quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Bagagens e Medos


O perigo da viagem mora nas malas. Elas podem nos impedir de apreciar a beleza que nos espera.
Experimento na carne a verdade das palavras, mas não aprendo. Minhas malas são sempre superiores às minhas necessidades. É por isso que minhas partidas e chegadas são mais penosas do que deveriam.
Ando pensando sobre as malas que levamos...
Elas são expressões dos nossos medos. Elas representam nossas inseguranças. Olho para o viajante com suas imensas bagagens e fico curioso para saber o que há dentro das estruturas etiquetadas. Tudo o que ele leva está diretamente ligado ao medo de necessitar. Roupas diversas: de frio, de calor - o clima pode mudar a qualquer momento! Remédios, segredos, livros, chinelos, guarda chuva - e se chover? Cremes, sabonetes, ferro elétrico - isso mesmo! Micro-ondas? Comunique-me, por favor, se alguém já ousou levar.
O fato é que elas representam nossas inseguranças. Digo por mim. Sempre que saio de casa levo comigo a pretensão de deslocar o meu mundo. Tenho medo do que vou enfrentar. Quero fazer caber no pequeno espaço a totalidade dos meus significados. As justificativas são racionais. Correspondem às regras do bom senso, preocupações naturais para quem não gosta de viver privações. Nós nos justificamos. Posso precisar disso, posso precisar daquilo...
Olho ao meu redor e descubro que as coisas que quero levar não podem ser levadas. Excedem aos tamanhos permitidos. Já imaginou chegar ao aeroporto carregando o colchão para ser despachado?
As perguntas são muitas... E se eu tiver vontade de ouvir aquela música? E o filme que costumo ver de vez em quando, como se fosse a primeira vez?
Desisto. Jogo o que posso no espaço delimitado para minha partida e vou. Vez em quando me recordo de alguma coisa esquecida, ou então, inevitavelmente concluo que mais da metade do que levei não me serviu para nada.
É nessa hora que descubro que partir é experiência inevitável de sofrer ausências. E nisso mora o encanto da viagem. Viajar é descobrir o mundo que não temos. É o tempo de sofrer a ausência que nos ajuda a mensurar o valor do mundo que nos pertence.
E então descobrimos o motivo que levou o poeta cantar:
"Bom é partir. Bom mesmo é poder voltar!" Ele tinha razão. A partida nos abre os olhos para o que deixamos. A distância nos permite mensurar os espaços deixados. Por isso, partidas e chegadas são instrumentos que nos indicam quem somos, o que amamos e o que é essencial para que a gente continue sendo. Ao ver o mundo que não é meu, eu me reencontro com desejo de amar ainda mais o meu território. É consequência natural que faz o coração querer voltar ao ponto inicial, ao lugar onde tudo começou.
É como se a voz identificasse a raiz do grito, o elemento primeiro.
Vida e viagens seguem as mesmas regras. Os excessos nos pesam e nos retiram a vontade de viver. Por isso é tão necessário partir. Sair na direção das realidades que nos ausentam. Lugares e pessoas que não pertencem ao contexto de nossas lamurias... Hospitais, asilos, internatos...
Ver o sofrimento de perto, tocar na ferida que não dói na nossa carne, mas que de algum maneira pode nos humanizar.
Andar na direção do outro é também fazer uma viagem. Mas não leve muita coisa. Não tenha medo das ausências que sentirá. Ao adentrar o território alheio, quem sabe assim os seus olhos se abram para enxergar de um jeito novo o território que é seu. Não leve os seus pesos. Eles não lhe permitirão encontrar o outro.
Viaje leve, leve, bem leve. Mas se leve!
 
Padre Fábio de Melo

"A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes; o que vemos, não é o que vemos, senão o que somos."
Fernando Pessoa.

13 comentários:

  1. Boa reflexão!

    A minha mala excede sempre em duas mudas de roupa a mais, engraçado é que olhei p/ trás, ela já foi bem pior... Ela piora quando volto Rs, já trouxe na mala para casa, bacalhau, queijo provolone e neste última trouxe azeite de oliva orgânico (Já percebeste que morro pela boca rs).

