sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Fragmentos de uma dor imortal

Medo...
O único sentimento que tenho agora. Está aqui dentro de mim, prontinho para nascer; nove meses de batalhas, remédios, repousos e chegou a hora.
Não é a primeira vez que vou para dar à luz; e hoje, agora, neste instante, as lembranças passadas teimam em percorrer minha mente que ainda dói.
Como se fosse ontem, um outro bebê aqui estava; e no dia marcado, na hora marcada, tudo paralisou; o coração parou...
Mesmo o carregando por longos nove meses, não fui capaz de sentir que você não mais mexia, não mais batia seu coração, nem ao menos um chute ao gol; nada!
O que houve? Má formação do cérebro? Não! O bebê já estava em sofrimento e passou a hora de nascer.
O desespero deve ter sido tão grande que se enrolou todo no cordão umbilical que o esganou...
Me desculpe, meu querido amor, não tive como saber; não tive como lhe conhecer; não tive como deixar você sentir meu cheiro e nem as batidas do meu coração; e também não tive como lhe alimentar nas primeiras horas com meu leite. Não tive como...
Você se foi; nem ao menos pode ver o brilho do sol ou saber como é respirar esse ar. Foi...
A primeira roupinha, branca com lacinhos azuis, essa foi com você, essa que você sairia comigo do hospital, se exibindo todo, talvez com um olhar curioso pelo teto, chorando por causa de tanta novidade que poderia acontecer dali para frente... Foi...
E eu fiquei. No piso dos recém-nascidos, bebês chorando, mães e pais babando, indo e vindo com seus bebês; e eu ali, sozinha... Foi...
Hora de deixar o hospital, apenas eu e seu pai, de mãos e peitos vazios; alma vazia, oca, dilacerada, apunhalada...
Dois zumbis caminhando pelos corredores sem aquele pacotinho cheiroso de bochechas rosadas... Foi...
Em casa, aquele silêncio; passo pelo corredor e seu quartinho todo pronto, tudo perfeito, azul e amarelo com seu nome pregado na porta: João.
É um estado de morte em vida... Foi...
Meses, meses e meses sofrendo, chorando, lamentando e agora a boa notícia: voltou!
Agora num outro corpo, mas com o imenso amor que nunca acabou a lhe esperar.
Um amor triplicado que só foi quebrado pela tristeza de ter que ouvir de minha mãe, sua avó, que era melhor não ficar muito feliz com a notícia, nem ficar programando nada até que você nascesse e bem: "Você não sabe se vai vingar".
Tem gente que não tem coração e faz questão de embaçar o que temos. Não se conforma com tanta alegria, tanto amor que não nos cabe no peito, ou pelo simples fato de sentir inveja de não ter sido feliz e nem ter ao menos se esforçado para mudar o que lhe incomodava. Bem...
Deus sabe o que faz!
Mais uma vez olho o quartinho vazio, todo arrumado, mas esperando por sua chegada; e também confiro a malinha que irá me acompanhar até o hospital, onde coloquei a roupa mais linda que eu pude comprar, só para lhe receber e lhe apresentar sua nova casa.
Tudo certo, chego ao hospital.
Medo...
Coloco a mão na barriga para ver se sinto seu coraçãozinho ou um chute na trave. Você mexe e eu choro... Meu filho amado!
O primeiro choro e agora juntos compartilhamos as lágrimas.
O primeiro contato; o primeiro cheiro, minha primeira palavra que você ouve; arregala os olhos e tenta me encontrar, parecendo perseguir o som de uma voz já conhecida por longos nove meses.
Acho que mãe é isso mesmo, um estado solitário à espera de seu amor que já é incondicional.
Hora mágica, minuto único, toque inesquecível, olhar penetrante, solidão, medo...
Todos à volta, mas nada ouço, só eu e você e todo o encantamento do primeiro encontro, quer dizer, reencontro.
E nesta hora, neste minuto, nada e ninguém é capaz de atingir ou prejudicar esse milagre de Deus, essa magia da vida e essa coisa inexplicável que é o amor de mãe.
Mãe!
Bem vindo, Gabriel!


11 comentários:

  1. Clara querida,
    Embora triste, alegre também e muito lindo! Há dor maior do que de uma mãe ter que se despedir do filho que vai pra outro plano antes dela? Penso que não. toda mãe precisa morrer antes do filho!
    Girassóis nos seus dias. Beijos.

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    1. Meu filho Felipe tambem se foi logo que nasceu... a vida foi invertida, filho vai antes da mae.... doi muito....

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    2. Sinto muito... penso que deve ser a dor mais insuportável do ser humano... sinto muito mesmo... :(

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  2. Oi Clara!
    Lindo, embora triste, mas nada como o milagre da vida para transformar tudo ao redor. Minha cunhada teve um filho que nasceu assim, com o codão em torno do pescoço, morto, foi uma grande dor, mas outros vieram para sua felicidade.Não é fácil vivenciar a perda de um filho!
    Beijos e um fds de paz!

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  3. A vida é um milagre que sempre nos transforma...

    Uma ótima tarde p/ vc!

    Beijoooooooooo

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  4. Oi Clara hoje vc me fez chorar ao ler o seu texto , eu já passei por isso , sei bem como é .Parabéns descreveu com muita clareza a situação .
    Bjus

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  5. Na vida muitas coisas inesperadas acontecem, mas creio, que sempre haverá uma nova oportunidade. Foi o que aconteceu.
    Deus é sábio e está sempre com as suas mãos sobre nós.
    Bom fim de semana.
    Beijos.

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  6. Ufa, deu um arrepio. Ainda não sou mãe e confesso que tenho muuuuiiiito medo. Medo de tudo... fico pensando que vou ser uma grávida neurótica. Haja força para suportar uma dor dessa! Só mãe mesmo...

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  7. Oi, Clara Querida...
    Que texto mais lindo!, mesmo cruel...de sensações paradoxais, ainda assim repleto de delicadeza, de florzinhas bordadas em cada palavra...de miçangas pregadas uma a uma e cada detalhe do Amor!
    Texto que as mães choram...
    Bjs,

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  8. Muito triste...mas tanta realidade!!!
    Pode acontecer..
    É um amor incondicional,encantamento e medo também...depois de tudo nada sabemos...
    paz e bem

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  9. Todos os textos que leio assim me emociono de uma maneira... Ahhh! Lembro de mim, do meu filho que não veio, da minha dor, e de minha história... Enfim. As coisas são como são! ;)
    Beijo, beijo!
    She

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