terça-feira, 8 de maio de 2012

Agora Inês é morta - Parte II

Continuação...

  
      Naquele momento de dor, de tortura e sofrimento em que Eustáquio via sua esposa, naquelas cenas de sua vida, passadas em uma das paredes daquele cômodo frio, onde estava sendo velado, não se conformava por não ser idolatrado como imaginaria. Muitas vezes comentava isso com Maria Isadora: - "Como será quando eu morrer? Será que vai caber todo mundo aqui? Todos os meus amigos, conhecidos e parentes? Tem  os amigos da cidade aqui perto, que com certeza também virão. É, não vai caber todos aqui não." - e ficava imaginado a cara de tristeza e a dor de cada um, que ele achava que lhe seria grato, por uma ajuda ou conselho que havia prestado. Pensava que a gratidão de todos, por ele existir, seria eterna.

      Mas o que via agora, eram poucas pessoas, poucos parentes e ninguém da cidade vizinha. Isso o deixou sem entender, já que esperava o desespero de muitos, por sua partida.

      Seu filho mais velho, chegou até sua mãe, colocou uma cadeira perto da sua, segurou sua mão e ali permaneceu, em silêncio, também olhando para o nada. Eustáquio firmou nesse filho e teve calafrios quando as cenas de sua relação com o primogênito apareceram em uma das paredes daquele lugar frio e quase vazio: sempre que José, o filho mais velho, entrava em seu quarto - o único filho que tinha um quarto minúsculo só dele - maldizia seu pai, desejando-lhe uma breve vida, e que quando morresse, iria tarde demais, e que fazia questão de cultivar todos os dias que não o amava. Apenas o suportava e o respeitava como pai.

      Voltando o filme uns anos, quando José entrou na faculdade, todo feliz a contar ao pai que com o salário de seu trabalho, daria conta de pagar por seus estudos, apenas ouviu de seu pai que não fazia nada mais do que a obrigação de estudar, já que o colocara no mundo para trabalhar, estudar e se virar dali para frente. E viu quando José entrou em seu quarto e rogou todas as pragas possíveis ao pai, desejando-lhe a morte naquele dia mesmo. Eustáquio quis morrer de novo, vendo a raiva e o descaso do filho. Não aceitava que fora um pai somente no papel e que o tratara sempre com muita indiferença. Tinha perfeita convicção de que fizera o melhor, dando a melhor educação que estava ao seu alcance e chamou o filho José de ingrato por sua atitude revoltada.

      Voltando mais um pouco, quando José participou de um concurso de redação em sua escola e ganhou o prêmio. Não contou nada ao pai, por medo de lhe estragar a alegria de ter conseguido disputar com outros oitocentos alunos e ficar em primeiro lugar. Queria curtir a felicidade sozinho, e com sua mãe, que tanto carinho e atenção lhe dava. Mas não adiantou esconder, pois num belo dia, um professor de sua escola foi até sua casa lhe levar o prêmio, já que estavam em férias escolares: uma caderneta de poupança com um depósito de cinquenta cruzeiros. Nunca havia ganho dinheiro nenhum, e com inteligência, ganhou no concurso da escola. Eustáquio foi quem atendeu o professor, ficou feliz, arrepiou, mas isso lá fora, pois quando entrou para dar a notícia à esposa e ao filho, foi totalmente indiferente, como sempre foi, apenas dizendo que não fazia nada mais do que a obrigação em ser o primeiro da turma. José entrou em seu quarto e chorou, e a dor era tão forte que fez com que Eustáquio, agora vendo tudo isso, sentisse um punhal a lhe transpassar o peito, atingindo o coração em cheio. Mas ainda assim,  não entendia como podia um filho odiar o pai como José o odiava. Pais são sempre pais, e o amor por eles existe automaticamente. Era assim que pensava Eustáquio, com toda a arrogância que tinha e que ainda cultivava, mesmo já não estando mais vivo.

       Numa ocasião, José que completava cinco anos, sua mãe, dona Maria Isadora, lhe preparou uma festa, convidando muitas pessoas. Ele adorava festas, pois se encontrava com os amigos, que podiam vir à sua casa, sem que ficasse vendo  a cara carrancuda do pai, que ficava incomodado com seus amigos. Na hora de cantar parabéns e soprar as velinhas, José soprava, elas acendiam, ele soprava e elas acendiam; até que seu pai, com toda a imponência, começou a criticar o filho, dizendo que não prestava nem para apagar uma vela. José não suportou, apesar de seus cinco anos, e chorou ali mesmo, na frente de todos, e o ódio por ele era tanto, que fez com que Eustáquio, vendo tudo agora, perdesse forças, e sua mãe que o acompanhava, o segurasse, pois havia ainda muito para ser visto.

      Enquanto Eustáquio assistia todas as cenas com o filho José, não suportou a dor, e um pequeno arrependimento lhe bateu naquela hora. A dor imensa de ver um filho apenas o suportar e não o amar era tamanha, que Eustáquio começou a implorar a Deus, uma nova chance, uma forma de voltar no tempo e mudar aquela sua atitude grosseira. Queria pegar aquela criança no colo, abraçar e dizer que o amava, que era muito querido, que era uma joia que tinha em casa. Mas como nunca, durante toda a vida, Eustáquio ouviu a palavra amor, era praticamente impossível passar este sentimento, demonstrar em forma de palavras e gestos. Apenas transmitiu o que sempre aprendeu.

      E agora, morto, chorava. Não chorou enquanto estava vivo, mas agora, vendo o filho o odiar tanto, também nunca havia sentido tamanha dor. Chorou... e chorou, descontroladamente. Depois fechou os olhos, e pediu perdão ao filho, e a Deus, por sua rigidez e sua frieza. Será que valeria agora, pedir perdão? Deus aceitaria? Seu filho ouviria, sentiria? Como chegar ao coração do filho, um arrependimento de uma pessoa que o amava muito, mas que não soube como demonstrar o amor necessário? Eustáquio se viu frágil, como nunca imaginaria ser; e de certa forma agradeceu por estar morto, pois a vergonha de saber de um sentimento ruim quando ainda esta vivo, o mataria de outra forma, aos poucos, como se o coração fosse necrosando aos poucos, até a morte do órgão por completo.


Continua...

   

 

4 comentários:

  1. Por isso dizem que o que levamos da vida são apenas as nossas boas obras...

    ResponderExcluir
  2. Fazer tudo de melhor por aqui pra não ficarmos como Eustáquio.Dar carinho, amor, viver bem e fazer viver bem! beijos,chica

    ResponderExcluir
  3. Oi Clara!
    Este arrependimento veio tardiamente. O bom mesmo é fazer o melhor em vida. Realmente a Inês é morta!rsss
    Beijinhos e tudo de bom!

    ResponderExcluir
  4. Essa segunda parte foi muito bem escrita. Está havendo grande progresso em sua narrativa. Clara, simples e objetiva!!

    Continue, sempre!!!

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

    ResponderExcluir

Olá, seja bem vindo e deixe seu comentário!

Eu os responderei por aqui mesmo ou por email, se achar necessário.

São muito bem-vindos, sempre!