    Ah! Aqui em casa não usamos ferro de passar roupa, achamos supérfluo (e não andamos amassados rs).

    Bella, uma excelente semana p/ vc!

    Beijãooooooooo

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  2. Lindo texto e realmente, nas viagens, as malas são sobrecarregadas demais!!! Parece que vamos precisar de tudo e depois, volta sem uso...beijos,chica

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  3. Eu também era de grandes bagagens, inclusive para pequenas viagens, mas hoje já não levo tanto e seguindo a reflexão do Padre, aproveitamos melhor.
    Sem dúvidas!
    Conhecer o "próximo", com pouca bagagem é mais proveitoso e intenso.
    Bom dia Clara.
    Xeros

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  4. Clara,que belo texto e eu tb sou exagerada na hora de fazer as malas.Primeiro, porque viajo poucas vezes e nunca sei o que levar!Segundo, por insegurança tb, apego...pois é...e no final fico todos os dias quase que com a mesma roupa!....rss...bjs,

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  5. Olá,Clara!

    A muito custo aprendi a fazer uma mala...rsrsrsr O "básico" antes era quase a casa toda...rsrsr
    Graças à Deus aprendi!E o básico é realmente o básico hoje!!!rsrsr
    Beijos querida!

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  6. Clara querida,

    Com o tempo aprendi, mas ainda não consegui atingir minha meta: viajar com 3 mudas de roupas! Ainda conseguirei! Texto muito bom!
    Girassóis nos seus dias.

    PS: Vou pedir a receita da Bia para aposentar o ferro de passar roupa.

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  7. Oi Clara,
    pensamos juntas e como isso é significativo, heim?
    De tralhas, bagagens e pesos extras, o texto é revelador: da necessidade de partir de vez em quando, da de sempre voltar,de enxugar os excessos e de procurar a leveza.
    Fantásticos e importantes toques.
    Obrigada pela ótima partilha.
    Bjooosss,
    Calu

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  8. Primeira vez que entro no teu blog.
    Comecei a ler, gostei, olhei para tua foto e acreditava que o texto era teu. Podia ser. Mas aí o texto foi espichando se repetindo, achei que não era mais tua cara e descobri que era de um destes padres da moda. Parei de ler, mas teu blog tem um lindo visual e vc também. Na recente feira do livro em minha cidade esgotaram senhas para ouvir e estar perto deste padre que nunca vi uma foto ou li um texto completo. Fiquei espantada com a corrida de fãs. Uma moça ao meu lado disse que é bonitão e usa recursos cosméticos (inclusive botox) para agradar as imensas plateias femininas. Será?

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  9. Olá, anônimo... espero que volte!
    É muito bem vinda!

    Olha, o Pe.Fábio é muito bonito sim e deve fazer uso de cosméticos, botox, academia e tudo mais que muita gente faz.
    Mas, apesar de ser católica, não o idealizo como um ídolo. Eu gosto muito das coisas que ele fala, que nem sempre são de igreja ou de bíblia.
    Ele tem uma sensibilidade imensa pra entender o ser humano e de certa forma nos ensina a viver e a nos valorizar como pessoas.
    Talvez num momento de angústia, vc procure as suas palavras e verá que é um filósofo, um pensador, um cantor, um poeta, e também um padre.

    Beijossss

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  10. Olá,Clara!!

    Vim deixar um beijo!!!!E desejar um ótimo dia!!!!
    Tudo de bom!

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  11. Oi Clara!
    Sou mesmo desapegada, então.rsss
    Minhas malas são leves, levo mesmo meus olhos e coração abertos.
    Já fiz viagem de 21 dias com mala pequena, todo mundo se admirou, mas sou bem prática e nunca penso no que está ficando, eu quero e ir, tudo se resolve.rsss
    Na vida, no entanto, minha mala está sempre excedendo o peso.rsss
    Beijinhos!

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  12. Minha mala só vai vazia quando vou ao Paraguai , porque aí depois ela volta cheia.
    Bjus.
    Bx.

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  13. Menina que post sensacional! Nossa que texto, que reflexão, eu nunca tinha pensado por este prisma, achei muito, muito interessante mesmo! Adorei! ;)
    Beijo, beijo querida Clara!
    She

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