de um caixão.

      - O que é isso, mãe? - Pegou a mão da mãe, apertou, ficando assustado com a visão.

      - Infelizmente, seu filho terá uma breve vida, e desencarnará de forma trágica, violenta, na rua, mas antes agonizará por um tempo, jogado ao chão, sem ninguém o encontrá-lo. Todos nós temos o livre arbítrio, e Augusto fez sua escolha, uma escolha errada, devido ao ódio por você; traçou seu próprio caminho, andou por onde não devia, por isso a vida breve e morte violenta. - respondeu a mãe de Eustáquio, com uma voz dura, mas ao mesmo tempo doce e terna, tentando consolar o filho.

      Eustáquio chorou, chorou, chorou e pediu para sair dali agora. Mas ainda não podia se retirar: teria que assistir seu próprio enterro, e ver todas aquelas pessoas somente o olharem sem uma lágrima cair, sem nenhum pesar, sem nenhuma saudade. E somente depois, seguiria com a mãe, ao primeiro degrau de uma vida espiritual, como se tivesse nascido nesse momento, primeiro engatinhando, depois aprendendo dia-a-dia, até estar preparado para reencarnar e quem sabe assim, resgatar o amor perdido.

      Na verdade, Eustáquio não sabia, pois sua mãe não contara por não ter autorização, mas ele viria em uma família, em que sua mãe seria seu filho do meio, Augusto; e seu pai seria José, seu filho mais velho. Seria uma gestação muito difícil, com risco de aborto durante os nove meses, e nasceria debilitado, precisando de muitos cuidados. Mas os pais queriam muito essa criança, e fariam de tudo para segurá-lo no ventre da mãe, e cuidariam dele, como se fosse um tesouro; e o amariam com tanta ternura, que esse bebê teria sofrimento somente se, por seu livre arbítrio, fizesse escolhas ruins. E seu pai, o coronel que maltratou tanto sua mãe, também voltaria, e num dado momento da vida, se encontrariam; e esse pai, como amigo, tentaria de todas as formas levá-lo ao caminho ruim. Caberá ao amor e a educação dos pais, não permitir que isso aconteça.

      Mas isso é uma outra história.

      FIM!

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Um ótimo fim de semana para todos!

Agradeço a todos que me visitaram esta semana, que leram, e agradeço aos que comentaram carinhosamente.
Assim que possível retribuo a visita. Demoro, mas vou!

4 comentários:

  1. Puxa, ficou maravilhoso e só hoje, consegui me atualizar e chegar ao final. Valeu! parabéns e deves pensar num livro,né?beijos,chica e Feliz dia das Mães!

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  2. Oi Clara!
    Que maravilha estes caminhos que a vida toma. Nem sempreas coisas saem como planejávamos, nem sequer imaginamos que a nossa via é a torta.
    Você está cada vez mais se especializando nesta escrita em capítulos, contos maiores de enredo bem arrematado. Parabéns!
    beijinhos, um super fds e feliz dia das mães!

    Viu que tem convite pra você lá no blog?

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  3. Clara,por problemas no meu computador, só hoje tive a oportunidade de te visitar e li todo o seu conto.Muito interessante e com uma grande msg de que sempre há uma nova chance,mesmo com todo o desamor de Eustaquio para com sua familia!Linda sua história,parabéns pela inspiraçào!bjs e um abraço pelo dia das mães!

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  4. Clara, gostei da história, embora lute entre acreditar ou não. A morte é um mistério, ninguém volta pra contar nada. Mas podemos imaginar, pensar que pode ser tão bom como vc descreveu. Por isso precisamos ser bons. Melhor pra nós, né?
    Beijo!

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